.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

24/02/2023

minha mãe

 





não é culpa tua minha mãe

saí apressado

para ir onde não queria chegar

e cheguei…

sem nunca sair de onde parti

as gaivotas iludiram-me com o vento

e eu…

ergui castelos de areia

e fui…

e tornei-me eu

e cresci

e tornei-me ainda mais eu

e amei o que calhou

às vezes ingénuo

às vezes a correr

às vezes sem querer

às vezes…

arrependido de ir onde não queria chegar

e chegar sem nunca ter partido

a família sempre foi o meu sustento

mas mesmo assim…

empurrei-me para sul

e cresci a norte

 

era apenas outono

e todas as folhas

se fizeram papel

e eu

a perguntar-me

porque te fizeste ao mar

se a tua casa é maior de que neptuno

talvez pelo vento minha mãe

talvez pelo vento e as gaivotas

talvez por me parecer outono

e todas as folhas

se fazerem papel

talvez por me parecer fácil

crescer sem ti

 

perdoa-me minha mãe

por ir para onde não queria chegar

e chegar sem nunca sair de ti

perdoa-me

não é culpa tua minha mãe

iludi-me com o vento

iludi-me com o vento e as gaivotas

mas sempre foste tu minha mãe

e foi dentro de ti

que aprendi a amar

este vento que me levou…

onde nunca quis chegar 


a minha mãe na nossa família simbolizou: a comunhão. a união. a força. a determinação. a resiliência. e a justiça – a minha mãe sentava-se à direita do meu pai – a minha mãe era uma mulher forte. líder. trabalhadora. mas dentro de si havia sempre uma manhã primaveril por nascer – era uma mulher do nosso século. independente. derrubou barreiras machistas sem nunca ser feminista – eu e os meus irmãos devemos-lhes tudo. colhemos amor. devoção. liberdade e responsabilidade do seu regaço – a minha mãe quebrou paradigmas e preconceitos. e tornou-se mais mulher no meio das mulheres. e o meu pai foi muito mais homem ao lado da minha mãe – não houve um único dia dos seus noventa e quatro anos que não pelejasse pela sua família – nada a fazia mais feliz do que saber que mantinha os seus meninos perto de si – partiu com os filhos a seu lado. e assim… continuamos até hoje – este é o legado que carrego. e que quero que os meus filhos apreendam. por ser nosso – e agora. que já envelheci o suficiente para ser um pouco mais sábio e humilde. recordo a minha infância com gratidão – nasci numa casa onde uma única porta servia o trabalho e a família – sem perceber. cresci e tornei-me adulto num berço de ouro – a juventude gosta de iludir-nos com artimanhas parvas e supérfluas. e acordamos sempre com a ideia de que nascemos com uma estrela na testa. que somos especiais. obra de um qualquer deus do universo – infelizmente. às vezes. precisamos avelhentar para perceber que as estrelas não pertencem a ninguém. vivem livres e acendem-se para nos confortar das desilusões – eu fui somente mais um humano neste universo enorme de almas – tive. isso sim. uma família especial. que se matava a trabalhar para que eu colhesse e vivesse uma mocidade que eles não tiveram direito – fiz-me homem. e tudo o que fui… aos meus pais o devo. foram eles que fizeram o caminho das pedras para que eu crescesse tranquilo. e caminhasse num tapete de generosidade – espero agora que os meus filhos tenham a sabedoria dos avós. e entendam rapidamente que o que temos de mais valioso é o legado da família. e a estrada que fazemos com ela. e por ela – os filhos não são todos iguais. mas são todos meus. e isso basta para que nos aceitemos uns aos outros. nas diferenças. porque em tudo o resto… somos família. e para sempre – não quebraremos este desígnio que herdamos. nunca – a família é uma âncora que arrastamos com um sorriso ao longo da vida

 

 

