fernando botero
vânia!
o celular -
na minha terra telemóvel - é uma modernice do novo homem tecnológico – este
homem. ligado a um futuro que não pára de surpreender. faz-me existir com o
número 00 351 XXXXXXXXX – esta é a minha conexão ao satélite que liga o continente
europeu com aquele que suporta o brasil. américa. onde reside a minha amiga
vânia lopez – escreve a vânia:
-- um dia. não distante. prometo-te surpreender
diz que vai usar o seu celular
marcando o número que me faz existir para o mundo – acredito. mas pelo sim e
pelo não espero sentado para não cansar as pernas – quando concluíres a “call”
cara colega. um sujeito antigo. subjugado agora ao valor das memórias vai
responder a “você” assim:
- - sim. boa tarde. quem fala?
e vossemecê do outro lado
responde em bicos de pés que não param de elevar o sorriso ao patamar das
deusas mitológicas
- - oi meu qu(i)rido. qu(i) legal falar com você. qu(i) surpresa boa. valeu.
estou tão feliz – nem acredito que fui
capaz de ligar. qu(i) legal
dois mundos ligados por fios
invisíveis giram amarrados a um fuso desgovernado pela emoção – tudo agora é
enviesado. o eixo do mundo. as palavras permutadas. os corpos que cruzam
palavras com sentimento. os braços descaídos para bolsos com medo de não
saberem o que dizer e os olhos em órbitas desconhecidas percorrem uma nova
trajetória emocional sob influência de uma nova lei do universo: escrever cria
afetos – ligam as palavras o que o mar teima em separar – para o mundo
literário chegou uma nova descoberta. um novo enviesamento tecnológico
emocional – tudo sorri dentro de uns fios imaginados que ainda ninguém
conseguiu ver – neste mundo os olhos são cegos. descansam para outros encantos
que as palavras juram existir de verdade –
as cabeças não param de imaginar o que vem da voz. doidas pela
descoberta. ajardinadas pelo aroma. enfeitadas pela alegria. tombam para a
emoção cruel da distância aprisionada a um fio-algema – seguram o céu ao
imaginário de duas crianças escondidas em corpos feitos à palavra-papel. tantas
vezes incompreendida. tantas vezes ignorada. tantas vezes manipulada. tantas vezes
a teimar a verdade. escrevem-se numa vida censurada em solidão – comoção.
agitação. perturbação. emoção e tudo oblíquo desde o dia em que o criador engendrou
um homem de pó e uma mulher da sua costela. enviesámos para sempre em palavras –
só ele sabe o porquê de nos colocar a rodar de lado para o universo – bem que podíamos
estar verticais. olhos nos olhos. a tocar com as mãos numa perpendicular ao
corpo. a dizer: estou aqui porque neste momento não poderia estar em mais lado
nenhum. estou aqui porque descobrimos muito mais do que palavras escritas.
descobrimos afeição – não é assim. mas a culpa também não é nossa. nós fazemos
a nossa parte. gostamo-nos – quem manda
pode – palavra a palavra vamos eletrizando o espaço com um perfume alfabético
guardado em boiões de uma prosa universal – bem nos queremos escrevendo ou
falando – ninguém arquitetava um mundo assim. cada vez mais global. cada vez mais informal. nunca
bell imaginaria que a sua descoberta um dia habitaria tão perto das estrelas – se
ele pudesse afigurar que um simples par de números estivesse ligado a um país. a
uma operadora e a um nome que por sua vez. com a voz. faz com que a ida e a vinda
de todas as palavras acabem por informar em grandes parangonas:
-- a lua está cada vez mais perto do mar
estamos os dois na lua – longe
vai o tempo daqueles telefones enormes operados por senhoras de blusa branca.
