.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

26/04/2017

revolução da magnólia



foto - google


guardei a vontade de escrever junto ao cravo e procurei em mim por outra revolução que tornasse diferente – como não tenho regaço. nem sou santo. nem me dou com santos. das mãos não me brotou nada que me fizesse sair para a rua com uma magnólia ao peito – uma revolução de magnólia faz nascer homens para um futuro brilhante – visto o pijama – na cadeira. as calças vincadas. a camisa branca engomada. o casaco preto. as meias pretas e as cuecas dobradas em quatro - em frente. um crucifixo recorda-me que não há revoluções sem fé – rezo – peço perdão - espirro por um resfriado que ainda nem apanhei – sento-me de costas para os símbolos da imortalidade e peço uma nova vida noutra existência – desta estou esgotado – não quero levar nada daqui além do meu computador. apenas as memórias más para não voltar a cair nos mesmos erros – tudo o resto pode ser diferente... tudo. menos isso. quero a mesma companheira


24/04/2017

noite de lua cheia



 foto - google


a luz apaga-se

na metamorfose
uivam os lobisomens
nas rimas. a baba
nas garras. o poema

parido e sem pele: o poeta


19/04/2017

pela noite dentro


pintura - r. g. nascimento


o que vos posso dizer de mim nesta madrugada – a folha. exausta de estar em branco – arranco com as teclas – interrogo-me se haverá algum momento certo para desistir de um sonho – passei a noite inteira a batalhar nesta equação e não lhe encontro solução – então comecei a escrever e. a cada palavra escrita. um livro emergia da memória – “morgadinha dos canaviais”. “uma família inglesa”. “as pupilas do senhor reitor”. foram os primeiros clássicos a emergirem na memória – tinha doze anos – apaixonei-me por júlio dinis e devorei todos os seus livros – eram histórias fantásticas. incrivelmente bem escritas – cresci amarrado a estas histórias – ensinaram-me tanta. nos seus livros. mais do que a nobreza das palavras. havia a nobreza das ações – não havia leitura que não me trouxesse lágrimas aos olhos. e os lenços encharcados de um sentimento que já não me habita: a esperança – o triunfo do bem sobre o mal. do certo sobre o errado. do dia sobre as sombras da noite. da lealdade sobre a falsidade. da nobreza da família sobre a vergonha. da honra dos homens sobre a procura das trevas – meu deus. como foi possível ser tão feliz dentro de um livro – era uma criança adulta. nunca tive tempo para descansar. os sonhos ocupavam todo o meu corpo – olhava o futuro com a certeza de que não iria deixar um único sonho para trás – o tempo passou e cá estou eu. perdido em mais uma noite. empacotando sonhos que deixei apodrecer – escrevo. escrevo nestas noites que pertencem mais aos meus leitores do que a mim. já não tenho nada além de memórias – muito do que sou devo a júlio dinis. mas enganou-me numa coisa: nem sempre o certo triunfa sobre o errado – que se lixe. continuo a gostar dele na mesma



