.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

30/12/2024

o que está para trás. lá trás permanecerá – bem-vindo 2025

 




estamos às portas de mais um ano. o que significa que também ficaremos um ano mais velhos. para mim. cada aniversário é uma tragédia. mas sei que faz parte da caminhada. a sorte é que todos envelhecemos juntos. ninguém fica para trás – 2024 foi um bom ano. considero-o um ponto de partida. se fosse uma corrida de fórmula 1. diria que fui às boxes para trocar de pneus. agora. quero chegar o mais rápido possível a um lugar que não sei onde fica. mas sei que preciso de continuar a corrida – o fim de um ano permite-nos fazer reset: apagar o que foi de menos bom. reabastecer a alma de esperança.  e acreditar de que o próximo ano será ainda melhor. dar aquele passo que sempre tememos. dizer aquela palavra que guardamos para momentos especiais. concretizar o negócio que sempre ansiamos. ou então dar muitos abraços a quem merece. e quem sabe. encontrar aquela pontinha de sorte que tantas vezes sentimos faltar ao longo da vida – quem sabe. em 2025 eu seja agraciado com um momento de sorte memorável. mantenho a fé – todos na minha família tiveram saúde. que é sempre a base essencial para a felicidade e sucesso. por isso. sinto-me sempre um pouco ingrato quando me lamento de algo mais penoso. é necessário lembrar que a gratidão harmoniza todas as dificuldades – eu e a maria joão seguimos na nossa caminhada. envelhecemos juntos. acreditando que assim será até ao último dia – no trabalho. essa coisa maldita que nos tira os sorrisos. continuamos os dois com a nossa luta. teimando para que o nosso sonho continue a ser o aditivo que nos sustenta. com força. empenho e resiliência – não tem sido uma caminhada fácil. mas também já não temos idade para ter medos. viver é isto: sofrer. rir. sonhar. chorar e recomeçar tudo de novo quando o nosso castelo desaba – com a chegada do réveillon. chega sempre o natal. e como sempre. especial. vivemos o ano à espera desse dia. há algo transcendental em juntar a família numa comunhão de amor cristã. mesmo que a minha fé já se tenha perdido – o natal também é importante para recordar os que já não estão entre nós. e há tanta gente que gostaria de ter a meu lado – revê-los é sempre uma saudade açucarada – por isso recordo a minha cunhada zeza com aquele sorriso feito de leveza. inocência e vaidade. ainda deve andar por aí a ver as montras – o meu sogro. nunca mais tivemos na família um silêncio-doce como o dele. que nos permitia perguntar: será preciso tanta palavra para demonstrar o quanto nos amamos? lembro-me também do tio joão. já passaram tantos anos desde o seu desaparecimento. mas sempre que preciso de um exemplo de tolerância e conhecimento. é ele que me vem à memória. que privilégio foi herdar este legado invisível. mas ainda hoje tão presente – por último os meus pais. tenho tantas saudades deles. mas tenho a certeza de que o pai antónio lopes e a mãe carolina lopes. onde quer que estejam. estão orgulhosos do seu legado. de nós todos – eu também estou muito orgulhoso da nossa família. principalmente desta que construí com tanto amor e sacrifício. confesso que não foi fácil. mas só foi possível graças aos filhos. noras e netos. verdadeiramente únicos e que fazem da nossa história uma epopeia – é a única obra de que me orgulho. sempre que os vejo. reluzem como as estrelas na noite. como diamantes polidos pelo tempo. sei que são as minhas sementes. e também sei que irão dar vida a outras sementes. e assim todos nos perpetuamos no infinito do tempo – 2024 permitiu que o meu filho luís. o primogênito. realizasse mais um bonito sonho. bem sei que é fruto do seu talento e esforço. e também da parceria com a sua esposa. minha nora andreia. que é uma filha para nós. gostamos imenso dela. trata-nos com muito carinho. se pudesse escrever como isso nos deixa felizes e tranquilos. mas não tenho essa arte. o nosso filho não poderia ter encontrado melhor companheira – o meu filho do meio. pedro. está de vento em popa com o seu negócio. ele também é especial. um trabalhador incansável. lembro-me de dizer à mãe: no estudo pode não ser um aluno de vinte. mas vai ultrapassar