.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

13/10/2015

professor marcelo




google - marcelo rebelo de sousa
 
 



gostava de ser como o professor marcelo. marcelo rebelo de sousa – dizem os amigos. inimigos também. que o homem é inteligentíssimo. um reconhecido génio lusitano. feito comendador da ordem militar de santiago da espada e da grã-cruz da ordem do infante d. henrique – estamos perante um homem de uma lucidez rara. com uma rapidez de raciocínio pouco habitual no nosso meio académico e político –sempre ouvi dizer que homem inteligente é aquele que se conhece a si mesmo – pois bem. o professor acumula este dom com o de conhecer ainda melhor os meandros da politiquice nacional – sempre que aparece na tv o professor parece um gaiato. com uma energia de fazer inveja a qualquer catraio – não há uma único sinal de cansaço tanto no argumento da retórica como na línguagem gestual - do primeiro ao último minuto do programa o professor marcelo é um autêntico “showman” – o professor é terrífico. faz ainda questão de alardear perante os seus admiradores que apenas necessita de dormir duas horas por noite para se manter em plena forma física e intelectual – na hora de almoço é vê-lo a dar uns mergulhos na praia de carcavelos. com chuva ou sol. inverno ou verão lá vai o homem como se fosse um homem do mar – é ele que dá força àquela velha teoria de que todos descendemos de um marinheiro – uma fura nas ondas. duas braçadas a favor da corrente e lá sai o sr. professor da água purgado de todas as maleitas de envelhecimento precoce – manuel de oliveira morreu novo quando um dia fizermos as contas entre os toque de finados – para completar esta panóplia de bênçãos. dizem os que com ele partilham a intimidade que o professor catedrático dita duas cartas ao mesmo tempo sem que em momento algum se confunda. mantendo sempre a postura do corpo. o brilho do raciocínio. a fala eloquente e a emoção gestual – marido. pai. professor universitário. político e por fim. comentador político na tv - a hora de marcelo rebelo de sousa. programa semanal de sua responsabilidade – estamos perante um verdadeiro sobredotado lusitano – gosto de o comparar a um automóvel topo de gama – um ferrari de versão esmerada. vermelho. cupê de duas portas e com um motor 3.6 litros V8 de 400cv de potência. acelera de 0–100 km/h em 4.3 segundos – uma loucura de carro – só para gajos com unhas. o motor de oito cilindros leva-o ao fim do mundo – uma bomba atómica com quatro rodas – é aqui que deprimo. afinal a minha inteligência não passa de um comercial de dois lugares comprado em segunda mão – junta da colaça rachada. vielas gastas. escova limpa vidros a nada limpar. retrovisor embaciado com tudo o que ficou para trás. e o “démarre” afogado num cheiro a gasolina que deixa antever uma explosão da “voiture” a qualquer momento –  eis o que é. fumo negro em escape que já não filtra o bom do que é mau. e a caixa das velocidades presa a uma marcha atrás que já não me deixa fazer nenhuma estrada em frente – ao volante. uma condução de raiva. o limite de velocidade nunca se aplicará ao meu cérebro – resignado. acolho-me sem medo. abraço o que posso fazer com gratidão aos deuses da fortuna. e olho o amanhã com esperança limitada para o corpo que me calhou em sorte – estou demasiado gasto para qualquer conserto. já não há peças de substituição – sou assim. o que não tem remédio remediado está – estou a ficar um caco – as noites começam a ficar cada vez mais pequenas para pensar – resta-me a escrita e pouco mais – escrevo então. enfim. é noite. e sendo assim. tenho que aproveitar todas as ideias que andam por aqui em fervura – bem sei que são tipo geiser. o repuxo já só aparece de hora a hora e com tendência a piorar – sou o que me calhou em sorte e a mais não sou obrigado  
 
nota - este texto tem mais de dois anos e por esse motivo não faz nenhuma alusão ao candidato presidencial marcelo rebelo de sousa
 



09/10/2015

aclasto




foto - sampaio rego



 

atrás
dos desfrutáveis olhos
vadiavam memórias temporais
contristados
entressonham lágrimas
em:
bem-aventurança





06/10/2015

vou para o inferno - II





foto - sampaio rego
 



2.

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hoje confesso que não há domingo. não há missa. não há roupa nova e muito menos carne assada. sou quase vegetariano e o palavrão ajuda-me a manter o corpo em alerta contra as injustiças – e a pergunta reforçada: para que serve um deus na minha idade? para que quero um deus se já não tenho roupa nova. nem carne assada. nem domingo. nem aqueles sapatos apertados que por serem de couro só os podia calçar no dia do senhor – repito. para que serve um deus na minha idade? ele existe? algum dia existiu? se existe que milagre pode ainda compor num descrente que anseia pela evaporação crematória – envelhecer é um aborrecimento. um enorme aborrecimento – quanto mais velho mais dúvidas – sou mesmo um tonto. tanto saber desperdiçado em boémias inúteis de palavras divinas – reflexões sem fim – já não acredito na existência deste [meu] deus. um deus sem voz. sem retratos. sem aparições. sem comprovativo de morada. sem NIF. sem nada a não ser pinturas em capelas sistinas

