.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

01/06/2015

desabafo na janela da minha cidade




foto - sampaio rego
 



na minha cidade não há metro. nem buracos no solo a trazer gente de toda a parte do mundo – na minha cidade homens carrancudos conduzem automóveis familiares com autocolantes no vidro traseiro a informar: cuidado! bebé a bodo – se a minha cidade fosse londres tenho a certeza de que haveriam muitos metrossexuais a conduzir automóveis com o volante à direita  – na minha cidade os automóveis circulam com o volante á esquerda e com condutores de bigodes fartos sentados também à esquerda – londres tem metro. tem escadas rolantes a regurgitar gente sisuda do centro da terra a toda a hora – na minha terra só há escadas rolantes nos centros comerciais com gente a subir e descer para não ir a lado nenhum – estou em crer que em londres as crianças não nascem nas maternidades. nascem no subsolo – talvez por isso cheguem à superfície enormes e de óculos escuros. não aguentam a luz – na minha cidade as crianças ainda nascem em maternidades com parteiras vestidas de branco com o estetoscópio pendurado no bolso do lado do coração onde as crianças choram pelas mães. choram de fome. choram pelas mamas carregadas de leite. enquanto passeiam em jardins enfeitados de jasmim – em londres as crianças não choram em jardins. nem choram pela mães. choram com amas em creches cercadas de medo – na minha cidade os jardins tem bancos pintados de vermelho com velhinhos a jogar às cartas com os dedos queimados de cigarros enrolados à mão – em londres os jardins estão mortos de solidão e são tão minúsculos que não aguentam velhinhos a jogar às cartas – na minha cidade as crianças demoram a crescer e são mimadas pelos pais com guloseimas compradas nas portas das igrejas – em londres as crianças não sabem que são crianças e não sabem que há guloseimas às portas das igrejas – na minha cidade os polícias circulam em carros a passo de tartaruga com as sirenes desligadas enquanto os ladrões enganam velhinhas com histórias de outros mundos – em londres os carros da polícia correm pelas ruas a grande velocidade enquanto os malvados arremessam bombas a autocarros apinhados de gente do subsolo – na minha cidade os sinos tocam sempre a chamar pelo nome – hoje morreu o amilcar padeiro. não aguentou a partida da mulher. coitado. com os filhos ainda tão pequenos – em londres os sinos não se ouvem pela falta de nomes – na minha cidade há gente que escreve como eu. sentado para uma janela que não dá para lado nenhum imaginando um mar onde as gaivotas são feitas de palavras que de tão pequenas os únicos olhos que as sabem ler são de quem escreve à janela de um mundo imaginado – em londres tenho a certeza de que há gente como eu a escrever para uma janela que dá para uma cidade como a minha – na minha cidade um dia vamos fazer um metro para trazer londres para aqui – hoje há sol na minha cidade – será que há sol em londres?



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