o vinte pela sua capacidade de trabalho. só não se deve lamentar. mas antes agradecer a vida que conquistou – é apenas um pouco nervoso. juro que não sei a quem sai. ou talvez saiba. por isso espero que o novo ano lhe traga mais tranquilidade. a vida não pode ser apenas uma correria desenfreada. onde obrigamos aqueles de quem gostamos a correr a nosso lado. às veze é preciso parar. respirar. que é o mesmo que dizer refletir. e aprender a caminhar juntos. ao mesmo ritmo com que amamos. e perceber que quando vamos juntos podemos não ir tão depressa. mas vamos com toda a certeza mais longe – mas na nossa família a gratidão é permanente. e. finalmente. o meu filho encontrou um ombro onde pode descansar. a sua companheira. isabel. para nós bela. que para além de ser divertida. trouxe a nossa casa algo que nos faltava: diversão. alegria nas coisas fáceis. leveza. olhos a sorrir. e uma paciência enorme de fazer do seu marido um homem mais tolerante e calmo – estamos muito gratos por ter escolhido a nossa família – o meu filho. joão. o mais novo. depois de muitos anos de dedicação e esforço ao estudo. doutorou-se neste belíssimo ano. nós pais realizamos mais um desejo. e quanto orgulho. eu e a mãe estamos felicíssimos. e com casamento marcado para setembro. tenho a certeza de que 2025 será o ano de um novo recomeço para ele. a minha futura nora. sofia. nora. já posso chamar nora. é agora parte da nossa família. é nela que confiamos para fazer do nosso filho um homem feliz – a nossa nora é determinada. desenhou o seu percurso profissional a régua e esquadro. mas também com muito sacrifício. e tem demonstrado uma força admirável para alcançar todos os seus objetivos: querer ser todos os dias um pouco melhor – adoramos essa ambição – a excelência é uma roda que nunca para de girar. nessa rotação. há momentos que nos esmaga contra o solo. mas o importante é aproveitar o restante da roda para completar a circunferência junto das pessoas que gostam de nós – estamos todos impacientes por essa boda. que será um marco inesquecível para as duas famílias – esperamos que seja para sempre. na nossa família todas as uniões têm sido para sempre. mesmo sabendo que. a partir desse dia. ficaremos novamente sozinhos. ao fim de 40 anos. seremos novamente dois numa casa – mas. para o fim. está reservada a melhor notícia: vou ser avô mais uma vez. e logo de uma carolina. nome da minha mãe. pedro e bela. quando essa princesa nascer. a vossa vida vai mudar para sempre. mas saibam que essa mudança será repleta de sentido e alegria. se souberem acompanhá-la de perto com resiliência. muito amor e também muitos sacrifícios. quando chegarem à minha idade irão perceber que nada no passado mudariam. vê-la feliz será o vosso maior desafio. e também o vosso maior legado: a única obra que nunca acabará enquanto forem vivos – e agora a lurdes. que com 85 anos continua a ter uma memória de jovem. só as pernas é que a traíram. mas ela mesmo diz: é a vontade de deus. ele lá sabe o que faz. e está em todo o lado – 2025 será um ano muito bom para ela – a lourdes não teve filhos para levar ao altar. mas terá o privilégio de ser a madrinha do meu filho. e irá levá-lo até o cimo da igreja. quanta honra para ela. mas também para nós – a lourdes é da nossa família e do nosso sangue. todos a amamos profundamente. e ela sabe o quanto é essencial para nós – a lourdes foi sempre uma luz de proteção para a minha família. sempre se deu muito bem com o seu deus. são unha e carne. mas para mim. foi muito mais de que uma luz protetora e divina. foi a minha segunda mãe. nunca me desamparou quando o mundo desabava à minha volta. e hoje é a “vó” dos meus netos – para nós. o que espero de 2025 é o mesmo que pedi em 2024. muita saúde para todos. e se puder ser. se não for pedir muito. um pouquinho mais de sorte e tranquilidade. nós precisamos. começamos a estar um pouco cansados – por último. não posso esquecer os amigos. são também eles que nos dão colorido à vida. e para eles. o mesmo desejo. saúde e dinheiro até não aguentarem mais –  muito já foi dito. mas vale a pena reforçar por ordem de chegada. e para que fique registado para a eternidade. aqui ficam os seus nomes: o