.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

30/08/2014

agustina bessa-luís


agustina bessa-luís

 
"o país não precisa de quem diga o que está errado; precisa de quem saiba o que está certo"

27/08/2014

interrogações: entre a reflexão e o desespero


michael borremans
  

as interrogações não são celibatárias.

bígamas.

colhem no seu leito a reflexão e o desespero.


25/08/2014

quadras ao despiciendo


rafael pintos


porque me falais. senhor
com esse vocábulo hostil?  
olvidaste do sublime honor
nesse frugal cérebro erétil


por quem me tomais senhor
nesse enxergar de belo terror
cuidai desse olhar querubim
pois não fareis de mim pasquim 


estou farto meu rico senhor
dessa fidalguia de penhor
e nesse ouvido abusador
não tereis em mim trovador


creia meu estimado senhor
não sois amo da minha afeição
prefiro camelo em boca estupor
do que parceiro [cama]-leão


por isso vos digo caro senhor
enquanto enobrecer a amizade
não farás da noite cobertor
nem da omissão estéril verdade


desta me vou notável senhor
sem saudades e sem favor
o que era serviço merquei
o que era tempo desperdicei



12/08/2014

macho man poético


tamara de lempicka
 
   

abomino
homem prostituto
não o da rua
esse lá terá as suas razões
ou nenhumas
mas o outro
o poeta sedutor
rima beijos
com  gargarejos
dor
com amor
caçador com
impostor



11/08/2014

28 – aceito. até que o caminho se gaste



frans hals
 

o caminho nem parecia ser longo – caminhei tantas vezes sem saber que caminhar era só falar. e de cada vez que falava. mais caminho se abria – falava muito. no início sozinho. convencido que ninguém me queria ouvir – depois. descobri que é muito melhor falar para quem realmente escuta – dei então a mão e falei – falei. por cada dia de caminho. gastei o dobro em palavras. e de tanto falar. deixei de olhar para o caminho – descobri que falar era o segredo para tornar o caminho partilhado. o tempo foi passando sem que me desse conta do caminho feito – quando se começa a falar. é quase impossível voltar ao silêncio. as palavras guardadas na privacidade do corpo emergem aflitas. como se precisassem de respirar. de luz. de companhia. ou simplesmente de existir – falo. falo porque as mãos nunca me impediram de tapar a boca. os lábios enchem-se de um vermelho de alegria e esperança. enquanto os olhos alargam o sorriso ao corpo por inteiro – e assim. fico mais jovem. quase gaiato. adolescente. namoradeiro – falar é bom. falar é companheirismo. é cumplicidade. é amizade – falo. falo sem parar. falo com o corpo. com as mãos. com o toque. com os olhos. e no intervalo das pernas. o tempo a escapar com verdade. com lealdade. com saudade. com estima – no caminho que fizemos falei. sempre muito. sem parar. falei o que era só meu. nunca pensei abdicar do meu silêncio íntimo. mas sacrifiquei – nunca mais te perdi a mão – sou assim. quase nada sem ti. e quase tudo por te ter ao meu lado – acredito que estas palavras não serão as últimas que te escrevo. bem que poderiam ser. sempre quis partir a sorrir. mas ainda não chegou o tempo-adeus – sinto. sinto que ainda tenho ainda tantas coisas para te dizer. coisas que só tu és capaz de compreender. sei – falo-te. falo-te com estas palavras que escrevo. escrevo-as por ti. contigo. a vida faz sentido em ti – no timbre da voz o fervor lê-se em desejo: quero-te agora e para sempre – estamos a falar há tantos anos – são tantos os relógios a marcar tempo. tantas palavras-momentos. palavras-data. palavras-mel. algodão. algodão-doce a derreter no recanto dos teus lábios e eu sempre a falar-te mais. sempre mais. falar do destino que escolhi  – não merecias tão pouco do destino – para trás ficou tanta coisa nossa. tantas lutas. renúncias. coragem. apreensões. ilusões. e tu a dizer que tudo irá dar certo e eu sempre a prometer um mundo azul só para ti – nem sempre temos o mundo da cor que idealizamos – acredito que aquela nuvem além. um dia. silenciosamente. chegará ao pé do que somos hoje – somos agora tão diferentes – talvez comece então a chover e as palavras comecem a cair dos olhos. e nós sem saber o que fazer para as parar – os corpos embranquecem. já não entendem o desencanto das palavras. teimam em cair quando as árvores continuam a florir pássaros-em-primavera – não sei. companheira. não sei nada de pássaros. acredita que não sei. juro-te que não tenho culpa de não saber – gostava de saber tudo de pássaros e primaveras. gostava muito. por mim e por ti. principalmente por ti. mas não fui competente para saber – talvez temam esta minha forma de falar ou tenham visto algo que eu nunca vi – os pássaros não têm estradas. seguem apenas o que os sonhos lhes ditam – mas. companheira. eu também estou onde quero estar: quero estar ao pé de ti. – tu és a árvore onde descanso. onde conto alvoradas. talvez até gaivotas. tu sabes que amo gaivotas. gaivota é liberdade. mar. paz. esperança. verdade. vento. é o teu nome. e tu és tudo o que preciso para continuar a teimar a vida – vivo para te falar. vivo para nunca te largar as mãos – falo-te. falo-te sem parar. não sei dizer amo-te numa única palavra – gosto dos teus abraços. dos teus beijos. dos teus gestos. do teu cheiro. dos teus olhos quando encontram os meus. gosto do teu cabelo quando o enrodilho nos dedos. gosto de me deitar no teu colo e ouvir o mar a chamar o vento norte enquanto as gaivotas gritam o teu nome a sul – é por lá que o sol se esconde de todas as injustiças do amor – já não falta muito para que a noite se abeire com tudo que é arrependimento. pesarosa. negra. sombria. escura. só não a quero muito negra. não suportaria deixar de te ver. preciso – enquanto viveres nos meus olhos sou imortal – o tempo passa e não me canso de te falar. como se fosse a primeira vez – nunca esquecerei a nossa primeira vez. nunca. jamais. para sempre – tudo agora faz sentido – para trás não olho. não quero. ainda ouço as palavras que nos trouxeram até aqui: aceito. sim aceito. até que o caminho se gaste – parece que ainda foi ontem. e já lá vão vinte e oito anos – guardo-te no coração 



