que dia foi este o da poesia. fico sempre sem saber se me atire
abaixo da janela. ou deixe a canzoada ladrar enquanto a caravana passa – mas é
assim. hoje temos dias para tudo. só não temos dias para alguns totós que
teimam em dizer que fazem poesia – se mandasse na UNESCO. nessa malta que
inventa dias para tudo. hoje seria o dia dos que não escrevem poesia – quem
sabe se essa gente vaidosa e tresloucada. antes de começar a escrever.
começasse a ler – o primeiro livro que recomendaria seria o da humildade. e não
são assim tantas páginas. lê-se de uma penada – quando lemos boa poesia. pelo
menos no meu caso. sobe-me uma vergonha por mim acima. fico às portas da morte
– depois fico a pensar: o que ando aqui a fazer? deveria ter decoro. sou tão
mau – e não estou a ser humilde. sou mesmo mauzinho. vá lá. em vez de mauzinho.
talvez seja só refugo – a minha sorte é que anda por aí muita gentinha que nem
a refugo chega. e acaba por me salvar. torna-me menos mauzinho entre os maus –
eu sempre me neguei a escrever poesia. às vezes faço uma incursão por essa
arte. mas depressa volto para a minha prosa. esbaforido. esfrangalhado. com as mãos juntas. a pedir
perdão eterno aos poetas – a prosa protege-me – todos aqueles que sabem juntar
as letras são escritores. não importa se bem ou mal. com erros ou sem eles. o
importante é ir andando. escrever para reinar no nosso quintal – em prosa
podemos escrever dez páginas para dizer o que a poesia diz num verso. podemos escrever sem parar. contar histórias
verdadeiras ou falsas. num papel. ou numa resma. criar hipérboles gigantescas.
e com tanto exagero. até acreditamos que chegamos ao olimpo. mal damos por
isso. aparece o eugénio. e logo chega o pessoa. e mais a sophia. e quando damos
conta somos mais de cem. todos poetas. todos menos eu. que escrevo prosa. e
dizem que não é coisa fina – já poesia é que é coisa fina. quem a escreve é
poeta. e nem toda a gente que escreve poesia é poeta. a maior parte das vezes é
pateta. é malta que não se contenta com um banco e quer um escadote. é malta
que começou a escrever há dois dias e já transporta o estandarte de criador de
arte – esta malta arrogante. não gosta de poesia. gosta de coisas fáceis. quer
gastar as palavras. quer notoriedade no seu quintal. na sua rua. no seu grupo
de amigos que também nunca tocou num poema – é muito mais fácil de enganar o
parolo. ou a família. que nos ama incondicionalmente – o dia da poesia é hoje
comemorado por uns quantos pseudos qualquer coisa. que nunca leram um poema. que nunca compraram
um livro de poemas. que nunca se interrogaram: para que serve a poesia? e a
resposta é tão simples: a poesia serve para tornar a nossa vida mais bonita.
tornar o mundo mais belo – claro que podíamos dar uma resposta mais douta. mais
académica e dizer: “A Poesia é um texto poético, geralmente em verso, que faz
parte do gênero literário denominado "lírico". Ela combina palavras,
significados e qualidades estéticas. nela, prevalece a estética da língua sobre
o conteúdo, de forma que utiliza de diferentes dispositivos fonéticos,
sintáticos e semânticos.” – com esta definição de poesia noventa e nove
porcento dos que se dizem poetas deixariam de o ser – há hoje uma vaga de
poetas que não quer o mundo mais bonito. querem-se a si próprios mais bonitos.
tornam-se rapidamente vaidosos. arrogantes. e pouco dados ao recato
intelectual. preferem o festão. o karaokê das letras – por isso não comemoro o
dia da poesia. comemoro o dia dos poetas. porque esses. não me tentam aldravar.
esforçam-se. transpiram. e diariamente lutam por cada palavra. porque sabem que
para cada palavra bem apurada. nasce um poema de encantar. e o mundo fica mais
bonito
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