meu amigo paulo. estou-lhe imensamente grato. aturar-me durante quarenta anos não é para qualquer um. mas é uma honra ser seu amigo – miguel e cristina. a velhice é um posto. já lá vão mais de doze anos. a amizade é feita de tempo e partilha. serão sempre especiais – luís e mariana. o meu amigo é especial. mostrou-me outro lado da vida e de mim. e como se costuma dizer. o saber não ocupa espaço. a mariana acabou de chegar ao pé dos “cotas”. mas traz com ela uma luz de mudança. acredito que irá acrescentar positividade a todos os que partilham a sua amizade – manu e mónica. passamos até aqui bons momentos. divertimo-nos imenso. mas também falamos de coisas sérias. a nossa amizade irá continuar. tenho a certeza. todos em nossa casa gostam de vocês. só espero que o telemóvel e as mensagens não avariem tantas vezes. talvez o melhor seja mudar de operadora. publicidade à parte. mudei para a vodafone – joão e carol. talvez a amizade mais improvável. mas os astros alinharam-se. é por isso que gosto de viver. como sabem sou surpreendido várias vezes. mas adiante. vou usar as tuas palavras: vocês são confiáveis. e como uma amizade para durar precisa de confiança. foi muito bom aparecerem e conhecerem a nossa família – todos me acrescentaram alguma coisa. todos me fizeram bem. e com todos aprendi. serão mais uma luz em 2025. estou muito grato. principalmente por me aceitarem como sou. valorizarem o que tenho de melhor. e esquecerem o que há de pior. fica a promessa de continuarmos juntos o caminho em falta – este ano. vou juntar à lista mais dois amigos: pedro e inês. foi também muito bom terem aparecido na nossa vida. logo que seja oportuno. conhecerão a minha família. tenho a certeza de que irão adorar. quero o melhor para vocês. e que a vossa alegria transborde para quem partilha o vosso afeto. e. quando tiverem excesso de alegria. chamem por nós – e agora. a outra parte de mim: a minha irmã e o meu irmão. para eles e suas famílias. só posso pedir que tenham muita saúde. vocês são muito importantes para mim. para nós – são a única extensão que nos liga aos nossos pais. e como temos muito orgulho neles. fizeram a estrada. nós apenas caminhamos nela – este ano. também fica a recordação dos cem anos da mamã. se fosse viva. e. saber que. por iniciativa da minha irmã. teremos para sempre um dia por ano para juntar toda a família. é algo que me enche de orgulho – não podemos perder a essência dos nossos pais: família e bondade – aos meus amigos da praça. este ano. juntamos mais dois à mesa. e como é bom perceber que também eles envelheceram. e estão muito mais bonitos. talvez apenas menos elegantes. ao vosso lado regresso à adolescência. e volto a ser muito feliz – tiago. arménio. lúcio. pimenta. fontes. espero que o novo ano vos traga muita saúde. na nossa idade de que precisamos mais. e também que triplique os nossos encontros – para terminar. mas de forma propositalmente especial. quero falar sobre a minha companheira. para ti. amor. só posso pedir que continues a meu lado. com muita saúde. pois. se tiveres saúde. eu também tenho. nós estamos ligados um ao outro para sempre – mas também desejo que sejas mais feliz. que te sintas mais reconhecida pelos filhos. noras e netos. e pelos amigos mais próximos. tu és a razão pelo qual este nosso castelo existe. só eu sei o quanto foste importante para tornar os nossos filhos homens de bem. mas também mais doces. és incrivelmente boa pessoa. boa mãe. esposa. filha. tu és o sol que alimenta de amor e esperança a nossa família. e o único porto seguro para os dias tempestuosos – a teu lado. sou. e sempre serei um homem realizado. não tens culpa de eu querer chegar a 2026 sem passar por 2025. é a minha forma de viver. sempre foi – a meta para este ano será sempre o lugar onde nascemos: a família. os amigos. e aqueles que nos aceitam como somos – mas também é preciso lembrar quem nos deixou em 2024: infelizmente. perdi um amigo. sei que temos todos de partir. é a dita lei da vida. mas a saudade e as memórias permanecerão connosco. de alguma forma. é bom saber que ficou entre nós a sua companheira. que nos fará recordar todos os bons momentos de amizade que construímos – feliz ano 2025