22/02/2023

sem-abrigo

 




frequentemente o pensamento veste-se de mendigo – arrogante. o ego. só olha para os botões de ouro em camisa de seda – engano tremendo – muitas vezes. por baixo dos farrapos. existe a alma de um poeta privado de papel para cobrir a sua escrita em noites de aprumo literário - algures madrid 2015



a estrada







a estrada não se escolhe. nasce connosco - cada homem tem a sua estrada para a morte – leça da palmeira 2015

 


o barbas






um homem sem liberdade não tem noite e os dias não nascem - madrid 2015



the dog





 

não há tristeza maior do que não ser sofrível nas artes que te escolheram para dar sentido a esta minha passagem terrena - mas se escrevo torto por linhas tortas. tiro fotos ainda mais tortas por viagens onde não paro de me surpreender - aproveito o blogspot para levar até aos meus amigos esta ousadia de ter uma máquina fotográfica - mas continuo a esforçar-me. a aprender a ser melhor em cada desígnio que o universo me tocou – foto de 2015 algures por madrid

 


17/02/2023

pintor






 


quando um dia leres este poema

e eu for uma luzinha no céu

pequenina e frágil…

não respires

faz uma fogueira…

e dança

e sorri

e pula para o que o teu mundo avance

 

eu

sustento-me no universo

a pintar estrelas com o teu nome

e se me aparecer um ET

que mal me poderá fazer

por saber que o amor me fez pintor

 

e mesmo que esse nobre estranho

nada entenda deste meu ardor

que poderei dizer-lhe eu?

se vivi sempre em dor

por não saber

o que fazer com tanto amor

 

agora…

daqui te espero

sem mais nada ser

do que…

o eterno teu amor

 


14/02/2023

terça-feira em marte









terça-feira em marte – marte deus da guerra sangrenta e dos medos – um dia acordamos rodeados de sobressaltos por todos os lados. somos uma ilha de medos. inquietações e interrogações – começamos a contar pelos dedos o que realmente é importante na vida. sem os esgotar percebemos que envelhecemos – o tempo é uma máquina infernal. tira-nos a juventude e em troca coloca-nos juízo no seu lugar – finalmente. compreendemos que a nossa passagem pela vida terrena se resume àquela expressão que usamos para nos despedirmos de alguém que nos deixa saudade: a vida são dois dias – incrivelmente. são mesmo dois dias. e presos por um cabelo

 


 

