.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

12/08/2013

sorefame – importante construtor de material circulante ferroviário



foto google

I.

1943. as estradas do mundo estavam cobertas de explosivos – em portugal o metal de cor branca tornava-se a abastança dos que viviam da terra – os candongueiros. a soldo dos alemães. pagavam pelo volfrâmio  valores impensáveis a gente afeita à escravidão do trabalho nos campos – finalmente uma oportunidade trazia alguma dignidade à vida miserável das gentes do interior – abandonaram os campos para se tornarem mercadores do século XX – substituíram os camelos pelos burros. as areias pelos montes. os oásis pelas aldeias e criaram a rota do ocidente: o destino não era veneza. mas berlim. capital do império nazi – winston churchill bem protestava. mas antónio salazar. astuto. acalmava os ingleses com a promessa de uma neutralidade temporária – a prioridade para o nosso ditador era impedir que portugal entrasse para o conflito que mais vítimas causou [60 milhões] em toda a história da humanidade – por tudo isto. a terra era abria-se sem resistência. e o volfrâmio seguia em marcha acelerada para as fábricas da guerra – na capital do império. as notícias do conflito chegavam pela voz de fernando pessa que. via BBC [rádio] de londres. dava conta do avanço das forças hitlerianas pelo mundo – todas as noites. os ouvidos dos portugueses colavam-se à rádio. a voz da verdade do mundo livre tinha hora certa para chegar – o medo agigantava-se na casa das famílias. ninguém queria ver os seus filhos partir para uma guerra desta dimensão – as consequências trágicas da nossa participação na I guerra mundial ainda sangravam na memória dos portugueses – as baixas humanas quase chegaram aos dez mil mortos. milhares de feridos. para não falar nos custos económicos. um desastre com consequências sociais muito graves – os telégrafos não paravam de picar fita. decifrar a notícia rapidamente era crucial para que o jornal da manhã informasse a população da coragem com que os soldados da aliança tentavam impedir o avanço do inimigo – as páginas dos jornais encolhiam perante o peso das atrocidades nazis – chegavam as primeiras notícias da perseguição aos judeus pela polícia secreta do estado [gestapo] – recomeçava a carnificina de um povo originário das tribos de israel – o talmud era a palavra da fé numa aliança secular entre deus e os filhos de Israel – no entanto. desta vez. depressa perceberam que as leis e mandamentos de deus reveladas a moisés. no monte sinai. não lhes serviriam de proteção – a sobrevivência era a fuga – começaram a chegar ao nosso país os primeiros refugiados judeus – poucos foram os que se fixaram definitivamente em portugal. a maior parte apanhou o oceano e rumou para o brasil e estados unidos da américa – de país em país. a cruz suástica ascendia ao topo das bandeiras nacionais. enquanto a europa se tingia de sangue – resistia estoicamente leningrado e londres – o mundo voltava a ter um inferno aceso pela mão do homem – o papel da imprensa tornava-se importantíssimo. os jornais eram a fonte de notícias e informação mais credível da época – apesar do pouco espaço editorial para informações não relacionadas com a guerra. fazia-se notícia da intenção do governo português de criar uma nova indústria – pequenas fábricas da porcalhota uniram-se para erguer plano estratégico de interesse nacional – o projeto surgia. os fornos aqueciam. o minério derretia. e o milagre acontecia – novos operários. ainda sem nome. trabalhavam o ferro com mãos fundidas numa liga resistente com mais de nove séculos – o ferro. símbolo Fe. misturava-se à fé cega num regime fascista que moldava o país – novos homens de fato macaco. de gancho em punho. atiravam-se com coragem ao fogo de um inferno nunca antes trabalhado – a confiança destes novos operários fundia-se a ferro. solidificada em coquilhas-molde – existia um novo saber. passá-lo de geração em geração tornava-se obrigatório – todas as grandes nações do mundo assentavam nesta herança de sangue. e dentro deste povo correria para sempre a cultura. a tradição. a língua. a bandeira – a alma de um povo como o nosso nunca morria. renova-se com o melhor dos seus antepassados – tudo agora era aço. temperado pela força do acreditar de gente com esperança – neste complexo industrial trabalhava gente de todos os cantos do país. vinham à procura de uma vida digna para os seus filhos – deixaram tudo para trás: a família. a fome dos campos cobertos de invernos rigorosos. o ceifar da erva tenra para os animais. as desfolhadas do pão que o diabo amassou. a meninice descalça com os pés gretados do gelo. a malga de sopa de couves e feijão. a sardinha para quatro. e as casas acesas com candeeiros de petróleo de luz vacilante e sombria – partiram vazios de tudo. dentro de si as memórias e a certeza de que as campas rasas dos antepassados nunca mais seriam aparelhadas – desta vez a morte dos seus avós chegava para sempre. a saudade não vencia [ainda] as distâncias – deixaram a noite e acreditaram nos rumores de uma nova luz cristalina para os lados da capital – tudo valia a pena naquele tempo. a vida brotava em quartos escuros. e a infância esvaía-se no secar das tetas – aprender era trabalho. e a escola um mistério que só os ricos sabiam desvendar – para a gente que vivia do que a terra fazia o favor de dar. escrever era revolver o solo de enxada na mão. ao ritmo das estações do ano – semear. regar. colher e sobreviver – finalmente a vida dava-lhes razão. o ferro não se batia com letras. mas com braços firmes e calos nas mãos – e a nação respirava vaidade com esta gente de trabalho e silêncio – o fontismo morrera. mas o seu povo à beira-mar plantado. não – nasceu a sorefame

