.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

21/01/2018

eu e:






pintura - gaetano cresseri






9.    eu e a minha circunferência


quase tudo por dizer e eu perdido entre um quarto quase quadrado e o instante nove – perdido ou não. será deste quarto quase quadrado que continuarei a procurar a essência das coisas em mim – busco o autoconhecimento e procuro em todas as coisas o que elas realmente são – reflito em cuidado. aceito-me com incertezas e afirmo-me como um ser que é como é porque a verdade não me deixa ser outra coisa para além do que sou – penso. sou único e indivisível mesmo quando a minha consciência se divide entre a verdade das coisas em mim e a verdades das coisas fora de mim – sou uma existência metafísica e procuro explicações em toda a humanidade e. com lucidez. brio e bondade. talvez aprenda a compreender a minha verdade mesmo que não absoluta – é com esta carência estrutural que me busco incansavelmente porque tudo o que sou está dentro de mim; procuro-me para além do que sinto. procuro-me porque tudo o que sinto não sei se é verdade – e assim digo. como ser racional: sempre acreditei que para que a verdade fosse realmente verdade bastasse sentir já que tudo que sinto parte de dentro de mim e eu não posso ser mentira – mas não. não chega. o que sinto nunca chega para que a [minha] verdade se torne suprema. logo. inalterável no tempo e em mim porque todo o tempo é absoluto e uniforme – juro que não quero ser mais nada do que sinto. tudo que procuro em mim é a verdade em todas as coisas assente no padrão da minha universalidade – procuro. procuro a verdade em tudo que sinto porque a quero como a única verdade dentro de mim e fora de mim mas confesso. temo não a encontrar. a vida nem sempre tem método e coerência. se tivesse. não sentiria o que sinto – sei que é na partilha do que sinto que a minha verdade colide com a verdade do que os outros sentem. mas não posso calar. não posso acovardar. não posso ignorar o apelo da minha verdade para ser universal. só com esta verdade serei eu dentro ou fora de mim – às vezes excluo-me. recuso-me a fazer parte das iniquidades. cego-me. escondo-me em mim com tudo que sinto e desapreço sem tempo para voltar. mas em momentos mais nobres. atiro-me para o coração do mundo e faço justiça com as palavras. magoo-me e sangro a raiva de tudo que não quero sentir – nunca sei se o que sinto é a verdade eterna ou apenas a verdade no momento – talvez não exista a verdade absoluta como também não existe meia verdade. talvez tudo não passe de um embuste do criador para me convencer de que só como ser divino atingirei a plenitude da vida e é obra dele tudo o que sinto e também o que não quero sentir – seria imaculadamente uma criatura de deus. um ser vivente criado a partir do pó da terra e do barro. missionário da fé e da sua glória. destino apalavrado no dia em que os meus pais. por via do batismo. me fizeram seu servo e vassalo de todos os seus humores – terei então em todas as coisas deus. tudo o que sinto. dentro e fora de mim. é unicamente o que ele quer que eu sinta e mais nada poderei sentir ou deixar de sentir sem a sua permissão – estou encrustado com a fé de deus. nascido para a virtude. adverso ao erro. em busca do aperfeiçoamento. do meu e dos outros. amante de todas as criações do mundo. da água. da terra. do ar. do fogo e o inferno é o que sinto sem saber o porquê de deus me entregar em vida às labaredas de satanás – e sem dar conta. em busca da minha verdade absoluta. reapareci como homem de deus. eu que estava zangado com o criador desde a morte de meu pai – onde estavas nesse dia? nunca me deste uma palavra. pregaste-me uma cruz na memória – nunca fiz nada na vida para te desiludir. procurei-te na verdade porque me ensinaste que só na verdade um homem encontra o caminho da luz – qual luz? qual caminho? a única coisa que me trouxeste fui a dúvida e a minha desumanização. renunciei-te para sobreviver – envelheci. tornei-me mais do meu mundo e menos do teu. abandonei a imortalidade e estou-me nas tintas para o paraíso. habituei-me ao inferno. iluminei-me na dor. na misericórdia e todo o mal será perdoado com sete pés de terra – todo o homem é ingénuo e pateta porque todo o homem com ou sem deus é pateta em algum momento da vida – não sei se sou muito ou pouco pateta sei apenas que neste momento me sinto enganado. purificaram-me com água benta estragada. não tinha a bênção de deus nem o seu caminho. continuo à procura de uma verdade que não encontro em lado nenhum. nem em deus – raio de caturrice. bem sei que errar é humano mas só os idiotas é que perseveram no erro. não se pode alterar o que nasce no corpo por ordem do sagrado – só com a morte saberei realmente com que verdade vivi a vida. talvez a tenha vivido em erro. mas ainda não morri. ainda me procuro. ainda procuro a verdade suprema porque já não tenho mais nada para procurar para além de saber o que realmente sou e porque sou – sei que um dia a minha verdade será feita apenas do que fui porque o futuro já nada alterará – nesse momento nenhuma idiotice fará mais sentido. a verdade será aquela que cada um quiser lembrar. eu estarei morto. serei apenas um ser humano frio e parado no destino – enquanto for lembrado serei sempre uma verdade em vós e em cada um