é noite.
tão profunda como o buraco negro que vive em mim – sofro. importuno a alma.
treslado-a para um escuro que é só meu. cerrado. denso. de meter medo. e as
escadas em caracol alumiadas por séculos de gente com o meu nome – sombras que
nunca conheci. sobra-me um avô. e os meus pais – estes. resistem na memória – o
que me leva ao abismo do medo. onde me interrogo: porque não sou um pouco mais
digno desta herança? no escuro não se vive. sobrevive-se. alimentámo-nos de
tortura. de um fel que se torna insuportável. e ali fico a perguntar-me: o que
me falta nas mãos para ser merecedor na consciência? mas a escuridão impiedosa
esmaga-me. arranca-me a carne dos ossos. e os gritos silenciosos ecoam como
lâminas. retalhando-me o pouco que sobra de fé. humilhando-me. obrigando-me a
suplicar por finamento. por alívio. por consolo. por compreensão. por aceitação
para a sua última vontade – com o nascer do dia guardo a dor. sei que preciso
dela para a próxima noite. sem ela não existiria. seria vazio. imbecil. um
tolo. perdido na ausência de sentido – seria algo pior? tenho a certeza que sim
– o que sei é que um homem com dor ainda não faleceu – por isso. como leminski
escreveu. repito: não me toquem nessa dor. ela é tudo o que me sobra. sofrer
vai ser a minha última morada – sei que sou feito de dor. mas também de
resiliência. as duas juntas. fazem a história da minha vida – esta. é a herança
que irei deixar para me perpetuar no tempo dos meus filhos – desistir… nunca