um invejoso nasce amargurado.
cresce frustrado. e envelhece depressivo. para mais fácil compreensão. como li
há uns dias numa publicação do facebook. diria que é um transocial: nasceu com
alma de rico num corpo de pobre – haverá mal pior do que estar encarcerado num
corpo sem um cartão visa? para o invejoso esse castigo é a mãe de todos os
castigos – resta-lhe a mentira. a desculpa repetida. o azar constante. o
casamento trágico. e mais uns quantos dissabores. com amigos. vizinhos e
colegas de trabalho – o mundo é uma treta. sobeja apenas energia para não fazer
nada. para encontrar um duende que não resolva a vontade de prosperar. mas a fuga
para o futuro num sofá – felizes daqueles que nascem pobres num corpo
igualmente pobre. como a maior parte dos humanos – este pobre. frequentemente
ignorado e incompreendido. tem apenas um cartão de débito. e o hábito de ver o
saldo todos os dias. não vá um vírus roubar-lhe a dignidade para o mês – com a
barba por fazer. pelos crescidos e ensarilhados. tal como os dias. pele
desbotada. pálpebras caídas. cabelo esgadelhado e a pedir chuva. resiste com a
sua cruz – sorriso apagado em meia dúzia de dentes soltos ao único céu que
conhece. falta de colgate? pouco importa. já não encontra necessidade de
sorrir. a vida é apenas temor – calças esfarrapadas. mas na moda. sapatos
cambados a fazer pandã com uma camisola tingida num amarelo desmaiado. como a
sua pele. e um número estampado à frente: 176-671. parecida com aquelas que
usavam os irmãos metralha nos antigos almanaques da disney – afirmaria com toda
a amplitude da palavra: um homem amarrotado. por dentro e por fora – desanimado
com a existência miserável que o cartão de plástico lhe oferece. quase sempre
sem saldo mesmo trabalhando sol a sol. por onde passa o alarme ecoa sempre.
como uma sirene a anunciar perigo. e quem se cruza com o pobre amarrotado.
rapidamente deita a mão aos haveres. não vá o desgraçado sofrer do mal da
mãozinha leve – bem podia ser um foragido da cadeia de vale de judeus. e nada
ficaria a dever a uma noite de halloween. tudo nele é terror e medo – mas não.
é apenas um dos muitos homens que trabalham duro. para poderem dar apenas mais
um pouco aos filhos do que os seus pais foram capazes de lhe dar – mais um
escravo da industrialização. da economia global. e agora da IA – o seu maior
defeito é não ser invejoso. se fosse. possivelmente. já teria um visa dourado
na mão – nada como ser invejoso. esta espécie sobrevive à custa do
desenrasque. da aldrabice. e da
chico-espertice – um invejoso vive em permanente desassossego. numa raiva
constante. e ao fim do dia descansa no inferno ao lado de satanás – se o amigo
ou vizinho faz aviõezinhos de papel. é porque quer ser astronauta; se joga o
euromilhões. é porque quer comprar o iate do abramovich e estacioná-lo na
rotunda mais próxima; se assopra preservativos. é porque quer ser balonista; se
abre os braços. é porque quer ser gaivota – um invejoso é uma alma extraviada.
doente. vê nos outros o que realmente medra dentro de si – na vida de um
invejoso só há ambição desmedida. doentia e perigosa – a cobiça medíocre de um
invejoso nasce da sua vaidade – temam os invejosos. mas não se deixem
desumanizar. é preciso viver. acreditar na solução da raça humana. e nos
entretantos. proteger os bons do mau-olhado. um dente de alho pendurado ao
pescoço e rezas ao zé pelintra – porque enquanto houver quem resista. haverá
sempre um futuro possível
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