.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

28/07/2013

estou assim







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nunca entendi muito bem a metamorfose do corpo ao sétimo dia. no passado. em minha casa. este dia era dedicado ao senhor –



– hoje já não há senhores em minha casa. o último a bater a porta foi o meu pai



não gosto do domingo


22/07/2013

imelda marcos




                                               coleção de sapatos de Imelda marcos 
                                                                   foto google




certo dia. na feira da literatura do luso poemas. um poeta ambulante desta “escola”. elitista [penso]. postou no seu espaço de opinião umas linhas de sua autoria sobre um qualquer assunto que já não recordo – lembro-me que gostei – despertada a minha modesta atenção. peguei no teclado. toquei as teclas com muito jeitinho e comentei como entendi – não sei se bem ou mal. comentei com a arte que ao longo do tempo fui capaz de amealhar – não foi muita. confesso com vergonha – já fiz muitas coisas na vida. não nestas coisas da literatura. destas. infelizmente. nada sei. mas de outras que sendo menos eruditas. ensinaram-me a compreender vagarosamente o que os hábeis escritores vão escrevendo numa arte que invejo – confesso que a minha destreza para a escrita é muito modesta. mas na oralidade o desastre é multiplicado por dez – um mal nunca vem só – daí a importância da “escrituração” para os mancebos como eu – escrever é comunicar – nesta habilidade feita a punho é sempre possível voltar atrás. reescrever o que pensamos estar menos bem. repensar. voltar a reescrever – fico sempre com a sensação de que quando reescrevo a emenda é pior que o soneto – aprendi a suportar com tristeza esta marca – burro velho não aprende línguas –

     [prosseguindo. penso ainda]

comentar um autor. que através da escrita. teve a mestria de conquistar a minha [leitor] atenção. deve ser gratificante – que inveja tenho desta gente que é lida – eu bem tento. mas nada. ninguém me comenta – só deus [se houvesse] e eu é que sabemos a dor que me consome o corpo – as palavras são sempre tão difíceis de juntar –

     [andando]

confesso que para mim comentar. é na maior parte das vezes um impulso  impregnado de gratidão. com resultados quase sempre inesperados pela perturbação emocional com que me entrego ao teclado. quero dizer: desfecho de escrita duvidosa –

     [raios partam a minha sorte]

é amargo para quem não tem o dom da escrita – dentro da cabeça milhentas coisas lutam desesperadamente por um lugar no papel. as ideias penetradas por um sentimento maravilhado pulam de lado para lado. empurram-se. esmagam-se e arrumam-se como podem no espaço branco de uma folha a4 sem expressarem uma milésima parte do que deveriam dizer – tanto deslumbramento e o corpo sem forma de o mostrar – e a desarrumação aos gritos no branco da folha – desordem emocional é tudo o que ganhei por um dia ter aprendido a ler –

     [que inveja da cegueira dos analfabetos. nenhuma letra os atrapalha]

mas nem sempre somos o que queremos. na maior parte das vezes somos o acaso de um caso na vida – um dia o meu pai e a minha mãe resolveram dar um beijo no período fértil. aconteci – cresci a imaginar coisas e de cravo na mão parti no meio de uma manifestação a cantar zeca afonso – quando olhei para mim era homem –

     [menos homem do que sou hoje. era um garoto de maior idade]

assim foi. e o tempo a fazer-me crescer e a consumir vontades – os dias eram pequeníssimos para tudo o que sonhava fazer – as coisas do saber exigiam-me tempo que não podia dar e tudo foi ficando adiado em nome de ideais que hoje já não existem  

     [também o meu muro caiu. eu e berlim unidos pelo mesmo destino]

os dias tornam-se compridos e impertinentes – envelheço a sonhar com uma casa virada para o mar. um sofá. uma lareira e uma mesa carregada de saber: livros e livros de gente que não sabe que existo. eu ali estou – sozinho para eles. acompanhado de amigos para mim – todos tão diferentes e todos como eu. unidos pela força das palavras – eu e eles virados para a lareira. eu e eles a ouvir o ir e o vir do meu mar e todos felizes com tão pouco – no resto do mundo as minhas gaivotas rasgam o vento numa liberdade que nunca alcancei – se eu pudesse acontecer de novo – na cabeça a morte trágica de romeu e julieta alimenta-me a esperança de eu também partir envenenado por uma última leitura do amor da minha vida: júlio dinis – havia tanto nos livros deste homem: saber. honra. verdade. tradição. família. trabalho. esperança. amor. caridade. humildade. humanidade. havia sonhos – sempre sonhei com um mundo bom –

