.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

23/08/2013

quase escrevia a frase mais bonita de sempre




jamie salomon y jackie k. seo



escrevo num quase tempo. um quase texto – percebi que o tempo apesar de malévolo levou-me ao refinamento do supérfluo – escrevo – avalio o tempo ao segundo de um quase – tenho quase a certeza que vou acabar este texto um dia – este quase não tem definição. talvez previsão. talvez adivinhação. talvez ilusão. talvez desilusão. talvez alucinação. talvez um jogo de xadrez onde o cheque à vida é diário e o mate é uma certeza absoluta – xeque-mate. e o que há para fazer fica para sempre parado no quase – quase conseguia realizar aquele sonho. quase – não sei explicar o quase – passei a vida encavalitado em muitos quase[s] e agora quase nada me resta –

– sartre trata o nada em oposição ao ser –

aceitamos a vida com uma palmada no rabo. um biberão. o primeiro passo. o primeiro dia de escola e depois. é como se tudo acontecesse em vinte e quatro horas – existo cunhado por um nome. um número de existência e tudo se resume a uma impressão digital. única. dizem os entendidos – pelo batismo. sou de um outro mundo. crente. piedoso. justo. vigiado por um deus que está em todo o lado – a vida eterna é prometida para lá da minha compreensão – um choro. uma concha. e água na cabeça iluminada por uma luz que nunca iluminou coisa nenhuma – quase cheguei a acreditar que os santos um dia me ouviriam – nunca me deram importância. nem mesmo quando lhes prometi levar ao seu dono o meu peso em cera pura – bastava que me tirassem este quase das mãos. bastava – para o mundo sensível sou um pedaço de papel. existo em livros enormes de letras douradas. capa rija. guardado por funcionários públicos indiferentes ao serviço de um estado também indiferente – vivo ali até que o bicho da traça se alimente do meu número – esqueço o nome. somos todos números e moro na página cento e cinquenta do ano da santíssima trindade – sou filho de um ano – quase era um ano bom se não fosse aquela tromba-d'água – ceifou a flor da árvore e o fruto putrificou voltado para um raio de luz vagaroso – quase lhe acontecia vida – não aconteceu. chegou tarde. quase chegava a tempo. mas o céu escuro anunciava dúvidas e depois. do nada. apareceram aquelas pedras enormes de granizo –

– uma fotocópia por favor. frente e verso –

no tempo uma recta sem fim. deito mão a uma equação de resultado infinito: quase era imortal aos vinte. quase era imortal aos trinta e aos quarenta o corpo deixa de fazer somatórios e afinal tudo se resume a resto zero – a fumarola acesa e a missa de corpo presente agendada. falta apenas acertar a hora com os convidados – quem disse que as retas não tem princípio nem fim? a força gravitacional não admite corpos suspensos no ar por muito tempo – o centro da terra é humano e o eixo imaginário afinal existe. quase perpendicular a uma quase tangente. roda numa espiral de morte anunciada e tudo se resume a tempo –

– galileu afirmou que o movimento só tem sentido quando comparado com outro ponto de referência –

não tenho ponto de referência. tudo roda com o desinteresse do tempo pelo que acontece. consome voltas a um eixo que roda unicamente sobre si – quase não sou – quase saía a cor branca. saiu vermelho vivo. e o meu quase preso aos caprichos de um jogo de sorte ou azar – sorte. azar. sorte. azar. sorte. azar. sorte e roda a rodar – azar. quase dava escritor – os polos iguais repelem-se. não deixam juntar as letras com perícia para uma quase lucidez da arte de bem escrever –

– tudo é uma roleta de casino. vermelho ou preto. par ou impar –

e a demência a ganhar tempo para tomar de vez o corpo e tudo amarrotado dentro do pensamento – páginas de mim agoniam numa quase morte no caixote do lixo – tudo morre. até a minha quase vida feita em papel – morte gritam as palavras. morte gritam os verbos no gerúndio e o passado a rir distrai o futuro com um quase ser feliz – quem sabe um dia tens o tempo dos homens justos numa árvore plantada na página dos fidalgos da casa mourisca e verás que os negrões de vilar dos corvos nunca foram assolados por tragédias. quase eram. mas não foram – há um tempo para os homens que sabem escrever e um quase tempo para os outros – nasci e morri dentro de um quase. quase era afortunado. quase sabia ler. quase escrevia a frase mais bonita de sempre. quase guardei as pessoas de que gosto para sempre. quase a vida foi justa. quase já não tenho medo. quase tudo aconteceu como imaginei. quase não me arrependo de nada – quase –

– "Em todos os homens a consciência tem só uma maneira de ser. Reprova sempre o mal, aponta sempre a culpa." [júlio dinis] –

aprendi a contar o tempo de uma forma estranha. não reconheço os dias. sei que aparecem pelo nascer do sol – todos os dias ouço a chegada das manhãs – trazem penduradas ao pescoço umas quantas estrelas famosas – todas mortas. digo que estão mortas. quer dizer. quase mortas. soletram com dificuldade o seu nome – fico com a ideia de que o sussurram para não serem enterradas em valas comuns –

– no fim da vida. as estrelas guardam dentro si matéria degenerada –

todas as estrelas querem pertencer a uma constelação e assim adquirir por direito próprio um nome na lápide: ursa maior. nasceu e morreu para dar quase dimensão à arte – cassiopeia. nasceu e morreu bem-fazente do quase surrealismo – ursa menor. nasceu e morreu para dar norte a todos os quase homens errantes – pegasus nasceu e morreu para dar asas à quase imaginação – hércules. nasceu e morreu para dar quase força aos imperfeitos – cruz. nasceu e morreu para fazer quase perto o longe –

– cinquenta –

ano a ano risco no calendário um traço de trezentos e sessenta e cinco dias – já só o faço uma vez por ano. tenho medo de ouvir dizer: quase chegava ao novo ano – não sei o que há do outro lado deste quase –




2 comentários:

  1. e uma lágrima quase sangrou na face... um grito de dentro quase calou-se, o que dizer? uma quase voz ousa a falar da intensidade, que suas letras causam... Perfeito, demais.

    Beijos

    ResponderEliminar
  2. obrigado márcia - quando escrevo deixo todos os quase para trás - todo o texto com ponto final viverá para lá de qualquer quase - beijo e bom fim-de-semana

    ResponderEliminar