17/04/2017

dezassete de abril. primeiro minuto de uma segunda feira de páscoa





meia-noite. primeiro minuto de uma segunda-feira de páscoa. primeiro dia da ressurreição de cristo – dezassete de abril. meu aniversário –– o domingo abriu com foguetes. à meia-noite. os clarões no céu iluminaram a entrada para o reino de deus – na terra o povo trata do cabrito para festejar condignamente o encontro de cristo com seu pai – atascado em especiarias e sem qualquer hipótese de ressurreição. o carneiro entrega-se ao sacrifício. afinal. há festa rija entre os humanos – agora só falta a visita do senhor para que as casas se purifiquem de pecado por mais um ano – em cima da banca da cozinha o jornal abre-se à leitura. silvio berlusconi não está com papas na língua: por favor não matem os carneirinhos. pede o cavalheiro acariciando um exemplar nos seus braços – por baixo. uma outra notícia contra-ataca: produtores de carneirada insurgem-se contra o ex-primeiro ministro italiano: -- ganha juízo. rapaz. quando andavas com miúdas menores. não tinhas olhos para carneiros – mas o berlusconi não quer saber e ataca: os carneiros têm sentimentos – não sei se também se referia a mim. eu também sou carneiro. também tenho sentimentos. nasci em abril. a 17 de abril. o ano não interessa. mas acredito que esse ano não deu boa casta. saiu carneirada meia louca. aquela que não desiste de acreditar em histórias de merda: contínuo à espera de um sinal de que cristo realmente chegou ao céu – sou aquele tipo de carneirada com poucos miolos e excesso de fé – embrulhado numa saca de plástico reciclável. a rosca do pão de ló feita com ovos caseiros. não endurece. o pão de ló é como a vida. se não for fofinho não presta – eu estou duro. por isso sei que um pão de ló duro não presta – estou tão duro que já não me consigo ajoelhar para nada – mas este ano é diferente. cristo ressuscitou mesmo. nem falo pelo que me resta de fé. falo pela quantidade de foguetes que estalaram no céu – fico contente quando há festa no céu. o meu pai está por lá. onde há festa ele está presente – deve andar às voltas de deus a dizer-lhe umas verdades – ele gostava muito de mim. era um bom pai. não acredito que consiga calar-se diante de certas injustiças – um dia vamo-nos sentar sem pressa a falar de como a vida pode ser bonita quando se tem um coração bom – eu tento ter. mas a vida. ás vezes. complica-me as artérias e fico com a ideia de que vão rebentar. sistema nervoso – este ano vai ser mesmo diferente. cristo ergueu-se do marasmo da morte e caminhou para o céu – o que me faz impressão é caminhar descalço. a minha mãe sempre me disse para não andar assim. senão adoecia – mas esta malta importante não lhe acontece nada – quem tem amigos não morre na cadeia – não deve ter sido fácil levantar-se depois de ter sido dado morto para o mundo – falo por mim. às vezes estou morto e não sei como me levantar. depois lá me chega um amigo e diz: vamos tomar um café – quando é para tomar café. ninguém me segura. falo e falo sem parar. falo com as mãos e com o corpo – sempre gostei dos meus amigos. creio que é por ser carneiro de signo – às vezes gostava de ter outro signo qualquer. um que me deixasse ser exatamente quem sou – o carneiro não mente porque teme a mentira – ser carneiro é ser sempre mais. é estar onde nunca queremos estar. é viver o futuro duas vezes. é ser escravo da palavra até morrer. é ser fiel a quem amamos. é chorar sem que ninguém consiga entender uma única lágrima – a dor dos carneiros é feita por nós e para nós – mas que se lixe a carneirada – uma multidão de fãs aguarda em ansiedade que se cumpra realmente a profecia – eu também – estou fora de mim há mais de cinquenta páscoas. à espera que cristo chegue ao reino de deus – olho para o céu. oriento-me pelas estrelas. da maior para a menor e tento descortinar uma ligação científica: juntando a estrela A com a C e acrescentado a que está ao lado da cassiopeia. a 358zkx. retira-se a lua que é muito romântica. acrescento-lhe vénus. uma pitada de amor dá sempre jeito. e para terminar boto-lhe marte em guerra e o resultado é…zero – todos os anos é zero o resultado da páscoa com cristo redentor – dezassete de abril. segunda-feira de páscoa e a multidão regressa à normalidade – arruma-se os temperos. as cadeiras voltam a recuperar o centro da mesa e o silêncio volta à tristeza habitual – sento-me em frente aos restos do pão de ló e percebo que o açúcar um dia vai dar cabo de mim – tenho medo da balança. tenho medo da idade. tenho medo de me perder daquilo que ainda me mantêm inteiro – meia noite. um beijo da minha companheira de sempre. de seguida um abraço e umas quantas lágrimas a pedir perdão. encostamo-nos um ao outro e ali ficamos presos a um olhar que nos faz amar e compreender. envergonhados. afinal sabemos tudo um do outro. é ali que eu ressuscito diariamente para a vida – depois um filho mostra-me que valeu a pena ter nascido: -- parabéns meu pai. e mais outro ao telefone. e eu a sofrer uma dor de gratidão que magoa mais que uma má notícia. um amigo do porto a chegar primeiro que muitos outros. uma amiga que não se cansa de continuar a fazer-me bem. sempre a escrever sobre o que não sou. e mais outro e por fim aqui fiquei neste silêncio das teclas a contar os anos da forma que me lembro – há tantos anos que nem sei que existiram. que maldade. e os amigos. tantos já sem nome. crueldade da memória. e os que partiram e que nunca ressuscitaram. e outros que por não terem ainda morrido gostava de os ver ressuscitados em mim – não podemos envelhecer encostados a nenhuma faca – cristo não ressuscitou. mas eu vou continuar a ressuscitar todos os dias – ninguém merece aniversariar quando não está bem