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- - nos dia de hoje. se deus existisse. já um qualquer paparazzi lhe tinha arrancado um retrato – tenho a certeza

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mas vou fingir que aceito a sua existência como certa – hoje estou virado para este lado criativo. este lado fingido. o lado da indiferença. do faz de conta de que tudo é divino. quem sabe [se estiver enganado] a mão de deus a mexer comigo – faço então uso de todos os ensinamentos cristãos. da catequese assimilada. dar a outra face. do ressuscitar de lázaro. do enxugar os pés da maria madalena a jesus. das moedas de judas. do ósculo fraternal a fazer emergir a paz de cristo no coração do homem. do meu também – sou por momentos um homem renovado na sua fé – estou assim. meio criança. meio adulto – e agora a saudação da paz do senhor

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-- deus que é deus não agrada a todos – recorro a uma máxima da história para comprovar esta teoria: não se pode agradar a gregos e troianos ao mesmo tempo

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deus optou por não me agradar a mim – digo eu. conspurcado de pecados – vamos lá então – imagino-o no seu gabinete rodeado de pilhas de papeis importantes. pessoais. valiosos. altamente confidenciais – tudo “top secret” – tratados por centenas de assessores de uma idoneidade inquestionável – estes assessores foram escolhidos por meio de concurso celestial rigorosíssimo. e com a sua mão direita juraram sobre a bíblia sagrada defender o catolicismo contra todas as investidas do demónio – recuperar os crentes perdidos. renovando-lhes a esperança num mundo eterno – deus é justiça – são estes servos leias que  ajudam diariamente deus a criar um mundo mais justo –

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-- tudo dirigido sobre o mais rigoroso olhar de deus e debaixo de um rígido sigilo – o sigilo é a alma do negócio  

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acomodado no seu cadeirão. de óculos na ponta do nariz. despacha documentos de alta prioridade e confidencialidade. sem um único sorriso – os problemas do mundo não lhe dão sossego – já não é aquele deus que me impingiram na catequese. com ar feliz e sempre rodeado de criancinhas a pularem de alegria e segurança – nem aquele que me protegia nas noites escuras. e debaixo dos cobertores lhe pedia proteção contra as sombras demoníacas que cobriam as paredes do meu quarto – não. infelizmente esse deus já não existe – o mundo tornou-se enorme para um deus que não fala para ninguém – deus já não consegue chegar a todo o lado – o mundo cresceu imenso – eu também

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-- gosto deste meu lado de criatividade cínico mesmo que não sirva para nada – sei que não sou nada

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deus também é cínico comigo – todo este cinismo apenas para conter a fuga de crentes para o mundo do nada – o nada está cada vez maior. incontrolável – nada temo. nada creio. nada me faz falta depois de morto. nada serei de olhos fechados – nada será sempre nada – e lá estou eu novamente no fundo do nada que é como quem diz no fundo do lixo – o lixo fica sempre por baixo. fica no silêncio das casas. dos cantos das salas triangulares. dos quartos de hóspedes. dos tapetes persas. dos quadros surrealistas. dos passpartour com retratos a preto e branco. das gavetas de pau santo. das ruas empedradas. dos cantos da alma onde os precipícios se tornam eternos – o meu nada é uma espécie de suicídio assistido – vamos morrendo tão devagar que acabamos por ver partir tudo que nos é querido – quando damos conta estamos sem nada. sem nada capaz de nos fazer morrer de uma só vez – e tudo isto num silêncio lacrimal que por não se ouvir ninguém sabe que existe – existimos num nada e dentro do nada sangramos pregados a uma cruz que não sendo a de jesus é outra que nos implora fé em alguém que nunca abraçou como um homem – fica então um deus assim como um presidente da república. cheio de etiqueta. nunca sai do seu palácio e não faz coisa nenhuma – não faz nada –  como o nosso presidente – coisas da democracia que no reino do céu deve ter outro nome qualquer já que não me parece que haja eleições para o ofício de deus – ouço dizer que deus está no céu desde que um dia se lembrou de criar este pedaço de terra redondo. com mar. sol. sal e pecados – culpa da eva

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-- raios te partam eva. toda esta chatice por um orgasmo com o adão – espero que tenha valido a pena

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me perdoem as mulheres por este desabafo ingrato e injusto mas estou cada vez mais certo de que se não fosse homem seria mulher e assim jamais seria nada – não acredito na ressurreição e também não acredito na encarnação – sei que estou vivo porque conheço o nada. sei escrever nada. sei dizer nada. sei desenhar o nada. sei até fazer um funeral ao nada só não tenho ninguém que o queira levar aos ombros e eu sozinho já não sou capaz – “com o suor do teu rosto comerás o teu nada. até que voltes ao nada. pois do nada foste formado; porque tu és nada e ao nada da terra retornarás” – que me perdoem todos aqueles que me abraçam com amor pois não é por falta deste que eu sou descrente – sou o que sou porque ao nada nunca se pode acrescentar nada a não ser matar a memória de um deus que verdadeiramente nunca existiu a não ser na minha igreja – um dia. cada vez mais breve. serás definitivamente um grande mentiroso - sei

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3ª parte brevemente

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