todos os anos
gosto de fazer o balanço do ano que está prestes a terminar: gosto de
falar de mim. do que sofri. do que ri. daqueles que comigo
partilham o nome de família. dos amigos. que com a idade passaram
a ser menos. mas com mais conteúdo. e outras miudezas que
reconheço de pouquíssimo interesse – entretanto. e com a intromissão da
covid19. entendi que falar de mim seria uma vergonha. seria
uma ignominia. um pecado mortal. depois da tragédia que tem assolado
o mundo: mortes. desemprego. falências. fome.
e muita muita incerteza quanto ao futuro próximo – mas a história já nos
mostrou que o homem. na sua infinita sabedoria. vai dar a volta
por cima e. brevemente. esta doença será apenas uma má recordação
– por toda esta imensidão de desgraça é que me nego a fechar o ano. 2020
foi tão mau que vou fazer de conta. que por magia divina. à zero
hora do dia 31 de dezembro. voltaremos todos a começar o 2020. e
assim. como o ser humano aprende mais rapidamente com os seus erros.
emendar tudo o que correu menos bem – é absolutamente urgente perder o medo e
recuperar a nossa liberdade – estamos então nos finais de 2019 e acabou de ser
noticiado na TV que o vírus covid19 foi detido e aprisionado ao tentar evadir-se
da china – apressadamente. as autoridades chinesas. vieram garantir
que tudo não passou de um boato americano e que. nunca houve nenhum vírus
à solta no seu território. principalmente em wuhan – no entanto. a
nossa ministra de saúde. marta temido. já veio afiançar e acalmar todos os portugueses. dizendo que se. e apenas se. o vírus
entrasse no nosso país. o que é quase impossível tendo em conta a excelência
do SEF. o nosso serviço nacional de saúde estaria. como sempre
esteve. preparado para continuar a dar a resposta que sempre nos habituou
a dar ao longo dos seus quase cinquenta anos de serviço público – desaconselhou
também qualquer tipo de histeria por parte da população na corrida aos bens
essenciais: principalmente papel higiénico. latas de atum.
bebidas alcoólicas. máscaras cirúrgicas e álcool gel – por último.
fez questão de reafirmar que não é necessária uma nova lei de bases da saúde
para proteger o interesse público do SNS. a que temos chega e sobra – quanto
á reivindicação por parte dos técnicos de saúde para atualização da sua tabela
salarial. confirmou. que os vencimentos em vigor são aqueles que
o país pode pagar. e não é com vencimentos mais elevados que teremos um
melhor SNS. dando o exemplo dos deputados da república – também a
ministra ana mendes godinho garantiu que os lares das misericórdias e as IPSS vão
finalmente ser dotados de mais auxiliares de saúde. mais técnicos.
enfermeiros e médicos. dando garantias de que os nossos idosos serão
finalmente um desígnio do governo da república nacional. garantindo que o
passado não se repetirá. nunca mais serão ignorados ou esquecidos. eles
são a memória viva do nosso passado – por isto tudo. quero acreditar
que os nossos idosos podem finalmente sossegar e viver os seus últimos dias em tranquilidade
– neste recomeço do ano vamos todos ver os aviões no ar a pedido dos azeitonas –
a TAP vai continuar a contratar pessoal. tanto para terra como para o ar.
e os seus administradores vão renunciar aos aumentos. bem sei que
merecidos. afinal. esforçaram-se imenso. manter a empresa em
balanços negativos há mais de uma década é obra – os pobres finalmente vão
sorrir. o salário mínimo terá um aumento de trinta euros. o que
vai permitir que as famílias possam finalmente comprar o seu automóvel.
casa na praia. fazer férias de verão e inverno. almoçar e jantar
fora. e assim permitir a abertura de mais bares e restaurantes.
mais hotéis. mais habitação para turismo e mais emprego – finalmente os
filhos dos trabalhadores com menos rendimentos poderão escolher o seu
estabelecimento de ensino. com as propinas pagas pelo orçamento de
estado. e o comprometimento do ministro da tutela de que.
brevemente. todo o aluno deslocado terá que ter obrigatoriamente alojamento
gratuito garantido pela universidade – é isto que eu gosto quando se repete um
ano. podemos emendar tudo que esteve menos bem. é assim como
quando repetimos um ano escolar para melhorar a média – neste ano reformador
todas as empresas como a EDP. GALP. telefones. banca.
cadeias de distribuição. seguros. e outras que por não pagarem
impostos desconhecemos. vão distribuir uma parte dos lucros pelos seus
trabalhadores – vamos ter mais teatro. mais música. mais arte.
mais livros e mais sol – esta boa gente. é tantas vezes menosprezada
e ignorada por nos tratar da alma e nos fazer sonhar. não é justo –
vamos ter professores mais motivados. a lecionar com turmas mais
pequenas e com a garantia de que se forem deslocados. o
ministério da educação garante que o subsídio de deslocação não se ficará pelo
pagamento das portagens – espero que a justiça não volte a dar aos portuguese
razões para duvidar dos seus representantes – quando a justiça falha uma nação
fica à deriva. e não é fácil repor a credibilidade de um órgão de
soberania com a importância dos tribunais – acreditamos em que? – é assim que
quero viver o novo ano. com a esperança de um miúdo adolescente.
e de que vai tudo correr bem – é isto que quero para todos os meus familiares e
amigos. quero que sejam felizes. que se cansem de serem felizes.
e que um dia tenham necessidade de tomar uma vacina para eliminar a
possibilidade de uma overdose de felicidade – só há uma coisa que não vou poder
mudar. o desaparecimento do meu sogro. é coisa do senhor e esse é
intransigente na sua ordem de chamada. nos tempos difíceis quer os
melhores ao seu lado – e eu. como tento pecar o menos possível. o
que nem sempre é fácil com tanta tentação. também vou ter mais uma festa
de arromba. entra de forma oficiosa uma nova nora na família. e desejo
muito que aprendam rapidamente a serem felizes na sua mais importante caminhada.
agora a dois – bom ano. muita paz. muita liberdade. e
estou certo que saúde não nos faltará enquanto os nossos heróis se mantiverem
firmes nos seus postos de combate – estes guerreiros dos hospitais merecem o
meu eterno agradecimento – feliz ano novo