.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

28/02/2018

deambulações noturnas XXV



pintura - fábio magalhães 



neste quarto onde deixei de me admirar já pouco ou nada é meu. talvez alguns livros por ler e muita vida por aprender – mas sei que será este quarto que não me viu nascer. que um dia me verá morrer


14/02/2018

vai. mas será que vais?



pintura - salvado dali


não desistas corpo notívago. vai atrás do que é teu. vai. corre muito. corre como correm clarões em noites de tempestade – vai. vai por esse mundo imaginário e inventa-te em marte. por lá. tenho a certeza de que há lugar para ti ainda que te tomem por extraterrestre – não te zangues. verás que um dia serás mais do que a tua imaginação. mais do que intuição. mais do que aquilo que escreves nas entrelinhas. serás das ruas com gente a correr de um lado para o outro. dos carros a apitar movimento. dos maus a fugir dos bons. das sirenes a zumbir cuidados. e dos tolos. meu deus. cada vez mais tolos a fugir dos que ainda não são tolos – o mundo esticado ao centímetro quadrado. o corpo esticado ao centímetro quadrado. a alma esticada ao centímetro quadrado. a fé esticada ao centímetro quadrado e a incerteza parada em cada centímetro. e o quadrado enfeitado de malmequeres brancos desenha uma janela que grita: há mais mundo para além do teu medo – sou tanto. tanto para dar e tanto por fazer – mas vai. vai por esse mundo fora. corre. corre muito porque marte é longe e o teu coração já não é novo. vai. vai que a fé já foi à tua frente e a vida está pela hora da morte. dobra-te na tua cruz e ora ao teu deus que por ser teu é o deus de todos os deuses. vai. vai em sinal da cruz porque só na janela há esperança. a morte é negrura. às vezes solução. mas sempre solidão – um dia. os néons deixarão de piscar possibilidades que não te cabem nos olhos. os bons nunca mais fugirão dos maus. as ruas correrão atrás das pessoas e os tolos distribuirão malmequeres pelos não tolos – ó meu deus. porque será que quando vou nunca saio de onde estou? talvez o mundo seja maior do que uma viagem a marte. talvez não consiga voar no espaço como voam as gaivotas no mar. talvez seja quase do tamanho do nada. e tudo que é nada nunca deixará de ser nada. talvez os pés sejam minúsculos e lentos a caminhar. as mãos atrofiadas. o corpo mirrado. corcunda. feio. tão feio que ninguém me quer olhar. nem deus – talvez seja tudo. ou apenas só eu – mas vai. parte com coragem. faz-te ao tempo interstelar. inventa ventos meteóricos. queima a rosa dos ventos e rasga todos os azimutes convergentes com a desgraça. abre a janela ao espaço sideral e grita o teu nome. grita como um selvagem. grita como se o grito fosse a tua história de vida. grita como canta a cigarra em noite de cio. grita como geme a corda saudosa na guitarra do fadista – vai. vai e despe a raiva para trás das costas e atira-te ao espaço em silêncio e luta. luta por ti e por aqueles que te deram vida e se morreres. morre de sorriso na boca porque o que não tem remédio remediado está – afinal és apenas um mortal numa galáxia empanturrada de desejos – vai. vai vertical pela noite. vai. rasteja pelo dia. mas vai. vai para onde te possas encontrar