.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

31/12/2020

vai-te demo. viva a vacina - 2021



imagem - google



todos os anos gosto de fazer o balanço do ano que está prestes a terminar: gosto de falar de mim. do que sofri. do que sorri. daqueles que comigo partilham o nome de família. dos amigos. que com a idade passaram a ser menos. mas com mais conteúdo. e outras miudezas que reconheço de interesse duvidoso – entretanto. e com a intromissão da covid19. entendi que falar de mim seria uma vergonha. seria uma ignomínia. um ultraje. depois da tragédia que tem assolado o mundo: mortes. desemprego. falências. fome. e muita incerteza quanto ao futuro próximo – mas a história já nos mostrou que o homem. na sua infinita sabedoria. vai dar a volta por cima e. brevemente. esta doença será apenas uma má recordação – por toda esta imensidão de desgraça é que me nego a fechar o ano. 2020 foi tão mau que vou fazer de conta. que por magia divina. à zero hora do dia 31 de dezembro. voltaremos todos a iniciar novamente o 2020. e assim. como o ser humano aprende mais depressa com os seus erros. emendar tudo o que correu menos bem – é absolutamente urgente perder o medo e recuperar a nossa liberdade – estamos então no final de 2019 e acabou de ser noticiado na TV que o vírus covid19 foi detido e aprisionado ao tentar fugir da china – apressadamente. as autoridades chinesas. já vieram garantir que tudo não passou de um boato americano e que. nunca houve nenhum vírus à solta no seu território. principalmente em wuhan – no entanto. a nossa ministra de saúde. marta temido. já veio afiançar e acalmar todos os portugueses. dizendo que se. e apenas se. o vírus entrasse no nosso país. o que é quase impossível tendo em conta a excelência do controlo de fronteiras. o nosso serviço nacional de saúde estaria. como sempre esteve. preparado para continuar a dar a resposta que sempre nos habituou a dar ao longo dos seus quase cinquenta anos de serviço público – desaconselhou também qualquer tipo de histeria por parte da população na corrida aos bens essenciais: principalmente papel higiénico. latas de atum. bebidas alcoólicas. máscaras cirúrgicas e álcool gel – por último. fez questão de reafirmar que não é necessária uma nova lei de bases da saúde para proteger o interesse público do SNS. a que temos é mais do que suficiente – quanto à reivindicação por parte dos técnicos de saúde para atualização da sua tabela salarial. confirmou. que os vencimentos em vigor são aqueles que o país pode pagar. e não é com vencimentos mais elevados que teremos um melhor SNS. dando o exemplo dos deputados da república – também a ministra ana mendes godinho fez questão de garantir que os lares das misericórdias e as IPSS vão finalmente ser dotados de mais auxiliares de saúde. mais técnicos. enfermeiros e médicos. dando garantias de que os nossos idosos serão finalmente uma prioridade do governo da república nacional. garantindo que o passado não se repetirá. eles são a memória viva do nosso passado – por isto tudo. quero acreditar que os nossos idosos podem finalmente sossegar e viver os seus últimos dias em tranquilidade – neste recomeço do ano vamos todos ver os aviões no ar a pedido dos azeitonas [grupo musical]– a TAP vai continuar a contratar pessoal. tanto para terra como para o ar. e os seus administradores vão renunciar aos aumentos. bem sei que merecidos. afinal. esforçaram-se imenso. manter a empresa com balanços negativos há mais de uma década é obra – os pobres vão finalmente ter razões para sorrir. o salário mínimo terá um aumento de trinta euros. o que vai permitir que as famílias possam finalmente comprar o seu automóvel. ter uma casa na praia. fazer férias de verão e inverno. almoçar e jantar fora. e assim permitir a abertura de mais bares e restaurantes. mais hotéis. mais habitação para turismo e mais emprego – finalmente os filhos dos trabalhadores com menos rendimentos poderão escolher o seu estabelecimento de ensino. com as propinas pagas pelo orçamento de estado. e o comprometimento do ministro da tutela de que. brevemente. todo o aluno deslocado terá obrigatoriamente alojamento gratuito garantido pela universidade – é isto que eu gosto quando se repete um ano. podemos emendar tudo o que correu menos bem. é assim tal e qual como quando repetimos um ano escolar para melhorar a média – neste ano reformador todas as empresas como a EDP. GALP. telefones. banca. cadeias de distribuição. seguros. e outras que por não pagarem impostos desconhecemos. vão distribuir uma parte dos lucros pelos seus trabalhadores – vamos ter mais teatro. mais música. mais arte. mais livros e mais sol – esta boa gente. é tantas vezes menosprezada e ignorada por nos tratar da alma e nos fazer sonhar. não é justo – vamos ter professores mais motivados. a lecionar com turmas mais pequenas e com a garantia de que se forem deslocados. o ministério da educação garante que o subsídio de deslocação não se ficará pelo pagamento das portagens – espero que a justiça não volte a dar aos portugueses razões para duvidar dos seus representantes – quando a justiça falha uma nação fica à deriva. e não é fácil repor a credibilidade de um órgão de soberania com a importância dos tribunais – em que podemos acreditar? assim que quero viver o novo ano. com a esperança ingénua de um miúdo adolescente. e de que vai tudo correr bem – é isto que quero para todos os meus familiares e amigos. quero que sejam felizes. que se cansem de tanta felicidade. e que um dia precisem mesmo de tomar uma vacina para eliminar a possibilidade de uma sobredose de felicidade – só há uma coisa que não vou poder mudar. o desaparecimento do meu sogro. é coisa do senhor e esse é intransigente na sua ordem de chamada. nos tempos difíceis quer os melhores ao seu lado – e eu. como tento pecar o menos possível. o que nem sempre é fácil com tanta tentação. também vou ter mais uma festa de arromba. entra de forma oficiosa uma nova nora na família. e desejo muito que aprendam rapidamente a serem felizes na sua mais importante caminhada. agora a dois – bom ano. muita paz. muita liberdade. e estou certo que saúde não nos faltará enquanto os nossos heróis se mantiverem firmes nos seus postos de combate – estes guerreiros dos hospitais merecem para sempre o meu eterno agradecimento – feliz ano novo



