.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

25/11/2022

raiz de um quadrado




 


um quadrado será sempre um quadrado – dois quadrados serão sempre dois quadrados – um quadrado de salto alto será possivelmente um quadrado do sexo feminino – um quadrado de chancas será possivelmente um quadrado de sexo masculino – um quadrado com os ângulos polidos não deixa de ser um quadrado com ângulos – um quadrado esticado pode parecer um retângulo. mas é apenas um quadrado com a mania de ser o que não é – um quadrado feminino de lábios pintados. pode parecer uma senhora. mas não. é apenas um quadrado feminino de lábios pintados – um quadrado masculino com camisa alinhada pode parecer um cavalheiro. mas não. é apenas um quadrado masculino com uma camisa alinhada – um quadrado que teima em ser o que não é. é um quadrado “malade de la tête” e com mania das grandezas – um quadrado intolerante é sempre um quadrado mal-agradecido – um quadrado dominador. é sempre um quadrado castrador – um quadrado mentiroso não deixa de ser quadrado. apenas distorce a realidade para tentar influenciar os outros – um quadrado sem humildade. é um quadrado que viverá sempre só mesmo quando está acompanhado – um quadrado manipulador não deixa de ser quadrado. apenas tenta fazer dos outros um quadrado igual a si – um quadrado sociopata é aquele que quando olha para um retângulo. um cubo. ou um triângulo. diz que são quadrados com defeito – um quadrado egocêntrico é um quadrado que jura que todas as figuras geométricas nasceram de um quadrado – um quadrado garimpeiro é um quadrado que teima encontrar em si o que vê nos outros – moral dos quadrados parlapatões. olhem para o que digo. mas não para o que faço – eu não sei que figura geométrica sou. às vezes gosto dos quadrados. às vezes dos cubos. às vezes dos cilindros. e se me perguntarem porque gosto. não sei. gosto porque gosto. sem nenhuma razão divina. científica. ou existencial – gosto de todas as figuras geométricas. mesmo daquelas que tem ângulos obtusos. gosto de diversidade. de cores. de música. gosto do mar e de gaivotas. e também gosto de ver e sentir o que os outros veem e sentem – há o meu mundo. e um outro mundo feito de outros lados onde eu também gosto de existir – mas o que gosto mesmo. é de prismas. une todos os segmentos de reta num ponto. e é nesse ponto que percebo o sentido de tudo o que me rodeia – todas as figuras geométricas têm a sua razão para existir. mesmo que a sua passagem pela terra seja uma perda de tempo – a razão para existirem é essa mesmo. percebermos que são uma perda de tempo

 


11/11/2022

pedras 6

 




[túnel do tempo]

