tal como simone de
beauvoir. a impressão que tenho é de não ter envelhecido. mas ao contrário
dela. eu ainda não me instalei na velhice. apenas envelheci. por fora. talvez
um pouco. mas por dentro estou parado num dia. no dia em que ainda vivo – às
vezes. quando estou mais ousado. viajo ao verão de um único dia quente da
juventude. e paro. e também me interrogo: o que trouxe desse dia para o presente?
e a resposta é: este único dia que me habita – pelo meio. nada. nada porque
estou lembrando o agora. porque o agora é o único momento que reconheço como real.
e nele sou jovem. por dentro. e no espelho apenas a verdade de tudo o que
passei para chegar ao único dia em que me dou como vivo. este em que escrevo. e
continuo jovem. porque sei que em mim reside a soma de todos os momentos. sou o
resultado do que construí e ninguém viu. sou a família que formei. e também as
minhas contradições. os amigos que conquistei. e os que perdi. o que aprendi. e
o que deixei de aprender por não ter tido tempo. ou por leviandade – não se
pode aprender muito num dia de vida. é tudo tão difícil. somar é apenas juntar.
e o que sou com esta soma? sou este dia em que vivo. e também cultura. isto que
vos escrevo é cultura. e é vasta. por ser feita inteiramente num dia – sou
também um vazio que por ser isso mesmo. ainda nenhum dia conseguiu preencher. nada
se vê do que guardei em mim. por isso é que os que ainda não fizeram as contas
do tempo. acham que envelheci. mas não. eu apenas vivi o que somei para dentro
de mim. eu nunca envelheci – ainda me movo com a leveza de outrora. só que hoje.
tudo acontece num único dia. e se no passado sonhava dia e noite. agora sonho
só quando tenho a certeza de que nenhum sonho se prolongará para amanhã – por
fora sou apenas o que ninguém vê. tentam ler-me por sinais que não compreendem.
e medem os meus dias a partir do dia em que vivo – eu apenas sei que
este momento que estou a viver é o único que dou como certo. vivo. tudo o
resto. não sei. às vezes foi um sonho. outras um pesadelo. e a única prova de
que vivi. é este instante que é meu – está quase noite. e vou ter que fechar os
olhos. e por certo tenho as estrelas. mesmo que não as veja. estarão num lugar
onde nunca fui. tal como o dia de amanhã. também nunca lá foi. mas se para as
estrelas sorrio e aceno. para amanhã. aplaudo e agradeço. porque se lá chegar.
será o único dia certo. aquele que me pertenceu por inteiro. porque o futuro.
está na minha pele. nas rugas e nas cicatrizes. mas dentro eu sei que a
qualquer instante o dia seguinte se perderá. e eu ficarei para sempre num único
dia. onde vivi e deixei de acrescentar os que os outros me dão. recolher-me-ei entre
sombras. e nesse descanso. serei para sempre inteiro em mim. e tudo o que
alcancei ficará ali. naquele fim. e acredito. por ser um humano do universo.
que será naquele microssegundo que fundirei a alma com a liberdade para sempre
– e foi este mundo que construí. e nele deixei tudo o que era meu de verdade. almas
minhas que como eu nunca envelhecerão. o que vem de nós não envelhece. nunca as
libertei por mais que voassem para longe. ninguém consegue desligar-se de parte
de si sem se magoar. ou perder-se em procuras desencontradas – se um dia me
instalar na velhice. o que não creio aos meus olhos. em mim tudo será ausência
do que sou. porque pela noite. as estrelas por lá continuarão. e eu. se não
souber voar. sonharei. e cubro-me com a certeza do dia que vai chegar – sou
apenas este dia. não tenho idade. tenho um único dia para me afirmar vivo. e um
homem vivo respira. voa – e assim fiz-me gaivota. e o vento fez-se em mim
poesia. tudo o resto perde-se no tempo. e todos. mesmo aqueles que ainda não
somaram o tempo. vivem um único dia. aquele que estão a viver – tal como
comecei esta crónica. termino também com um pensamento de simone beauvoir: a
pessoa não é nada além do que faz de si mesma
ps – dedico esta
crónica aos amigos que me aceitam tal e qual como sou – sei que às vezes não é
fácil – mas é precisamente por isso que vos agradeço: os amigos são as peças do
puzzle que. peça a peça. completam o que sou
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