.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

26/02/2015

e tudo o vento levou



foto - sampaio rego
  

o medo nasce com o primeiro grito de vida – depois. com o tempo. desliza descontrolado pelas mãos. percebemos que a imortalidade é uma ilusão – gritamos. mas nunca cedo o suficiente para mudar o que já passou – a história está escrita. a fotografia é a prova do passado – em cima da cómoda. o tempo parece parado. fragmentado em momentos capturados. pendurados na verdade de um passepartout repleto de sorrisos instantâneos – afinal. nunca estivemos parados – descobrimos nos silêncios o que sempre soubemos – estamos inquietos. questionamos se a correria é a mesma para todos. ou apenas o caminho que nos coube. talvez uma mescla de destino. sorte. azar e encontros que não controlamos – aquela criança que ainda ontem deu o primeiro grito da vida. mais não fez do que expandir os pulmões. sugou todo o ar que cabia dentro de si e nunca mais parou de correr – correu sem perceber que os pés estavam sempre à frente do corpo – e os olhos. loucos pelo que viam. corriam ainda mais do que as pernas. descansavam no infinito. esperavam todos os dias o amanhecer. sabiam. mais do que ninguém. que ainda havia tanto por ver – porque ver é voar para lá do corpo – todos os corpos têm asas – como diz um amigo meu. todos os corpos são gaivotas. sustentam-se no vento. o destino mede-se pela envergadura das asas – chegamos onde as asas nos levam. o vento sempre existiu. a dúvida será: erro ou destino? nunca saberemos. talvez as duas coisas. talvez a mutabilidade do corpo. talvez da mente. talvez sem saber nascemos umas quantas vezes. e estamos sempre a dar gritos de sobrevivência – e agora? agora corremos em sufoco. tentando ainda chegar a tempo de recolher todas as lembranças para dentro de um corpo que. sem percebermos. já transborda de quinquilharias – não há mais espaço. o único espaço que resta está no futuro. que continua a fluir além dos nossos desejos – temos medo de perder as mãos. os olhos. as pernas. o saber. a sensibilidade. o carinho. temos medo de perder esta forma de escrever. de dizer coisas – não podemos perder o que resta do tempo. andamos enquanto pudermos sentir a areia nos pés. olhamos enquanto os sonhos ainda cabem nos olhos. amamos enquanto soubermos fazer amigos. usamos as mãos enquanto pudermos abraçar. escrevemos enquanto pudermos dar: afeto. sensibilidade. paixão e alegria – por cada dia de conquista. como aquele em que demos o primeiro grito



03/02/2015

transversal


jan steen


na minha escrita não há leitores agradecidos – porque escrever é. antes de tudo. libertação. magia. perdão. partilha – em cada palavra. a entrega de uma parte de mim aos cuidados de quem me lê – escrever é mergulhar em outras vidas. partir rumo a um desconhecido que. provavelmente. nunca encontrarei – escrever é oferecer palavras. sentir a leitura é permanecer eternamente agradecido – amo a palavra gratidão. com as mãos. esculpo-lhe a forma. ocupando um pequeno espaço naqueles que me ajudam a escrever – só os leitores completam a escrita