.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

18/03/2016

17 de março de 1998




 
 
 

sempre me senti só aos domingos. nunca entendi muito bem a metamorfose do corpo ao sétimo dia – no passado. em minha casa. este dia era dedicado ao senhor

     – hoje já não há senhores em minha casa. o último a bater com a porta foi o meu pai 

não gosto do domingo. mas gosto do silêncio dos domingos. gosto da sensação do não barulho. do não movimento. dos cortinados parados. das cadeiras arrumadas em círculo a apertar de lamentos baixinhos a mesa oval – a mesa era redonda mas como eramos muitos o meu pai mandou fazer um aumento que permitia sentar toda a família à sua volta – a mesa ficava oval mas para mim era redonda. um redondo perfeito

     – desde que o meu pai partiu nunca mais conseguimos tirar o aumento ao centro da mesa  

a mesa oval está cada vez mais imperfeita. deve ser da forma geométrica. excêntrica – sempre achei que a forma oval nasceu porque alguém não sabia fazer redondos – os redondos são perfeitos. o sol é redondo. a terra é redonda. a lua também. os olhos são redondos. tudo que é redondo é perfeito. o redondo não tem princípio nem fim. o meu pai também não – o meu pai era perfeito e a mesa oval só era perfeita com ele à mesa – com o meu pai todas as formas geométricas se transformavam em redondos mais-que-perfeitos

    – o meu pai era um homem redondo. não tinha uma única aresta. a vida deslizava por ele como se o corpo estivesse inclinado para o centro do universo

mas a mesa ali estava. inerte. quase morta. perdida no silêncio de todos os domingos – enfeita-a com vida um napperon de linho bordado à mão pela minha mãe. aformoseada por um centro de mesa em louça fina. também oval com uma tampa com furos para segurar flores que a minha mãe substituiu por plástico. duram para sempre – se pudéssemos fazer o mesmo ás pessoas

 


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