29/12/2020

epitáfio – despedida ao meu sogro

 

foto - arquivo familiar 



descansa em pazlentamente o dia encolhe-se. mirra. enquanto o corpo. passo a passo. escapa silenciosamente por mãos indiferentes ao que carregam – os passos marcam o que resta de luz. enquanto as cordas estrugem aceitação e recolhem em si toda a esperança de um milagre – por fim um silêncio absoluto numa calmaria de angústia – o mundo engoliu todo o barulho – as lágrimas encolhem-se atrás da dor numa resignação que nunca nos foi ensinada. e os ais refugiam-se dentro de um luto profundamente negro. num até sempre que não morre – só o aroma das flores anuncia a ressurreição: o céu é o seu destino – o fecho da sepultura proclama em definitivo o fim da carne e o começo da saudade – gostava deste bom homem: bom pai. bom marido e meu sogroninguém merece ser privado da memória do que é seu. mas foi assim que partiu. sem reconhecer aqueles que nunca o irão esquecer – que raiva tenho deste mal. acredito que é coisa do demónio ou de outro planeta – também o meu pai partiu sozinho. esquecido de todos. até de mim que fiquei sem saber o que fazer ao que tinha ainda por lhe dizer – tenho raiva. e nem o tempo. nem essa curva que os fez desaparecer. me alivia esta raiva que sinto ao ver o mundo deserto. é como se o tempo inventasse um novo fim a cada instante do relógio – aqui estou. entretido nos rosários da vida. a fugir de um dezembro maldito: agora sei que existes para me mostrares que o escape da carne se faz até quando o milagre do natal se reboliça dentro de mim – porque não me ensinaram que amamos sempre mais hoje do que ontem – o tempo-saudade magoa. envelhece-nos com a tristeza – o meu sogro era um homem de família. bom e honrado – que mais se pode querer de um homem? nada. por mais coisas que queiram inventar para a grandeza humana. à sua despedida terrena só a honra o leva à glória. à eternidade na memória dos que por aqui ficam a lamentar não haver céu na terra – vou ter saudades dele. da sua forma tranquila de caminhar. da voz doce. amena. como se quisesse passar despercebido dos humanos barulhentos – vou ter saudades de dizer: bom dia sr. joão. trago-lhe a sua maria joão e os seus netos – paz à sua alma 


26/12/2020

tenho saudade



                                                               pintura - daniel gerhartz



tenho saudade – tenho saudade do tempo em que os problemas dos nossos filhos se resolviam com benuron. com agasalho. com abracinhos – tenho saudade de perguntar à mãe se lhes mediu a febre. se tinha a testa quente. ou a garganta inflamada – tenho saudade de me sentir invencível. o homem mais poderoso do universo. de dizer: isso são dois dias e logo verás que estás bom – tenho saudade da candura que fazia de mim o melhor pai do mundo – tenho saudade dos seus olhos. das mãos pequeninas e do chão coberto de brinquedos – tenho saudade da casa castelo. protegida de todos os males do mundo. porque éramos nós o mundo – tenho saudade do seu sorriso. do seu aroma de aleluia. dos abraços e beijos com sabor a primavera – tenho saudade da verdade absoluta por não haver mais nada do que ela num lar que existia por e para eles – tenho saudade de passar pelo quarto e ouvir o seu respirar. aconchegá-los no calo da lã. ter a certeza de que estavam a crescer com um amor que nunca imaginei que pudesse existir – tenho saudade de sair com eles pela mão e saber que nada nem ninguém os poderia magoar – tenho saudade de me entrarem pela alma com boas notas de mérito. e tenho saudade de lhes dizer: vai tudo correr bem. porque quem faz as coisas por bem. nenhum mal lhe chegará – tenho saudade de os ouvir barafustar. de os ouvir gritar. zangar. protestar. porque bastaria eu dizer acabou. e tudo parava – tenho saudade de todos sermos novos e ninguém envelhecer mais do que um dia de cada vez – tenho saudade que me façam queixa do amigo que lhes riscou o caderno. da professora bruxa. de estudar com eles noite e dia. de lacrimar com o seu sucesso. e desesperar com a minha falta de jeito. para os ajudar a tornarem-se os melhores que o mundo alguma vez viu – tenho saudade do vidro que partiram. de gritarmos golo do benfica e da playstation jogada às escondidas – tenho saudade do dragon ball z. dos joelhos arranhados e os sapatos esfolados – tenho saudade de me sentir em todo o lado. de me zangar com um bom se o excelente era o que esperava – tenho saudade de partir de férias com o carro cheio daquilo que era realmente meu. de ver olhos a brilhar e dar fúrias em ondas menores do que todos os sonhos que sonhei para eles – tenho saudade de saber tudo sobre as suas vidas para acalmar a minha – tenho saudade de saber que o medo me respeitava por saber que eu era pai – tenho saudades de os ouvir dizer: está tudo bem