 

 

23/12/2024

23 de dezembro de 2024





hoje é um dia muito especial. celebramos não só o aniversário da maria joão. que é a mãe dos meus filhos. mas também a vida que construímos juntos – uma vida cheia de amor. persistência. e tantas memórias preciosas – lembro-me como se fosse ontem. era carnaval. estávamos em um baile de garagem. foi lá que a pedi em namoro – passaram-se mais de 40 anos desde aquele "sim" e no dia 21 de julho de 1984 juntamo-nos para sempre – hoje. ao olharmos um para o outro. percebemos que envelhecemos por fora. mas por dentro. porém. o amor. permanece inalterável. mesmo com as injustiças que a vida nos impôs. subimos e descemos montanhas. enfrentamos dias em que o medo nos tirava o sono e a paz. mas nunca nos afastamos. continuamos a cumprir os votos que juramos um ao outro: na saúde e na doença. na alegria e na tristeza. na riqueza e na pobreza. e assim caminhamos. a subir e a descer imensas montanhas. mas mesmo nas mais íngremes. encontramos força um no outro para continuar – foi essa força que nos trouxe até aqui. mesmo com jornadas de muita dor. e com medo que o dia seguinte fosse ainda pior – nestes quarenta anos. esteve sempre a meu lado. nunca se queixou. guardou muitas vezes o medo para não me amedrontar mais. ergueu-me quando estava mais abatido. e curou-me com amor quando o coração estava mergulhado em fel – quando conheci a maria joão acreditei que estava perante uma mulher frágil. mas como me enganei. esta mulher que cresceu ao meu lado tornou-se forte. valente. corajosa. e hoje sei. que sem o seu amor e companheirismo nunca teria sobrevivido a tantos descontentamentos. sempre que a casa abanava. tal como sansão. abria as mãos e segurava o nosso castelo. era ali que os sonhos dos nossos filhos cresciam – hoje é um dia que é só dela. a matriarca está celebrada e é digna de todas as honras. e não podia deixar de lhe dizer que a amo. às vezes. falta-me uma palavra à altura desse sentimento. capaz de dar distância. talvez dizer-lhe que a amo daqui até vénus. que é a deusa do amor. e de vénus até aqui. onde eu a guardo – de lhe dar tonelagem. talvez dizer-lhe que o meu amor é de tal modo enorme que pesa mais do que cem toneladas. sem contar com os beijos e abraços – também um pouco de magia. talvez dizer-lhe que sem ela a minha vida seria marte. inóspita. deserta e cinzenta. sem pássaros. sem flores. sem rios a correr para o mar. sem primaveras. sem sol. sem amendoeiras em flor. e girassóis a procurar-me todas as manhãs – construímos juntos um castelo mágico. nele guardamos o mais importante da vida: a família. os filhos. o amor. e o sonho de morrermos nos braços um do outro – com a nossa união demos vida a três rapazes fantásticos. bons. que amam como nós a verdade. o respeito. a lealdade. a bondade. o trabalho. a justiça. e a família – o que há mais importante do que a família? nada – a casa multiplicou-se. chegaram três noras. que adoramos. são agora também do nosso sangue. dois netos e meio. um casal que amamos. talvez porque fizeram de nós pais pela segunda vez. e uma carolina que chegará para maio. mês de maria. e que alegria nos vai trazer. lembrar-nos-á para sempre a avó carolina. que nos ensinou tudo sobre o valor da família – a maria joão é uma companheira fantástica. uma mãe exemplar. nós sabemos bem o preço que pagámos para que os nossos filhos conquistassem a sua liberdade. foi também uma nora especial. os meus pais adoravam-na. preferiram-na sempre em detrimento dos filhos. acompanhou-os na doença até ao último dia. sem nunca lhes negar um carinho e um sorriso – nada do que somos hoje teria acontecido se não estivesse a nosso lado. sempre. noite e dia. com uma coragem imensa. e uma bondade que nos dá o sentido certo para a vida – vivemos os últimos 15 anos inseparáveis. cada viagem. cada momento no sofá. cada noite em que mexes nos meus pés. partilhamos todos os risos e choras. fundimo-nos um no outro. e o que sei mesmo. é que viveremos juntos até o último dia. porque tudo que és. tudo o que sou. tudo o que somos. é a maior dádiva que podemos celebrar – que o universo ilumine com estrelas o caminho que nos falta percorrer. até ao fim dos nossos dias  

