pintura: robert t barrett
o mundo é uma galeria de arte. milhares de livros.
sinfonias. esculturas. pinturas. cada um irrepetível. de várias épocas. várias
tendências. várias escolas. uns mestres. outros bafejados pela sorte de uma única
pincelada. de um traço preciso e fino. e a obra com o nome afixado numa rua sem
fim – aos olhos do mundo. para além do espanto. nada mais existe na arte senão
o produto final: o artista é apenas a ferramenta da criação do belo – na
obscuridade vivem as mil razões para cada palavra parida. a cor trabalhada. o tipo
de traço. a luz e as sombras. a meditação. a organização. a apuração e seleção
final de todos os ingredientes – a imortalidade da obra nunca é fruto do acaso –
finalmente as naturezas mortas tornam-se menos mortas do que o génio – o
artista é do mundo. digna ou desprezível a sua obra. é mesclada com os ácidos
do trato da digestão. degustada na penumbra do palato. ora com delicadeza. ora trinchado.
é compreendida ao gosto de cada dente: boa. má. de génio. indiferente ou medíocre
– nunca se será mais nada. nem cheiro ao suor. às lágrimas. à indisposição. ao
punhal suspenso a rosnar à criação. entre o cair e não cair. à vontade cega de
trocar toda a sua existência pela ressurreição de uma única palavra. de uma
única cor. de uma única nota – depois da obra não se é nada. nada para além das
folhas com a sua súplica em glosas quase indecifráveis: salvem-me. aceitem-me –
liberdade ou morte – é no meio da edificação do talento que se aquietam os
génios. estáticos e indiferentes aos íncubos das palavras maldizentes. sofrem ainda
os horrores da revolução cultural chinesa: um dia queimam-me – esta gente precisa
de saber que nos imortalizamos pela palavra. e não pelo esquecimento – o corpo descansa
sempre a sul numa tranquilidade solene. vestido de pedra. imortalizado pelas
mãos. recusa virar os olhos à mortalidade – a tela. a mármore. o papel. a
madeira. será sempre um grito desesperado do que vive no íntimo dos fazedores
de arte. um desejo de imortalidade sem desejo pelo corpo. uma esquizofrenia
incurável. uma luta sempre perdida. um interior de um homem despido face ao
egoísmo do belo absoluto. um coração na obra a bater para sempre – todos os
homens fazem arte. nem todos os homens serão artistas – todo aquele que gosta
de escrever sabe que um dia morrerá esquecido numa folha de papel sem arte