de vós. estarei vivo – com a minha morte morrerá para sempre a minha verdade. a que vive dentro de mim – e assim me procuro em desespero. procuro o que está certo. mais nada do que certo. porque tudo que está certo nunca poderá ser mentira e um homem certo é um homem de verdade e essa verdade em si será também verdade nos outros – não há duas verdades quando há apenas um homem em si e fora de si – só a verdade será capaz de responder com conhecimento. mas não interessa. sou o que sou quando o que sinto deveria ser outra coisa qualquer – afinal aonde fica a verdade? sou o que sou pelo o que sinto. pelo que não sinto ou quando enfrento o que sou. por sentir que sou outra coisa – sou afinal o quê? não sei. palavra de honra que não sei e talvez por isso me procuro em tudo que sinto fora e dentro de mim e tudo que sinto me faz sentir o que não quero sentir – às vezes acredito que a verdade suprema só existe no que escrevo pois escrevo apenas o que sinto. mas também aqui tenho dúvidas. quando leio de frente para trás já não sinto nada do que senti e fico sem saber se a verdade está no que escrevo ou no que leio – a verdade absoluta é uma ilusão e a sua procura o primeiro sintoma de uma maldição divina ou interestelar. sou apenas mais um instante infinitamente pequeno de dúvidas do universo – a vida acontece porque ocorre uma explosão. uma dúzia de átomos colidem uns com os outros e o tempo fez o resto. o homem aparece – sou o desacerto dessa explosão. os químicos baralharam-se no rebentamento e aqui estou à procura da verdade na essência das coisas. as que estão dentro de mim e também as que estão fora de mim – sou uma verdade dentro de uma outra verdade do mundo. um tropeção na sua perfeição – estou arrasado e com medo. sei que o meu tempo não é infinito porque a morte acontece no corpo e quando um corpo morre leva consigo toda a verdade – não sei se sou único dentro de mim. talvez sejamos dois ou três ou quem sabe mais. mas se o corpo os aceita e se todos procuram o mesmo. então tudo que sai de mim só pode ser verdade – sou então o quê? e em que percentagem? e que juiz encontrarei para decidir o que há de bom e de mau. o que fiz bem e o que fiz errado. o que amei e o que não amei. o que sinto de verdade e o que sinto que não é verdade. porque seja lá o que for. uma coisa sei. eu sinto – não sei se o que sinto me faz totalmente verdadeiro porque não sei se é totalmente verdade. o que posso garantir é que sinto o meu corpo no mundo e a cabeça prisioneira do que sinto – e se não encontrar salomão serão os que não compreendem o que sinto que me julgarão? por mais sábio que seja o mundo nunca me saberá julgar pois sou uma milésima parte desse universo que corresponde a um homem e um homem não vale por todo o mundo mas tem um mundo dentro de si – também não quero ser julgado pelos que me aceitam pois apenas conhecem de mim o que compreendem e eu sou muito mais – procuro-me cada vez com menos argumentos para dizer que não encontro a verdade do que sinto. o mundo afinal é mais do que uma verdade. é muito mais do que sinto – talvez o problema seja meu. talvez eu não saiba compreender o mundo para além do que sinto. não importa. já não importa o que o mundo faz comigo. o que importa mesmo é o que faço com o que o mundo me faz – faço muito pouco. só faço o que sinto e neste momento já não sinto quase nada – sei que penso e volto a pensar mas quando saio para fora do meu quarto o mundo que pensei não existe e quando me encontro descubro que também não existo porque nada do que pensei existe e no quarto quase quadrado todas as dúvidas sobre a existência acabam mortas na incerteza do que sinto – sou a minha verdade e a verdade do mundo e nunca poderei ser outra coisa. e a ela terei que me habituar porque o meu quarto é uma ilha cercada do mundo onde vivo – sinto que quando escrevo esqueço o mundo. encho-me de silêncio. entrego-me ao mistério e parto desferrado para dentro de mim numa interminável agonia. rasgo-me e aguilhoou-me por não saber escrever o que sinto – quando escrevo procuro-me unicamente no que sinto porque a verdade não existe em mais lado nenhum a não ser no que se sente – mato-me de tempo e persistência – mas quando paro de escrever reapareço e tudo o que sinto não serve para nada porque o mundo não sente um homem. o homem é que sente o mundo – é janeiro. e sempre que o janeiro existe sou lembrança e todas as coisas deixam de ser coisas e todas as gaivotas se apagam no castanho triste dos olhos – mas quando paro de escrever sou outra vez dezembro porque é no dezembro que sinto o que não sinto em mais mês nenhum – em dezembro aqueles que amo estão-me pregados às mãos e não sinto mais nada que não seja o sentir do que sentem por mim – mas aqui. neste quarto feito de mim. rodeado de paredes que por serem feitas de silêncio aprenderam a ouvir-me em tudo que sinto e não sei escrever – neste quarto quase quadrado vivo uma quadratura em circunferência apertada com tudo o que sinto e me faz ser o que sou: sou a minha família. sou os meus amigos. sou os meus leitores e sou todas as páginas que escrevi – tudo o resto para vos falar o que sinto não sei se é verdade ou permanece vivo – aquilo que não amei e não escrevi não sei se existe  





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