 

quando o inverno chegar

se me encontrares frio

aconchega-me

sussurra ao ouvido

o amor que guardas em ti

mas. se nevar

se os pássaros de ruy belo

gelarem nas árvores

se as gaivotas uivarem

se os corvos sorrirem

faz um boneco de neve

que tenha o meu tamanho

com um coração enorme

que não pare de bater

e. senta-te junto a ele

conta-lhe a nossa história

diz-lhe como te amei

e como o amor nos sustenta

nesta separação gelada

e quando o sol brilhar

tu… vais existir

e eu…

na luz que guarda a saudade

dir-te-ei:

vivo em ti para sempre



20/12/2024

eu. e o natal de 1969

 





vou contar algo que aconteceu comigo em um natal já distante: estávamos no ano de 1969. eu ainda era uma criança. e não me passaria nunca pela cabeça que este viria a ser o natal de todos os natais – apesar de várias tradições existentes no minho. o pai natal na minha casa só rompia pela chaminé à meia-noite – começava-se a fazer os preparativos para a sua chegada por volta das 23.30. dando início à recolha de um sapato por cada elemento da família. todos tinham direito a um presente – depois. eram colocados na cozinha. espalhados por tudo quanto era sítio – isto porque estávamos habituados a ter em nossa casa muitos familiares. além de alguns amigos. vinham consoar connosco – todos eles sabiam que o meu pai fazia deste dia um momento especial. uma verdadeira celebração de boas práticas cristãs – sendo assim. mais nada restava senão esperar pelas doze badaladas para dar início ao verdadeiro natal – este começava apenas após o papai noel despejar as prendas nos sapatinhos – naquela idade. esperar pelas doze badaladas era um verdadeiro suplício. o tempo parecia não andar. e a ansiedade crescia inversamente à tranquilidade – a alegria. essa. reinava em toda a família – a meia-noite avançava no seu vagar. para os adultos. parecia que nada de especial se passava. mas para mim era tortura – creio que só a inocência das crianças é capaz de não perceber que o papai noel não existe – afinal. quem conseguia manter a serenidade sabendo que estaria para breve a entrada em nossa casa de uma tão ilustre personalidade? eu não conseguia – apesar da angústia. o tempo caminhava devagar. e os minutos pareciam passar ainda mais devagar. muito devagar. mas o tempo seguia seu curso e a meia-noite estava prestes a chegar – era o momento em que me parecia que estávamos todos no mesmo pé de igualdade. eu e os adultos fazíamos um enorme reboliço. o barulho não parava de aumentar. todos gesticulavam e gritavam uns com os outros – para mim. a maior parte das coisas era impercetível. gestos e códigos que só os crescidos pareciam entender. mas era evidente que tudo tinha a ver com a chegada do pai natal. e com a distribuição das prendas – de repente. ouve-se uma voz na sala: está a chegar o pai natal – ó meu deus. todo eu era alegria. incapaz de caber no meu mundo ainda tão pequeno. mas bem lá no fundo. trazia comigo um medo infantil. incapaz de ser anunciado – o silêncio era agora total. apenas ouvia o meu coração eufórico e as pernas a varejar— apagavam-se as luzes da sala. apenas a iluminação do pinheiro continuava a piscar. fazendo sobressair na sua base a sagrada família – era ali que residia a força daquele dia. era nessa fé de que um dia um menino nasceu para salvar o mundo do pecado que. aos meus olhos. não restavam dúvidas era mesmo o redentor – a minha família era tão perfeita. tão genuinamente bondosa. o meu pai não parava de distribuir atenção e cuidados a todos os presentes. não podia faltar nada em cima da mesa – o bom vinho. escolhido religiosamente para este dia especial. era o ponto culminante das preocupações de um bom chefe de família – aos meus olhos. via apenas um homem feliz. com o sentimento de que tinha cumprido com as suas responsabilidades familiares e estava agora a ser recompensado. com alegria e fartura transbordando na mesa – até a minha mãe. sempre muito mais receosa do futuro. espelhava naquele dia a felicidade estampada no seu rosto – de dentro dos seus gestos brotava aquela ternura que só os filhos sabem alcançar pelo olhar. a sensatez. a ponderação e lucidez davam lugar a um olhar de esperança e felicidade – meu irmão. mais velho dez anos. faz então um número de teatro e diz: tchchhh. e a algazarra calou-se. suavam as pancadas na porta da cozinha. violentas. para que não houvesse dúvidas de que o pai natal tinha descido pela chaminé – a meu lado. a minha irmã. para quem o natal já não tem segredos. mais velha do que o meu irmão dois anos. estava habituada as festividades natalícias dos meus pais. segurava-me o olhar. sabia que era no meu contentamento que o natal podia ter mais brilho – mais ao lado. a alegria daquela que todos os dias substituía a minha mãe nos afazeres de educar: a 'ua'. como várias gerações têm vindo a chamar carinhosamente. um diminutivo de lourdes. minha protetora até hoje. também ela estava rendida à minha felicidade. os seus olhos não se desprendiam da minha jubilação. todos queriam ver-me