10/02/2023

precisamos de uma outra ONU









quando me sinto revoltado. magoado. ou confuso. perco-me de mim. e o que era paz passa a zumbido. intenso. contínuo. irritante e doloroso – para recuperar a serenidade e abafar o zumbido refugio-me em mim: censuro o telejornal. queimo os jornais. mesmo os que me chegam em formato digital. deixo de ver o feed de notícias do facebook. e bloqueio o WhatsApp – digo. tranco-me do mundo – é a única forma de me proteger do que não posso mudar: isolo-me. escondo-me. silencio-me. e neste modo troglodita sei que ninguém perceberá as minhas inquietas palpitações – porque ninguém é obrigado a perceber e compreender as minhas fragilidades. quando resolvo abandonar a minha caverna e saio para o mundo. torno-me um imitador. um mágico da ilusão – imito a alegria lançando foguetes. e assim posso apanhar as canas – imito acenos com cabeça para cima e para baixo. e assim ninguém me interroga – imito as palermices dos amigos para que me pareça com a trupe. e assim me acharem um deles – imito o sucesso para que me sinta inclusivo na sociedade. e assim passar despercebido – imito a fé mesmo restando pouca esperança no modelo de sociedade de que faço parte. e assim prolongo a tolerância com os outros – passo a vida arrastando-me para fora do que sou. e vivo o que não sou – o mundo só é real para aqueles milhares de crianças que morrem diariamente de fome – só é real para todos aqueles que são perseguidos pelas suas convicções políticas. pela situação racial. opção sexual. ou crença religiosa – o mundo só é real para as mulheres que no século XXI ainda são obrigadas a usar o véu islâmico – o mundo só é real para aqueles que ainda não tem acesso a educação gratuita. a água potável. a saneamento básico. a cuidados de saúde primários. a garantia de acesso ao direito e à justiça. e a um teto para dormir e descansar – a carta das nações unidas foi assinada em são francisco em 26 de junho de 1945. logo após o final da segunda grande guerra. e propôs-se preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra – infelizmente. e vergonhosamente. algumas nações continuam a ignorar um tratado que pronunciou um compromisso de defender os direitos humanos do cidadão. que são: os meus direitos. os vossos direitos. os direitos de todos aqueles que ainda não nasceram – paulo portas. no seu programa semanal ao domingo na TVI. global. e a propósito da herança que adriano moreira nos deixou no dia da sua partida terrena. disse: “o que protege as nações dos ventos mais radicais, das ruturas mais destrutivas, dos equívocos mais sérios, são as instituições.” – adriano moreira elevou. dignificou. e protegeu sempre as instituições por onde passou – estas instituições. criadas pelo homem para defender e proteger os seus direitos e as suas diferenças. são cada vez menos independentes dos políticos. das religiões. e dos ditadores – são as guerras que arruínam o que o homem foi fazendo de mais significativo ao longo dos séculos. principalmente nos últimos dois – redução da pobreza. diminuição da população em risco de desnutrição. acesso a água potável. mais cuidados de saúde. mais educação. menos deslocados. mais tolerância. mais informação. mais circulação de mercadorias. pessoas e bens. mais mundo global. menos países e regiões – as fronteiras já não se reconhecem pelos rios ou arame farpado. tornaram-se elásticas de acordo com os interesses políticos e económicos. há uma imergente “multiterritorialidade”. veja-se o crescimento da união europeia – as fronteiras foram derrubadas para que as mercadorias. pessoas e bens circulem livremente. sem oposição dos estados originários – o que importa é o todo. hoje somos da CE. depois. podemos até dizer que somos portugueses. mas é apenas indicativo. os direitos e obrigações que nos tutelam são cada vez menos a nossa constituição. e cada vez mais a “constituição” europeia – o mundo está em processo acelerado de miscigenação. e acredito. que daqui a algumas dezenas de anos. a globalização. mesmo não sendo homogénea. acabará por transformar definitivamente o mundo tal como o conhecemos – há cada vez mais um enovelado de estradas terrestres. de pontes aéreas. de portos marítimos. as mercadorias e pessoas giram de um lado para o outro. cada vez mais rápidas. cada vez mais como se o mundo fosse uma nação com um só povo – nos nossos dias. é pela certificação dos produtos. pelo made in. pelos direitos do seu povo criador e trabalhador. pela liberdade de imprensa. pelo direito à greve e ao protesto. e principalmente. pelo respeito e consolidação da carta das nações unidas. que se delimitam as fronteiras – a globalização é a terceira revolução industrial. revolveu as relações sociais. o conhecimento. e deu início a uma nova era: mais tolerante. mais inclusiva. amiga do ambiente. amiga dos animais. mais livre. mais mulheres no trabalho e em cargos de relevo. mais educação. conhecimento. mais direitos para o trabalhador. mais saúde. e mais todos iguais. todos diferentes – estamos agora em plena terceira revolução industrial. e os benefícios para o homem são inquestionáveis. menos horas de trabalho. mais horas para a família. melhores salários. fabrica-se mais em menos tempo. máquinas mais modernas e mais amigas do homem. mais agricultura. novas ferramentas. aliando a estas o conhecimento científico e por fim. tudo a uma velocidade 5G – este é o mundo global. menos barreiras físicas e mais interdependência social. mais economia. mais instituições democráticas. mais ambiente. e mais cultura – apesar de todas as revoluções e inovações. o mundo teima em apodrecer. em magoar-se. escravizar. segregar. em se matar com bombas cada vez maiores e mais mortíferas – cresci com a guerra do ultramar. depois surgiu a guerra das maldivas. logo de seguida golfo. kosovo. afeganistão. iraque. e agora ucrânia. e estou apenas a recordar as mais relevantes – milhões de mortos. milhões de mães em agonia. milhões de crianças sem pai. milhões de esposas sem marido. milhões de deslocados – com esta barbárie só os senhores da guerra ganham. ou mais terra. ou mais poder. ou mais riqueza. ou mais importância. ou apenas um legado na história. mesmo que seja com o cognome do mais cruel. o mais assassino. ou o mais impiedoso – porque falham os homens? porque falham as nações? porque falham as políticas? porque falham as instituições? o sucesso de um país. ou dos países. ou do mundo. não é determinado pela sua situação geográfica. cultura. ou religião. são as instituições criadas pelos homens que determinam o seu sucesso – o mundo precisa de paz. e de uma nova ONU. esta. já não nos protege dos homens maus