     [adiante]

uns dias mais tarde recebi em jeito de resposta ao meu comentário um pequeníssimo amontoado de palavras. que reconheço. talvez por minha culpa. nunca fui capaz de as compreender – lembro-me de ficar irritadíssimo – resisti – ao longo de muitos dias não fui capaz de encontrar no meu conhecimento o mérito suficiente para compreender o meu ilustríssimo escrevente – fiquei arrasado. mas logo percebi que o autor escreveu tudo num superlativo absoluto sintético – não tenho estudos para superlativos –  envergonhado. remeti o meu corpo ao silêncio –

     [desonra pensei. e como manda a tradição do país ao melhor soldado japonês. suicidei-me no meu silêncio]

não se vive em desonra – como foi possível não ter sido capaz de interpretar um simples amontoado de palavras – sei que estavam cobertas por uma ambiguidade sarcástica – como foi possível isto acontecer – tudo isto sufocava. tudo isto era como o enrolar da jiboia. apertava cada vez mais e a asfixia total era uma questão de tempo – o que o nobre colega retratou naquele breve comentário pode ser descrito como uma pintura abstrata lírica. de cores pouco definidas. traço largo. firme e suficiente forte para abraçar toda a ingenuidade do leitor ao ponto de o deixar confuso [louco] –

     [havia naquelas palavras um cheiro forte a tons pastel-terra. lembrando o outono. o cair da folha. as primeiras geadas e a morte dos mais débeis  à crueldade da natureza]

lembro-me de ficar com um misto de intriga e fascínio pela imagem do avatar do colega – era arrasadora: os olhos inclinavam-se para dentro. protegidos por uns óculos de massa que mais pareciam uma prisão. a boca como se nunca tivesse falado. perfeita – a barba [percebia-se] cortada à tesoura. a tombar para a esquerda como se impõe a um verdadeiro revolucionário com estudos – toda a imagem era profundamente perturbante. uma mistura deliciosa de madre teresa de calcutá com a heroicidade de che guevara – lembro-me de pensar: a história jamais apagará um retrato como este – nunca lhe perdi a admiração. ainda hoje. em segredo. pé ante pé para não incomodar. lá vou eu dar um escapadelazinha ao seu covil de saber – fico sempre estarrecido com a humildade de quem sabe que sabe –

     [sou um romântico]

fiquei tempos sem fim a olhar para as palavras. ora lia o meu comentário. ora lia a resposta ao meu comentário – hoje posso garantir com verdade que não foi nada fácil aguentar aquela dor de saber que nada sabemos – é como nas corridas de fundo no atletismo. a meio da prova. surge uma dor na zona abdominal. chamam-lhe dor de burro. confesso que não sei o porquê – na dor de burro. sabemos que dói. colocamos a mão sobre o local da dor para comprimi-la mas não há nada a fazer. só pára mesmo de doer quando paramos de correr. neste caso de ler – assim fiz. e logo a dor parou – hoje à distância do tempo já gasto. lembro-me do local da dor e de um pequeno excerto do comentário que originou uma das piores dores de burro que tive na vida – dizia o meu caro colega: as minhas palavras lhe traziam à memória imelda marcos pela adoração que esta tinha por sapatos – este comentário mudou a minha vida – hoje. sou um comprador compulsivo de sapatos. fanático e sem tratamento – tudo faço para embelezar os pés – aprendi que é absolutamente necessário estar bem calçado para que uma escrita se torne credível. formosa e principalmente lida – nunca escrevo descalço. não. nunca mais quero ter aquela dor de burro –

     [escrevi. li. pensei. escrevi e passaram-se provavelmente dois anos]
e agora vou dormir em paz




12/07/2013

confissão




marc chagall



chegou o momento de voltar a colocar o silêncio no corpo – branquear a memória. reconciliar e envelhecer – nada em mim tombou apodrecido




11/07/2013

nuno higino - talvez deus se tenha enganado




nuno higino




Queria centrar-me todo em certas palavras, ocupar o espaço
sem necessidade de coordenadas, errar o tempo
tomando-o por tempos que nunca existiram. Desejaria a sorte
dos que morreram em naufrágios e foram poupados
à habitação dos cemitérios. Nunca tive jeito para ser feliz
[nem para gritar] e pior que isso: condenado à efémera
duração dos sonhos [bastava a poesia para condenar-me]
Talvez Deus se tenha enganado: sobre o barro soprou a vida
em vez do sonho.




