é noite e dentro de mim vive uma analepse desvairada.
orgásmica. imersa num suor lascivo de luxúria. grita desesperadamente por
acasalamento – procura um substantivo capaz de criar uma história no presente –
sempre que vê uma figura ajanotada. bem elegante e sedutora. sorri. acicata.
levanta a saia dois dedos acima do joelho. mostra um pouco da zona erógena. abre
dois botões da blusa. deixa o colo insinuar-se atrás de rendas namoradeiras – mas
uma analepse será sempre só uma analepse. feita de tempo passado. carrega
consigo todos os averbamentos da vida: o bom e o mau. a alegria e a tristeza. o
certo e o errado. desespera ao olhar o futuro. porque nele vê apenas a
eternidade do que já passou – a ausência do destino é a sua essência – ansiosa
por encontrar o amor da sua vida. oferece-se como se fosse uma qualquer – precisa
urgentemente de algo que a preencha. um substantivo fálico capaz de inscrever
na sua vida uma mensagem nova. uma nova arte gramatical. vocabulário mais moderno.
a ousadia para enfrentar o inesperado – a urgência é cada vez mais urgente. ela
sabe que a vida é um relógio que não para de contar – nenhum relógio anda para
trás – precisa de futuro. precisa do imprevisível. do intempestivo. do
surpreendente. do inovador. do que a faça vibrar. está farta de ser sempre uma
analepse – acredita que um dia. no futuro. vai encontrar o amor da sua vida – sonha
com um pequeno conto. um verso. um soneto só seu. nem que seja escrito num
guardanapo de papel – importante mesmo é que seja um amor eterno como o de shakespeare.
ela julieta. e ele romeu. envenenados pela eternidade das palavras – carente.
sente a luxúria a devorar-lhe cada parte íntima do seu corpo – há um substantivo
que não lhe sai da cabeça. um que dá nome a todas as coisas belas do mundo – como
é possível querer desejar tanto um substantivo que nem conhece – o momento é
único. nunca se sentiu assim. é como se encerrasse numa única palavra todo o
amor de uma vida – gosta agora mais do que nunca de todas as formas verbais
capazes de dizer coisas. mesmo coisas que ninguém percebe – sabe que só as
palavras lhe permitem dizer ao mundo que ainda está viva – um dia terei um
substantivo com futuro só meu – sente agora um friozinho que não sabe explicar
enquanto o corpo treme como se estivesse dentro de um conto de allan poe – mas sabe
que não está. nem nunca estará. sabe que é uma analepse simplória. sobrevive apenas
rodeada de histórias que não lhe pertencem – sabe somente que ama. ama porque
para se narrar pequenas. ou grandes histórias. tem que se ter um grande amor
pelo que a vida oferece – um dia. prometo-vos que deixarei de ser uma analepse ao
fundir-me com as chamas da terra. que as águas do mar lavem o meu destino. e me
dissolvam naquilo que nunca fui – serei. enfim. tempo presente. pois até as
cinzas carregam em si a promessa de reencarnação
.................................................................................não tirem o vento às gaivotas
12/06/2015
a vida de uma analepse
foto - sampaio rego
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