.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

23/10/2010

alegoria da mente









acordei

traga nos olhos um sonho

uma flor

 

colheste-a

[para a matar?]

 

amor?

 

bem sei

é um sonho




10/10/2010

palavras desamparadas








acordei sobressaltado – puxei-me para cima dos quadris e sentei-me no topo da cama. virei-me para sul fugindo do mau olhado. o norte traz sempre ventos frios e húmidos – há uma janela quase quadrada que me dissipa a solidão. é lá que ponho os olhos a sossegar – lá fora. nos socalcos do olhar. mesmo ao junto ao beiral. já há gente a correr atrás da vida – pego num dente de alho e penduro-o ao pescoço. talvez precise de proteção contra os demónios. não tenho medo das suas crueldades. mas irritam-me contra absurdo que nem sempre compreendo – pressinto dentro de mim umas cogitações. querem ganhar forma. flutuando no espaço entre o que vejo e o que penso – são como ondas nesta cabeça: ora ourada. ora torta. ora inclinada para a loucura – são ideias como barcos à deriva oceano. sobem. descem. mas sempre ao correr de ventos que ninguém sabe onde nasceram – neste mar sem fim. há peixes. peixinhos e peixões que se alimentam deste emaranhado de ideias. nadam como se tudo fosse águas calmas. tranquilas. águas sem predadores ou mesmo sem leões marinhos – nem sei se são estúpidos ou arrogantes. talvez as duas coisas – habituaram-se a refúgios seguros que tenho por detrás dos olhos – sempre que os fecho. nada mais é capaz de perigar dentro deste oceano de pensamentos loucos – há profundezas que desconheço completamente – é nestas alturas que sinto a morte nos dentes. fico com medo. vejo tanta coisa estranha. e nomes que chamam por mim. ruídos que me são familiares – certo dia. até ouvi a campainha da escola. aquela que me fazia correr à procura da vida – nestas memórias. meias loucas. permanece a imagem de um sargaceiro vestido de fato amarelo. trauteia umas quantas canções de sereias que já morreram – eram do tempo de ulisses. meias mulheres. meias feiticeiras. das profundezas dos mares. faziam sonhar homens destemidos. mesmo aqueles que nunca foram embalados e amamentados por peitos secos de amor – coitado! esqueceu-se que está com água até à cintura e a maré continua a subir – as algas que em tempos eram abundantes são agora meia dúzia de ideias desprendidas de um cérebro em decomposição – talvez seja melhor içar a bandeira vermelha. talvez assim volte a subir às dunas onde costuma descansar o corpo coberto de sal – também ele quando fecha os olhos consegue ver as gaivotas a bicar as incongruências da imaginação – um dia morrem os dois. e nem as ideias com guelras sobreviverão. morrerão sentadas no areal da praia a chorar a morte do corpo



07/10/2010

quadro negro









passei

pé ante pé.

o giz

no quadro negro

 

tremeu.

 

sabe?

sabe de mim coisas.

pequenas e banais

anormais para quem passa

 

tremeu

 

e os cegos?

[alguém pensou neles?]

esses. sim

os cegos sem olhos

leem o mundo com as mãos

roubam palavras

com a mente

ah. se fossem só palavras!

 

tremeu

 

mas o giz

o giz

nunca mais o vi

 


03/10/2010

outubro – deixa-me rir










não sei se estou triste

estou

por agora. aqui

 

uma parte de mim descansa na mão

os olhos perdidos na chuva

os pés dançam na lua

 

lá longe

amália trauteia saudade

é domingo

 

e eu todo em silêncio