    Nuno Higino. Talvez Deus se tenha enganado. Letras & Coisas (2004)


05/07/2013

beijo




van gogh




e do nada um beijo – tinha pedido um cigarro aceso. chegou-me um beijo aceso – os beijos não fazem mal. os acesos também – sempre gostei de beijos que nos abraçam – estou com os olhos fora da latrina – estou sem braços. sem pernas. sem olhos. sem pulmão. sem ar. sem paladar. estou sem o meu corpo – mas estou para beijos. ainda tenho face – nunca perco a face. deve ser de família. vamos perdendo tudo menos a face – estou agasalhado para mais uma noite. estou com um beijo aceso que me abraça de bem



04/07/2013

o que é lucidez?




sam jinks




tenho ainda tanta coisa para escrever – tudo que tenho corre para as mãos como os rios correm para o mar – tudo confusão. e os olhos dentro da latrina gritam para não mais voltar a ver – tudo é desordem. desarrumação – e as mãos não sabem dar ordens – desapegado do corpo – arranco um braço e os jornais  anunciam o fim da greve geral – arranco uma perna e gasolina é mais cara dez cêntimos a partir da meia-noite – arranco a outra perna e o vizinho atira-se da varanda por não ter um empregador – estou de rastos. ao nível dos vermes – arranco um pulmão. e os médicos anunciam uma vacina contra o cancro do pulmão –  arranco a língua. e ninguém quer saber do que escrevo – arranco os miolos. e a casa amarela não aceita doentes sem adse – arranco o outro braço e fico para sempre em silêncio – não escrevo. não ando. não penso. respiro mal e já nada corre para lado nenhum – ouço. ouço o tempo. ouço as pernas. ouço as mãos. ouço o cérebro. ouço o que me ficou dentro – há coisas que não conseguimos arrancar – ouço o meu silêncio como nunca fui capaz de ouvir – alguém afectuoso por perto me traz um cigarro aceso? preciso de escrever




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significado de lucidez:


mente limpa, coerente, quando a pessoa tem discernimento, atento, alerta, acordado, enfim sóbrio.
exemplo do uso da palavra lucidez:

o casal apesar de ter saído tarde da festa estava lúcido, no entanto colidiram o carro por inabilitação do outro motorista.

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o outro motorista sou eu







edith piaf









não lamento nada. nada de nada - estou a caminho do caminho que me escolheu - nem sempre temos o poder da escolha - não lamento nada. nada de nada



03/07/2013

em que estás a pensar?




sam jinks




sempre que abro o facebook dou de caras com esta coisa medonha - em que estás a pensar?


será que alguém consegue pensar neste país? não acredito - talvez haja para aí algum iluminado que ainda pense - no que diz respeito à minha pessoa. e para vos falar verdade. já não penso. já só tenho tempo para me desviar dos obstáculos que aparecem em catadupa - e tudo cada vez mais rápido e eu cada vez mais lento - creio que estou no famoso jogo playstation-sonic - o pormenor é que neste jogo as argolinhas douradas não trazem vidas extras e eu já estou na última [parte da] vida - confesso que estou com medo. ainda não vi nenhum botão start



02/07/2013

não renascerei




lucian freud






se eu quisesse falar com deus tenho a certeza que o todo poderoso me mandava à merda – de mau. desiludido e com cara de quem já não procura amigos também digo: não quero falar contigo – prefiro recordar-te como te vi no livro da catequese – nesse tempo fazias milagres





01/07/2013

maçã




sokram





o silêncio também cai de maduro



não há ressurreição




ron mueck




se eu quisesse falar com deus tenho a certeza que o todo poderoso me mandava à merda – de mau. desiludido e com cara de quem já não procura amigos também digo: não quero falar contigo – prefiro recordar-te como te vi no livro da catequese – nesse tempo fazias milagres