acreditei que
o luto estava encerrado. disse: acreditei – esta coisa da morte é estranha.
quando menos se espera. ela volta a manifestar-se. como se nada tivesse partido
– se eu me compreendesse. talvez pudesse escrever algo com mais sentido. mas
não; não me compreendo – quiçá uma parte de mim está morta. e quem escreve este
rascunho. de coisa nenhuma. não é mais do que uma parte do
corpo que teima em escrever para viver
[quando saio à rua. vejo
tudo tão vivo. como se nada tivesse partido do mundo]
tu que me estás a ler. sim.
tu. tu mesmo. achas que estou louco? sabes o que é a morte? sabes? já sei o que
vais responder. vais dizer que sabes o que é a vida: e que a vida são pássaros
a voar em bando e roupa a secar num estendal de uma varanda num quarto andar
desabitado – mas quem me manda escrever? neste dia de merda. talvez o certo
fosse mudar a terra naquele vaso que ninguém vê – mas o bando de pássaros vê –
um dia vou mostrar-vos. talvez. depois de morto. os sonhos floresçam.
anunciando a ressurreição de quem sempre chegou atrasado às palavras. naquele
vaso que ninguém vê