 

II.

pouca terra. pouca terra. o comboio apita caminho – pouca terra. pouca terra. passo a passo. assinala a conquista de novas terras a gente nova – e a gente esquecida no tempo de uma nação ingrata a levar os seus afazeres à cabeça para dentro de braços lusitanos – o norte e o sul estavam ligados desde os primeiros anos do século XX. mas agora tudo é diferente. nos carris a fadiga dos materiais é nacional. e as rodas de ferro estão cunhadas com a mesma cruz de valentia com que partiram as naus do tejo à descoberta do novo mundo – descobrir outro portugal com a mesma esperança dos nossos navegadores – há uma audácia neste povo que ninguém entende. somos corajosos. destemidos. arrojados. atrevidos. e o medo-admastor é sempre para conquistar – somos nós. somos lusitanos. e agora a fazer rolar as rodas das locomotivas como viriato o fez com as pedras – as pedras eram enormes. os homens também – tudo começa com viriato. a defesa da soberania lusitana é feita contra os invasores romanos – verdadeiramente ninguém ainda hoje sabe dizer quem era este homem que empurrava pedras nos montes – dizem que era pastor e que os romanos lhe chamavam dux – dux fez-se guerreiro e das debilidades fez a robustez – tudo estava na força dos braços – mas os traidores também fazem parte da nossa história: o melhor amigo entregou-o à morte do inimigo – vendeu a soberania a troco de um par de mordomias – foi um de nós que o traiu – talvez seja sina da nação parir traidores

