.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

30/09/2011

metaforizar





mauríciio takiguthi - o louco




não invento metáforas. vejo-as – o embaraço está na forma como vos entrego esta minha parte abstrata – excêntrico. apeio no papel tudo que contemplo – vivem como os cigarros: acendem-se. duas puxas. beata e a morte com o fim da matéria combustível – escrito – dentro dos vossos olhos o exagero. a crítica ou o sorriso pela maluqueira do que vos oferto – nada muda a não ser o tamanho dos olhos dos que me veem através da figura de estilo – a metáfora será sempre um pedaço da minha inabilidade para dizer o que vejo de uma forma simples – há olhos enormes. do tamanho do feijoeiro mágico. aquele que depois de alcançar as nuvens permite ao gigante descer à terra para descobrir o belo – olhos apaixonados. bons – outros. como azeitonas. nem sabem que existo. como os pigmeus mbuti não tenho genes de crescimento. olham-me como se tivesse nascido ainda ontem – olhos desgostosos. distraídos – só a metáfora é real – sei que grande parte das vezes sou um louco aos vossos olhos. mas mesmo assim não me atropelem pelo exagero do que busco em mim – usem uma metáfora para me descrever. afinal compensa sempre ter um louco escondido em palavras que não se veem – eu não vos ouço a ler

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– metáforas: algumas padecimento. outras adorno de amarração: o vosso corpo aos meus olhos –



aconselho vivamente uma visita ao site deste pintor realista – maurício takiguthi - http://www.takiguthi.art.br/



28/09/2011

clarice lispector









É curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo.



27/09/2011

puta vida





salvador dali




estávamos afinal os dois doentes: um ouvia para nada ver. o outro cegou para não ouvir - fora desta caixa mágica esquizofrénica deixei ficar os beijos. entrego-os em mão como carteiro e digo: são flores meus leitores – vestido a rigor. camisa cinza aberta até perto do umbigo. deixa ver tudo o que é entranhas. entre os pêlos hirtos do peito sobressai o cordão de ouro com um cristo pendurado pelas orelhas – está de castigo. digo eu – na cabeça um boné de basebol com um bordado a letras vermelho vivo: puta vida    o carteiro fica sempre doido duas vezes – depois. sem que as palavras estivessem autorizadas a sair dos olhos. parto com a caixa amarrada às costas – esfrego-a vezes sem fim mas não há génio – só reconheço o mau génio desta doença que me mata: pensar – e a cabeça a cair –



26/09/2011

ai





paula rego




ai se eu fosse escritor de romances. ai! talvez nunca mais dormisse. escreveria noite e dia e atrás de cada palavra fazia aparecer um novo ai – um ai de amor platónico. um ai de orgasmo. um ai tântrico. um ai febril. um ai húmido. um ai de arrepio de garoto que pela manhã. com o nascer do sol. procura na imaginação a rapariga que inundou os lençóis de ais que não sabia existir –



22/09/2011

sai da frente guedes





rene-magritte-la-victoire




dias em que escrever é uma autêntica loucura. um suicídio – as portas não param de ranger ferozmente – não acredito em fantasmas. mas chego a crer que pode haver por aqui alma perdida zangada. com a minha meditação transcendental na procura das palavras para compor textos que ninguém lê. e esta seja apenas uma das muitas instigações para expulsar o corpo da tranquila busca vocabular – até a janela. perfeitamente geométrica. enfeitada com um tapa sol da última geração. moderníssima. a condizer com o bege quente das paredes não resiste ao meu bafo de desagrado pela falta de criatividade, não sei se a mando do tal fantasma que não acredito que exista. embacio os vidros transparentes mutilando a única alegria que tenho nestes dias de completo vazio intelectual: ver a minha gaivota cinzenta com a tesoura a recortar nuvens. como o jardineiro faz com os cedros nos jardins da minha terra. e no céu milhares de figuras animadas pelo bater das tesouras reaparecem na minha imaginação. ganham vida – quero escrever mas tudo são sombras. medos. temores. e o suor encontra nos poros do corpo a forma de encharcar a fantasia – as palavras empapam. e pela força do ph ácido desfazem-se. desprendem-se da realidade traçada. como lepra. deixam-se cair em pedaços e tudo é letra misturada. sem sentido. sem juízo. sem mão capaz de as juntar – depois. em desespero. parto como carro desgovernado. e curva após curva percebo que quanto mais escrevo mais as rectas ganham teoria científica – não têm princípio nem fim –resta-me pouco lucidez. e como um caminhante de mochila às costas nunca sei onde pernoitar. nunca sei onde termina a viagem. nunca sei quando volto a encontrar a palavra-texto – às vezes [em confissão] acabo no caixote do lixo. agoniado pelo cheiro a tinta queimada. papel amarrotado e restos de iogurtes azedados – assim fico a morrer aos poucos até que outro texto me traga vida – sobrevivo.  resisto. recorrendo ao ultimo grande sucesso do mundo moderno e mediatizado – o medo é uma cena que a mim não me assiste. como diz o hélio: sai da frente guedes



fernando pessoa









"A maioria pensa com a sensibilidade, eu sinto com o pensamento. Para o homem vulgar, sentir é viver e pensar é saber viver. Para mim, pensar é viver e sentir não é mais que o alimento de pensar"