 


 

06/02/2023

segunda-feira em lua

 





segunda-feira em lua – é o primeiro dia do ganha pão. e o primeiro dia em que a insustentável leveza da alma se perde à procura de monopólios excêntricos e supérfluos – procuramos de manhã à noite. da juventude à velhice. e nunca encontramos nada tão belo e valioso como quando regressamos a uma casa com filhos pequenos – e ouvimos a barriga da família dizer: vão dar um beijo ao vosso pai que acabou de chegar – e eu. pai. de braços abertos para um amor que nunca saberei explicar. recebo e guardo cada beijo. cada sorriso. cada abraço. cada correria acabada ao meu pescoço – a vida faz-nos justiça quando nos tornamos avós. agora sabemos que os nossos filhos sentem o mesmo amor. e finalmente nos sentimos compreendidos com os excessos: preocupamo-nos demais. amamos demais. zangamo-nos demais. exigimos demais. com os filhos tudo é demais – e como esse amor dói e nos faz sorrir – os filhos são o nosso eterno desassossego. nunca crescem o suficiente. nunca estão totalmente protegidos. nunca foram amados o bastante – às vezes gostava de os ter novamente pequenos. novamente só meus. com os brinquedos a tropeçarem-me nas pernas. as correrias de um lado para o outro. as sirenes dos carros a zoar. a bola aos tropeções. e tudo em casa desarrumado. como a cabeça – e eu a querer que eles cresçam mais do que as montanhas. que cheguem ao céu já que eu nunca passei das nuvens: não olhes para a TV; olha a comida no prato; a sopa vai ficar fria; come tudo para cresceres; come a cenoura que te faz os olhos bonitos; só vos quero ver casados e arrumados – e agora. talvez não lhes desse a sopa. talvez os deixasse ver pokémon de manhã à noite. talvez fosse eu a desarrumar a casa. mas certo certo. não comiam mais cenoura. ficariam para sempre com aqueles olhos iluminados de pureza – sim. sempre quis ser pai – um pai babado é o culpado de todos os males que afligem os filhos. e interrogamo-nos vezes sem conta: fiz tudo o que deveria ter feito? será que errei em alguma coisa? podia ter feito mais e diferente? – que importa isso se tenho os melhores filhos do mundo – a minha família continua a ser um bonito conto de fadas – chegaram os netos. e o que sinto. é o regresso dos filhos à infância  



03/02/2023

sexta-feira em vénus







sexta-feira em vénus – dia da semana em que jesus foi a enterrar. depois. ressuscitou a um domingo. segundo dizem os livros sagrados e os crentes – o meu pai escondeu-se na terra numa quinta-feira e ressuscita em mim todos os dias – nesse dia satânico. em que a terra engoliu o meu criador. tornei-me adulto. petrifiquei-me. e deixei de contar o tempo – descobri que para além de perder o meu pai também perdi o que me restava da juventude – mergulhei num vazio. fiquei magoado. furibundo. emudeci. e enterrei com ele todas as palavras que tinha ainda para lhe dizer – a morte passou a viver em mim. agora. certa e conhecida – nada. nem ninguém. substitui um pai. recordá-lo. presentemente. é o milagre da fé – acredito que um dia. nas profundezas do universo.  voltarei a beijá-lo. a perguntar-lhe como tem andado. se tem tomado a medicação. se tem visto os filmes do chuck norris. e se não teve saudades minhas – será o dia da minha ressurreição