raio de peso perverso. malvado. estúpido e ordinário. que bruxa má me carregou as costas com estas pedras surrentas. emporcalhadas. imundas. excrementadas de um mundo que nunca fui capaz de me adaptar – mesmo não sabendo para onde vou amanhã. ou outro qualquer dia. teimo e empurro o que trago comigo por castigo ou sorte. penitencio-me. fustigo-me com lamentos. crucifico-me ao tempo terrestre que me pariu assim como sou. e carrego o que me resta dos ossos porque a carne ardeu neste inferno em que existo – mas teimo. teimo para dar sentido às pedras que me calharam em sorte. ou por malvadez. mas mesmo que fiquem do tamanho da lua. levarei o corpo até ao último dia – e a dúvida continua. escrevo porque penso. ou escrevo para me fazer existir? não sei. mas teimo em saber – amarro no que me sobra do futuro e parto. parto a correr pelas fotos dependuradas ao longo dos anos. como se elas me pudessem remover as incertezas. como se me pudessem oferecer um novo final para o que já vivi. como se me pudessem fazer regressar quem já partiu – nesta viagem alucinada recordo o afeto de todos aqueles que amei e um dia estiveram vivos. e fico com a sensação estranha de que ainda posso voltar a abraçá-los. e de que os lábios ainda podem dizer o que não foi dito – e todo eu numa melancolia extrema. difícil. a magoar a carne e o pensamento. cada vez mais mergulhado num tinteiro de ideias parvas – vivo afundado numa irracionalidade louca. doentia. e sem fim – às vezes saio de mim. e vou à procura de me encontrar. vou por aqui e por ali. sem rumo. sem preconceito. e sem hora para voltar. apenas vou. assim como quem vai para não chegar a lado nenhum – às vezes vou porque o corpo quer. mas também vou por me sentir farto de ser como sou. de querer certezas para as incertezas. de procurar respostas para o que ainda não compreendo. e do que me recuso aceitar como lei universal: não envelhecerei. e que um raio de zeus me incendeie se de mim brotar um cabelo branco – às vezes vou zangado apenas por saber que quero ser o que nunca serei. e por mais que pense. por mais que me tente libertar do que vive dentro de mim. do que vive em mim sem nome. torno-me desvigoroso. que é o mesmo que dizer fraco. irracional – e sem que entenda nada de relógios. os segundos fizeram-se anos. e a desilusão a trabalhar. a ficar gigantesca. muito maior do que o solstício de inverno: os dias nunca clareiam num homem revoltoso – a dúvida a esburacar o coração e a perguntar. será que a minha informação genética está danificada? será que carrego apenas informação medíocre? ou contaminei-me com o nascimento? será essa contaminação um desígnio do universo? ou de satanás? ou de deus? não sei. juro que não sei – “e o senhor fez brotar da terra toda qualidade de árvores agradáveis à vista e boas para comida, bem como a árvore da vida no meio do jardim, e a árvore do conhecimento do bem e do mal” gênesis 2:9 – sou um inculto. um iletrado. um insipiente. um tolo. como é que poderia desejar uma árvore se nunca tive um jardim – em desânimo deixo-me cair no túnel do tempo e viajo até onde a raiva me permite chegar – às vezes vou ao futuro. mas logo fujo para o passado. é aqui que dou comigo vivo. no futuro acabo sempre morto. e nunca consigo chegar a lado nenhum – como se houvesse uma máquina para andar de um lado para outro. não há. a única máquina é a minha mente. distorcida da realidade. perigosa. por querer alterar não o mundo. mas o que vive dentro de mim – e quando pergunto. o que vive afinal dentro de mim? nunca sei responder. é qualquer coisa que fala sem boca. que anda sem pernas. e que vê sem olhos. é como se caminhasse num carril de comboio e houvesse sempre uma dessas máquinas diabólicas a tentar apanhar-me. há dias em que salto do carril. mas também há dias que prefiro enfrentá-la. e deixo-me morrer num milésimo de segundo. e desapareço com estrondo. para aparecer logo de seguida na mesma linha e no mesmo local – há estradas que não nos levam a lado nenhum. existem para nos enganar. para nos iludir com um fim feliz. e afinal… o que existe mesmo. é o fim da esperança – às vezes sinto-me mais para lá de que para cá. meio louco ou coisa parecida. a viver entre a realidade e a ilusão. entre as forças do bem. e o desaparecimento. sem saber dizer coisa com coisa. só o que escrevo continua a fazer sentido – acredito que haja loucos internados com menor gravidade. mas que posso eu fazer por eles se nem por mim faço? sinto-me preso num colete de forças. e mais preocupante. sinto que este colete que vesti. sem nunca o desejar. aos poucos. tornou-se parte da minha pele. e agora. que estou grande e sem certezas de nada. é por ele que respiro e me atiro contra as quatro paredes em que sobrevivo – interrogo-me então: porque sou desajeitado a pensar? não sei. acreditem que não sei nada. o que sei é que sinto saudade do colo da minha mãe. da mão do meu pai. de uma noite onde o batimento do coração. melodiosamente. entretém o silêncio do universo – nessas noites em que me ouço sei que estou vivo – é então que enraiveço e me faço existir mesmo nas fotos em que não me vejo – que tontaria. que idiotice – todos tem o direito de crer em alguma coisa. nem que seja numa pedra mágica que. depois de esfregada. nos faz acreditar que a vida é o resultado do bater de asas de uma borboleta na austrália. e que o melhor está ainda para chegar – esta vida que vou vivendo deve-me esse enredo. mas se me negar. se me renegar. eu irei atrás dela com o que me resta. de pouco farei muito. no absoluto encontrarei forças. na ingratidão moldarei o perdão. alimentarei o desespero com fé. e mesmo que o vazio onde vivo cresça para lá de onde me escondo. mesmo que os olhos se façam parede. mesmo que as pedras se façam túmulo. eu irei. irei pelo caminho que me queira levar. e a algum lado hei de chegar – sou o que o tempo me carregou. e assim chegarei até ao último dia