10/08/2014

antónio lobo antunes – livro de crónicas o campeão




antónio lobo antunes
 

o campeão


"...o merceeiro ao somar-lhe as compras em voz alta com um resto de lápis anunciava respeitosamente
    - Quatro e cinco nove e três doze e vai um, mas com é para Vossa Excelência vão dois, dois e sete nove e nove dezoito e sete vinte e cinco e vão dois, mas como é para  Vossa Excelência vão três
      e a avó Gui pagava com orgulhosa pompa o peso da sua importância. ... "



07/08/2014

parce sepultis


caravaggio


também se faz luto em vida – mergulhado em chuva e papéis. projeto o futuro – avalio-me – é essencial escrever o que não consigo explicar.  a margem de erro é um desvio na compreensão – quem lê procura conhecimento ou prazer – não sou uma coisa nem outra. sou amargura. desgosto. maçada. tristeza. erro. apenas erro. onde a prova dos nove dá sempre um resto qualquer coisa – transcrevo para o papel uma visão antes de a ver. premonição – só assim poderei dar-me ao respeito. antecipando-me – somo-me então a um resultado incerto. numa balança aferida a olhos visionários [e magoados também] – ninguém pode garantir o incerto. sempre ouvi dizer que o futuro a deus pertence – se eu tivesse um deus. a alma não temeria nem gemeria – o contrapeso é a alma perdoada de todo o erro venial – onde há balança. há peso – todos carregamos um fardo indesejado. mortal – o descanso eterno acontece após a missa de sétimo dia – o peso é agora uma memória presa entre duas datas: aqui descansa [finalmente] sicrano. pecador. nasceu a tantos do tanto de mil novecentos e tantos. e morreu a tantos do tanto de dois mil e tantos – que a sua alma descanse em paz


* parce sepultis – enterrado. perdoado


05/08/2014

vinicius de moraes - soneto de aniversário



vinícius de moraes



soneto de aniversário
 
 

Passem-se dias, horas, meses, anos
Amadureçam as ilusões da vida
Prossiga ela sempre dividida
Entre compensações e desenganos.

Faça-se a carne mais envilecida
Diminuam os bens, cresçam os danos
Vença o ideal de andar caminhos planos
Melhor que levar tudo de vencida.

Queira-se antes ventura que aventura
À medida que a têmpora embranquece
E fica tenra a fibra que era dura.

E eu te direi: amiga minha, esquece...
Que grande é este amor meu de criatura
Que vê envelhecer e não envelhece.



01/08/2014

retalhos – número de série 01082014s(r)ego21


rafael mussel



noites de verão são também: a imersão do sossego embalado nesse movimento quase não-movimento da praia-mar