feliz. era o alvo das atenções – apesar daquela mistura de sentimentos. em cada pancada da porta vinha a esperança de que fosse a última. mas pareciam eternas. sempre aparecia mais uma. uma tortura para um catraio – finalmente. o fim das míticas doze pancadas – saía então disparado para a cozinha. na esperança de que o meu sapato estivesse repleto de prendinhas – os olhos rebentavam de alegria. era a cozinha mais bonita do mundo. as prendas subiam em pirâmides intermináveis. o chão estava completamente coberto de embrulhos. e a algazarra à minha volta era infernal – a minha montanha de embrulhos obrigava a várias viagens de ida e volta para os levar até o meu local de deleite – minha mãe era o pai natal lá de casa. eram dela as economias que juntava durante o ano — então. apesar de muitos embrulhos. quase todos eram roupas que. mais cedo ou mais tarde. eu iria precisar para o meu dia a dia – obviamente. truques impostos pelos orçamentos controlados. neste pacote de prendas não podiam faltar as meias e as camisolas interiores. porque na época nenhuma mãe mandava o filho para a escola sem estar bem agasalhado – mas. no meio de todos esses embrulhos. lá vinha sempre um ou dois brinquedos. não eram os que eu tinha pedido na carta ao pai natal; esses eram muito caros. próprios de famílias endinheiradas. de dinheiro fácil. mas vinham uns parecidos que. no entanto. eram de uma terceira categoria. suponho que minha mãe os comprava numa 'lojeca' onde. depois de marralhar durante dez minutos. conseguia um desconto substancial – brinquedos são sempre brinquedos para uma criança. e a partir daquele momento eu já não existia para o natal familiar. refugiava-me no quarto para descobrir e desmontar aqueles que seriam os únicos brinquedos que eu teria nos próximos doze meses – estava eu entretido com a imaginação. quando irrompem pelo meu quarto dizendo que o pai natal ia voltar. tinha-se esquecido de deixar um embrulho – estive para morrer. o pai natal de volta? era sorte demais para uma criança como eu – logo que me disseram que era uma nova visita. desatei numa correria estonteante – voltou-se a repetir todo o cenário anterior para a chegada do pai natal. fiquei novamente a ouvir as pancadas de molière. ainda mais nervoso do que da primeira vez – um embrulho enorme estava no meu sapato. creio até que era o único em toda a cozinha. rasguei o papel e não quis acreditar no que os meus olhos viam – numa caixa com mil e uma cores. e um avião impresso no cartão maravilhoso. que mesmo sem sair da caixa já me fazia voar pela estratosfera – o avião era fantástico. de pilhas e em chapa pintada. naquela altura não havia preocupações com brinquedos de chapa. magoava. curava com as respetivas janelas e portas. os reatores nas asas terminavam com. a sobressair uma luz vermelha e verde. que acendiam à vez. e a cauda pintada com o símbolo da tap – tudo era perfeito. ligado. fazia um zumbido que me deixava na dúvida se ia levantar voo. enquanto as luzes não paravam de acender e apagar – no terraço de minha casa. o aeroplano não parava de subir na minha imaginação. minha mãe gritava a toda a hora para que eu saísse do frio. mas o boeing não parava de piscar aquelas luzes de sonho – o avião e os sonhos caminhavam majestosamente por aquele terraço. que para mim era uma pista de aviação que me ligava ao resto do mundo – aquele avião. que nunca levantou do chão. fez-me ter o natal mais extraordinário que uma criança pode desejar. daquele terraço. parti para todo o mundo. feliz e agradecido a um pai natal que. apesar de não o ter visto. era o mais incrível do meu universo de criança com sonhos – naquela noite. dormi com os anjos. pela primeira vez tinha tido um brinquedo de 1ª categoria – tudo isto. agradeço a um amigo do meu pai que resolveu festejar o natal em nossa casa. como chegou atrasado. por culpa do pai natal de sua casa. chegou depois da meia-noite. daí termos de repetir o número do pai natal a descer a chaminé – hoje. ainda gosto do meu pai natal – as crianças. naquele tempo. eram enganadas com alegria. os pais eram felizes ao criar nas crianças a capacidade de ter fé. esperança e uma vontade enorme de sonhar – infelizmente. as crianças hoje quase nascem sabendo que o pai natal não existe. alguém se lembrou de que as crianças precisam de um pai natal. mesmo que a descoberta da realidade traga alguma tristeza – tenho a certeza de que as recordações daquelas noites mágicas acabam por compensar a descoberta da realidade – pobre sociedade. que retira a inocência da vida das crianças. tirando-lhes a possibilidade de criar as suas próprias fantasias – mas. por muito que a sociedade tente dizer que o pai natal não existe. eu só sei dizer que isso é uma grande mentira – para mim. o homem vestido de vermelho. de barba branca. barrigudo e amigo das crianças existe e existirá sempre – sei até que um dia me trouxe um avião maravilhoso. e sou até capaz de jurar que vi o seu trenó com as renas paradas no meu terraço. e eram lindas. majestosas