esguias. sempre a sorrir. cabelo apanhado. lábios pintados de um vermelho a
trazer alquimia à voz: alô! quem fala?... tem uma chamada em linha da senhora vânia
lopez aceita atender? o que era longe fez-se perto. o que era solidão fez-se
saudade. o que era tempo fez-se presente. falamo-nos com abraços feitos de voz – mas o mundo não parou num telefone de manivela e
agora as palavras acontecem velozmente – inesperadamente chega uma nova vaga de afetos
tecnológicos:
--qu(i) saudade tinha de ouvir você. legal mesmo
verdade. verdade mesmo digo eu
que já o sentia sem celular – este legal que pode ser também bestial. brutal ou
boçal se as palavras não afagassem – ainda agora vi um golfinho a saltar para
dentro de uma cratera lunar e um homem verde a ficar cor-de-rosa. talvez azul.
cor do mar que separa a idealidade da nossa escrita – estou certo que um dia
este mar será o nosso “mare nostrum” – mergulham as palavras que escrevo no
avental de quem me quer bem. procuram conforto. proteção. talvez um comentário
carinhoso escrito em verso livre ou um like de polegar virado para o céu – são
rosas senhora. são rosas. e no regaço a mágoa de quem não sabe escrever a raiva
dos continentes cercados de água por todos os lados menos pela escrita – são rosas
com espinhos ou são espinhos com rosas – a lua presa a um mar que teima em
dividir o que as palavras querem unir numa nova estrada metafórica – as mãos pedem
cada vez mais acerto. ritmo e harmonia na escolha das palavras que atapetam
oceanos em cores de amizade – há flores que teimam em nascer nesta encruzilhada
de mãos amarradas aos pés – é afinal esta coisa de escrever que me faz pintar
um quadro para ti: traço acanhado. suave. harmonioso. silencioso. pacato e a decair
para o tom verde-esperança. o mar sem ondas. parado entre marés onde o futuro é
ilegível e se pode ver um golfinho sentado na orla crescente da nossa lua sorrindo
à beleza de um pensamento cristalino – a lua que canta fado no beiral da minha
janela é a mesma que dança samba na avenida do marquês de sapucaí – é a tela
que tenho para te oferecer minha amiga. uma tela feita do meu mundo. do meu
sentir. do meu eu por inteiro onde a água engole as palavras de um mar ainda insuperável
– sobrevive esta pequena luz de palavras em confronto com uma triste nostalgia
de quem espera pelo tocar das vozes – só as sombras sabem o que existe do outro
lado escuro da lua – um dia derrubarei com palavras que ainda não escrevi todas
as sombras do mundo e a água será para sempre engolida pela terra –
escreveremos então um novo poema a duas mãos – [também] somos o que fazemos com
as palavras
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correspondência com a vânia em junho de 2011 que deu origem a uma nova crónica - [também] somos o que fazemos com as palavras
o meu celular. aqui na minha
terra telemóvel. coisa da era dos homens do futuro e com o número 00 351
XXXXXXXXX - esta é a minha ligação ao satélite que liga o continente europeu
com aquele que suporta o brasil - deste lado um homem vai responder - - sim.
quem fala? e do outro lado do celular a voz. a voz caçadora de emoções. vânia.
ui meu qu(i)rido. qu(i) bom falar com você - e o mundo sempre a girar. e o eixo
que suporta os nossos pés a dizer: a lua está cada vez mais perto do mar. ainda
agora vi um golfinho a saltar para dentro de uma cratera e um homem verde a
ficar cor-de-rosa. talvez vermelho. talvez azul. cor do mar que separa a terra
que mergulha nas palavras que escrevo - são rosas senhora. são rosas. e no
regaço a dor de nunca escrever a ira do coração. são rosas com espinhos. são
espinhos com rosas - e a lua à distancia de uma mão e o a.e.i.o.u. a pedir
outras letras um v. um n e as flores a nascer nesta encruzilhada de mãos
amarradas aos pés - é afinal esta coisa de escrever que me faz pintar um quadro
para ti. traço pequeno. irrequieto. em tons verdes e o mar sem ondas. parado
entre marés e o golfinho sentado ao tempo de um pensamento - é tela senhora. é
uma tela senhora dos mundos pincelados de brilho. contrastes de luz que só as
sombras compreendem
06 – 11 -2011 - [revisto em 18.06.2014]