.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

12/06/2015

a vida de uma analepse




foto - sampaio rego
 
 
 
é noite e tenho dentro de mim uma analepse desvairada. orgásmica. banhada num suor lascivo de luxúria. grita desesperadamente por acasalamento – procura um substantivo capaz de fazer acontecer uma história no presente – sempre que vê uma figura ajanotada. com estilo. sorri. acicata. levanta a saia dois dedos acima do joelho. mostra um pouco da zona erógena. abre dois botões da blusa. e deixa o colo insinuar-se em rendas namoradeiras – mas uma analepse será sempre uma analepse. feita de tempo passado. carrega consigo todos os averbamentos da vida: o bom e o mau. a alegria e a tristeza. o certo e o errado. e em desespero olha o futuro apenas para prolongar a existência do que está para trás – a falta do destino é a sua essência – desesperada por encontrar o amor da sua vida. oferece-se como se de uma qualquer se tratasse – precisa urgentemente de alguma coisa que a preencha. um substantivo fálico capaz de averbar à sua vida uma mensagem nova. uma nova arte gramatical. palavras modernas. confiança para o inesperado – a urgência é cada vez mais urgente. ela sabe que a vida é um relógio que não para de contar – nenhum relógio anda para trás – precisa de futuro. precisa do imprevisível. do intempestivo. do surpreendente. do inovador. do revigorador. está farta de ser apenas uma analepse – acredita que um dia. no futuro. vai encontrar o amor da sua vida –sonha com um pequeno conto da sua vida. um verso. um soneto só seu. nem que seja escrito num guardanapo de papel – importante mesmo é que seja um amor eterno como o de shakespeare. ela julieta e ele romeu. envenenados pela eternidade das palavras de hoje – carente. sente a luxúria a invadir cada parte íntima do seu corpo – há um substantivo que não lhe sai da cabeça. um que dá nome a todas as coisas belas do mundo – como é possível querer amar tanto um substantivo que nem sequer conheço – o momento é único. nunca se sentiu assim. é como se encerrasse numa única palavra capaz de dizer tudo sobre o amor de uma vida – gosta agora mais do que nunca de todos as formas verbais capazes de dizer coisas. coisas que muitas vezes ninguém percebe – sabe que só as palavras lhe permitem dizer ao mundo que ainda está viva – um dia terei um substantivo com futuro só para mim – sente agora um friozinho que não sabe explicar enquanto que o corpo treme como se estivesse dentro de um conto de allan poe – não está. nem nunca estará sabe que é uma analepse simples a viver rodeada de histórias que não lhe pertencem – sabe apenas que ama. ama porque para se narrar pequenas ou grandes histórias tem que se ter um grande amor pelo que a vida oferece – um dia prometo-vos que deixarei de ser uma analepse nem que para isso me entregue definitivamente aos poderes da terra e do fogo – arderei e lançarei toda a minha história ao mar – serei então tempo presente e terei o vosso perdão



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