- obrigado a todos aqueles que se cruzam com amizade neste dia sempre especial e complicado 


13/04/2017

se um dia todas as noites


nick keller


se um dia todas as noites se tornassem dia. talvez eu me cansasse de escrever como escrevo. com esta letra escura. negra. feita de desassossego. pendurada numa luz que se escoa entre palavras moribundas – aqui estou eu numa noite que não é dia. num dia que nunca deixará de ser noite. e tudo a balançar entre o divino e o pecado – já não sei rezar à noite. talvez tenha perdido a oração ou talvez a vida. todos os momentos são agora um precipício – esta noite sou o que sempre fui. sou saudade que carrego de uma rua que me chama de volta – um dia voltarei ao mundo revestido de dias sem noites. com luz que nunca se apaga. com uma lua que nunca dorme. com uma cama que nunca sufoca – um dia serei louco. farei de cada letra um farol para náufragos do papel à deriva em noites de negrume – um dia serei eu própria luz. e as noites nunca mais serão longe. o amor será próximo. e o corpo um pequeno universo – noite escura. negra de carvão. negra de almas pecadoras. negra como se não fosse uma cor de deus. e eu um infiel condenado – este negro da noite sufoca-me de solidão. sei que um dia perderei o que ainda me resta desta pequena luz – se um dia todas as noites se tornassem dia. eu não aguentaria


deixo-te um beijo


pintura - emilia castellan


olho para ti. amor

e sinto o nunca:

nunca poderia viver sem ti

 

talvez era uma vez:

era uma vez uma princesa

de cabelos dourados

 

e na menina dos teus olhos

leio um desejo:

a loucura de me amar

 

se fosse poeta

talvez te escrevesse:

uma canção

 

mas não sou

sou apenas o teu amor:

ainda louco por te tocar

 

crescemos tanto os dois

eu envelheci

mas tu…

tu…ficaste mais bonita

eu. talvez mais homem

tu…mais brilhante

eu. mais cego com o teu brilho

crescemos tanto. amor

e tu continuas tão bonita

 

sempre me sobraram os abraços

um dia vou conseguir

trazer-te toda para dentro de mim

e dizer-te baixinho

que te amo mais hoje do que ontem

 

deixo-te um beijo




08/04/2017

coisa de sombras


pintura - antónio parreiras


e aqui me permitiu deus existir. nestas sombras que nunca sei se me pertencem - e por aqui ele passou antes de mim. para me servir este pedaço de terra que é apenas uma coisa - sou uma coisa numa realidade inventada por ele - sou coisa morta num chão de outono - sou uma coisa. demente porque já me defino pelo nome: sou coisa. uma coisa feita de sombras num amor tão profundo que. no fundo desta coisa. não se vê uma única estrela - fizeram-me assim - este deus que me largou aqui partiu sem uma palavra - e eu. perdido nesta linguagem indecifrável. escrevo esta loucura de ser coisa - as coisas não sonham