.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

30/04/2025

nome absoluto





sou. absoluto

numa circunferência concêntrica

sem saber o que tange o raio

sem saber...

o que vale a sorte

no destino do ventre:

nove meses para parir

um atalho para a morte

talvez apenas peso

uma arroba. ou coisa que o valha

aos ombros

o nome estendido até ao fim dos olhos

a balançar. a perguntar:

o que fica mais perto

o céu ou a vergonha?

 

entre o deserto e o nada

o que sobra em peso?

uma grama

ou uma alcateia de lobos?

 

faço contas

é da balança ou de mim

esta fome de sangrar?

 

e eu

a olhar-me

nas entranhas do absoluto

com as pernas entre

as duas margens de um rio

que nunca me levou ao infinito

 

a dor em fuga

a correr

as palavras. mortas

a escamar

e o ultimogénito sem pele

sem defesa

e o pensamento a cortar. lâmina

 

o fígado. num frasco

mergulhado em formol

a medrar de medo

os olhos por fora

sem saberem o que veem

sem saber a verdade:

sou formol

ou o meu destino estava no fígado?

 

e a escada. degraus contados

semelhanças ocultas

nós sentados no alguidar

absoluto

com os pés na terra

sem perceber

nada:

nem como tudo se fez

nem como me fiz

 

se em mim o vazio

ainda não é esquecimento

é raiva

espelhos estilhaçados

de cada rosto que não conheço

 

que será de mim

e de vós. por obrigação

se tudo for esquecido?

que culpa me condena?

que absoluto me sobra

sem o teu nome?

que absoluto teu ocupa o meu corpo?

 

se sou

cada traço do teu mundo

cavado em ti. e em mim

 

e agora:

quem é dono do cosmos

se tudo

o que era nosso

estava no alguidar?

e os pés. a caminhar

num absoluto luto

a dor da perda

a marcar o pino do sol

e a luz absoluta

a pedir uma virgem maria

um milagre...

também absoluto

 

para uma família absoluta

numa escolha ferida

manter a vida

é morder o ventre da morte

só morre

aquele que conta os dias

e esquece os nomes do alguidar

 

se me tocassem por dentro

ver-nos-iam gravados

nos ossos

saberiam: nasci em ti

por ti

mas morrerei por minha vontade

num cansaço absoluto

irremediavelmente ferido

nesta luta de ter um nome

onde o teu já não tem lugar

 

para que serve o meu

se vives em mim sem nome?

 

por que quer o padre

a minha assinatura

se o nada é só meu?

nenhum papel arde em branco

na cruz em que existo

 

respiro voz absoluta

carrego rugas absolutas:

iguais às tuas

às nossas

que um dia

talvez depois do dia seguinte

serão descobertas

 

não nasci pitbull

talvez poeta. sonhador

não apontei caminhos

os atalhos estavam numerados

por ti. para mim

 

procuro-te

nas sombras que restam de ti

nem que morra da procura absoluta

 

e se tiver que renunciar

ao que sou

que seja no vale dos judeus

morto

como um pulha

 

e se a honra se prostituir

que zé pelintra me proteja

pois eu te encontrarei

 

o teu nome será sempre meu:

com pecado ou sem ele

 

sou escorbuto das noites ímpias

escrevendo-te páginas absolutas

desesperadamente absolutas

 

ressuscito-te nas palavras

e nos livros que um dia escreverei

 

minguarei o meu amor

em cada minúscula

para que cresças

 

e se fores sombra de eufémia

não ligues

ela pariu um poema do pessoa

nunca esteve grávida

 

eu. pelo contrário

estou grávido de nós

do nosso nome

 

falo divino

barro do verbo

moldado a punho

 

escrevo-te

procuro o quanto te quero:

assim

como sempre foste

bom

absolutamente bom

 

que mais pode um nome ter?

tu és o meu socorro

é em ti que me aceito

e quando te represento

sou o sol

 

e sempre que há sol

há um retrato teu na parede

e séculos a arder

porque um dia louvaste

a vida

e se a vida não bastar

que nome nos salva do silêncio?

 


dedicado à família:

para quem me deu o nome

tu [pais]  

que me fizeste ser

mesmo na ausência

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                              

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