   mas…

falamos da sorefame. importante construtor de material circulante ferroviário – nós somos como somos. e dentro de nós há povos de tantas partes do mundo que não é possível saber porque somos assim – somos assim porque somos. e nunca seremos capazes de valorizar o que construímos no tempo desta pátria que não se cansa de ser nossa – este país é único. apesar de todas as imbecilidades dos seus governantes o povo continua a envelhecer como afigurou o nosso primeiro afonso – e de branco e azul tomamos o verde da esperança e o vermelho do sangue – sina.  penoso o sofrimento e o povo obrigado a cantar o fado para caminhar – uma nação feita com a penitência de gente enganada de século em século – vendemos tudo. tudo. e a nossa identidade é agora um estrangeirismo que não sabemos entender – dois caracteres em chinês. um verbo em alemão. e por fim. a vénia inglesa. cor-de-rosa como manda a tradição – e o mundo mais uma vez cortado à faca dos interesses que não são os nossos. e o talento de um povo em fuga há séculos – já ninguém se lembra do tratado de tordesilhas – construímos. e logo de seguida. destruímos – não somos solidários. não há fraternidade. camaradagem. solidariedade. crescemos em demasia. envelhecemos depressa – na juventude somos amigos apenas porque somos. falamos a mesma língua. o mesmo calão. jogamos na mesma equipa. somos do mesmo bairro. vivemos na mesma rua. vamos à mesma igreja. subimos a mesma árvore. e o pai do meu amigo é amigo do meu pai – somos – quando nos zangamos resolvemos o problema de punhos ao léu. e no final tudo que é importante continua dentro de nós: continuamos a falar a mesma língua. o mesmo calão. jogamos na mesma equipa. somos do mesmo bairro. vivemos na mesma rua. vamos à mesma igreja. subimos a mesma árvore. e o pai do meu amigo continua amigo do meu pai – somos – “somos” deveria ser suficiente para uma nação abraçar e proteger o seu povo – mas a história repete-se e quem diz que a água só passa uma vez debaixo da mesma ponte engana-se – mais uma vez o impensável acontece. as nossas cabeças de ferro contaminadas ditam a sentença: sorefame condenada à morte por injeção letal no conhecimento adquirido – nunca mais haverá saber a passar de uma geração-respeitada pelo saber guardado pelo tempo – quem lhes prometeu um país equitativo?  portugal já não corre em carris para lá e para cá – povo deixa de entender o apito da boa nova. a língua já não é de camões. e o comboio já não diz: pouca terra. pouca terra – ninguém entende o barulho desta coisa que anda para lá e para cá – do “somos” já não resta nada. nem fado. nem futebol. nem fátima. nem traidores. estes ficaram na praça do comércio a olhar para d. josé I de portugal. nome completo: josé francisco antónio inácio norberto agostinho de bragança. cognominado o reformador devido às reformas que empreendeu durante o seu reinado – que cognome daremos aos nossos governantes? defunteiros? – josé sócrates I. o defunteiro – passos coelho I. o defunteiro – e os séculos vão passar e de nós nada haverá. nem dor. nem agonia. nem perda. nem ossos. nem remorsos. nada de nada. só história em papel enganado e vendida em escolas aos filhos da geração do pecado – estamos em pecado mortal. não matamos. mas deixamos matar – o último traidor tinha vendido o país a espanha – raios parta esta gente parida na revolução de abril – abril não foi feito para isto. este “somos” não é liberdade. igualdade. fraternidade. não é cravo – gentalha de malfeitores. fizeram-se políticos. homens do saber. e sem saberem como nos fizemos ao longo dos tempos – gente falsa. esta que diz e desdiz. não entendem o somos – somos: um povo de camaradagem nas guerras contra castelã. de camaradagem nas naus dos descobrimentos. de camaradagem nas camaratas da guerra ultramarina. de camaradagem na história da nação – já não há nevoeiro que traga um d. sebastião – ó gente que decide! o que fizeste à nossa nação? que fizeste ao nosso “somos”? agora as rodas de ferro não conhecem as nossas gentes. vem de terras distantes. feitas por mãos que não nos entendem. não são. não querem saber do “somos” – uma bomba(rdier) acabou com a sorefame – não foi uma bomba atómica. não. foi uma injeção. aniquilou a empresa. aniquilou o saber de gente que nunca soube escrever para se defender – foi um envenenamento controlado à distância: primeiro a falência de um rim. um pulmão de seguida. uma válvula do coração. e quando tudo fazia acreditar que a culpa seria atribuída ao colapso dos principais órgãos. primeiro corta-se uma perna e de seguida outra – o corpo cai desamparado e o que era ferro trabalhado é agora sucata – lágrimas. ainda não. mais tarde o povo chorará – ninguém acredita que dentro do ferro retorcido houve um dia ali gente de martelo em punho a fazer bater o coração de centenas de vidas – e o povo culto grita: é lixo. é lixo. vai para reciclar – o que é nacional nem sempre é bom diz o político feito às três pancadas numa revolução de cravos que dizia: o futuro somos nós – já não somos – já não falamos a mesma língua. não temos o mesmo calão. não jogamos na mesma equipa. não somos do mesmo bairro. não vivemos na mesma rua. não vamos à mesma igreja. não subimos a mesma árvore e o pai do meu amigo já não é amigo do meu pai – já não temos ninguém capaz de voltar a ensinar um modo de vida que já ninguém sabe como nasceu – eles sabem que há coisas que nunca mais podem voltar a fazer história – assim se destrói o tecido empresarial de uma nação – primeiro um milhão para as pessoas. depois um milhão para o abate. e depois um milhão para calar os que mandaram abater – o trabalho está concluído – agora pagamos a mercadoria que nos faz falta – ficamos para sempre sem um saber que não vem nos livros. e já não há mais gente sem saber ler e escrever para nos ensinar – no passado o ferro era batido ao som da lembrança das pedras a rolar monte abaixo – já não somos como dantes – somos desempregados. somos despojos. somos descartáveis – uma gente sem esperança 



4 comentários:

  1. Gosto tanto de reflectir contigo, num pouca.terra-pouca.terra de palavras em busca da terra.tanta... Esperança, onde ficas...?

    Beijinho JLL

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  2. pois é assim teresa. e os filhos da nação a partir para terras que não são nossas – as escolas vazias. os velhos sozinhos. as ruas fechadas para sempre – cada dia que passa todos ficamos mais sós - beijo grande e boa semana

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  3. As estradas do mundo não são mais as mesmas, as estradas da vida também não... O verde deu lugar ao marrom, o marrom deu lugar ao cinza, o cinza deixou os olhos pálidos, palidez define a humanidade, pálidas e sem vidas para se esperançar, para lutar, para ser... E são tantos, e somos esse tanto de nada, esse tudo do pouco, esse pouco que se basta mas que faz falta. As estradas do mundo não são mais as mesmas as estradas da vida também não...Falta chão, falta ver, falta ser, falta o pão, falta o dentro...

    (Adormecendo aqui) belas, intensas, verdadeiras, perfeitas palavras!

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  4. obrigado márcia - este texto é feito de uma revolta que não consigo mais aguentar - esta gente dos dólares está a destruir o mundo dos nossos filhos ´- não dá mais para aguentar. está na hora de fazer o mesmo que vocês fizeram aí no brasil - ir para a rua e gritar a até que a voz não aguente mais - beijo e bom fds

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