10/12/2024

viagem - música








é com grande alegria que compartilho algo muito especial com os meus amigos – pela primeira vez. um poema de minha autoria ganhou vida em forma de música – agradeço profundamente a um amigo por esta alegria inesperada – espero que este seja apenas o primeiro de muitos poemas que encontrarão melodia 


 


 

02/12/2024

viagem

 


 



sou o que vejo

não em mim

mas nos outros

 

e o que os outros

veem em mim?

talvez o que não sou

ou então

mais do que sou por gratidão

ou por esta subtileza:

caminhar

para onde estou virado

  

mas o que sei

por ainda me tolerar

é que sou o que não se vê

invisível de mim mesmo

refém do tempo

prisioneiro das memórias

 

mas que interesse há em ser visto?

se sou o que vejo nos outros

e o que sinto?

quem vê?

apenas eu

por ser deste mundo

e suportar a certeza do ser…

por isso. lamento o vazio

do qual tento escapar

será que todos estamos errados?

ou só eu?

somos o que vemos

ou o que nasce deste ir e vir?

  

certezas?

só que a noite falece com o dia

e o dia foge da noite

e o tempo

preso na ampulheta

respira cada grão

de areia

carrega o nada

o que fomos

o que nunca seremos


e o que restará de mim

com o último grão

quando tudo acabar?

  

por isso prefiro acreditar

que todos são como eu

e eu como todos

e o que sinto é só meu?

ou talvez

a lucidez de um desatino?

 

talvez seja só meu

neste mundo de todos

sem compreender

que colorimos a vida

com nossas cores

 

se todos vissem o que eu sinto

que interesse teria?

se dentro de mim

pouca coisa faz sentido

e tudo o que sinto

é apenas dor

que se esconde no que sou

 

sou o que vejo

não em mim

e nos outros

sou o que não sou

 

com sapatos ou descalço

procuro o que sempre procurei

um outro que ande como eu

e que me diga se é desumano

ser o que vejo

 

e o que fazer

para deixar de ser o que vejo?

ser apenas eu

como nos dias

em que quero ser

e também não ser

o que vejo

e o que ninguém vê

 

sou o que ninguém vê

somos todos

todos

talvez ninguém