tinha eu
os meus 18 anos. mais coisa. menos coisa. quando conheci o meu amigo josé luís
medeiros – na altura. começava a aproximar-se da irmã de um amigo… mas isso já
é noutra história – esse amigo acabou por tornar-se meu cunhado. mas foi ele
quem me abriu as portas daquela família – com o zé luís veio também a sua
gente: irmãs. irmãos. e os pais – eram uma família de gente boa. respeitada. o pai.
um verdadeiro cavalheiro. e a mãe. de uma simpatia desarmante – sempre me
receberam muitíssimo bem. com calor humano. respeitando sempre a minha
juventude. e a falta de saber – árvore boa não dá fruto mau. é isso mesmo. só
que na altura eu acreditava que todas as árvores davam gente honrada e digna. o
tempo trouxe as desilusões – o que vos quero contar ficou comigo para sempre. está
na minha gaveta de ensinamentos. foi algo que me ajudou a ser o que sou hoje –
o sr. medeiros. de vez em enquanto. convidava os filhos para tomar um café. eu
como amigo também os acompanhava. e lá íamos no seu carro de seis lugares. um
ford taunus 15M de cor vermelha. todos como se fôssemos para uma festa – nós
éramos a festa. a juventude tem destas coisas. sem preocupações e sem medo do
dia de amanhã – o problema. é que o sr. medeiros. nos últimos anos. talvez com
a reforma. abusava um pouco da bebida. um homem quando perde o relógio
biológico fica à deriva no tempo. às vezes é o trabalho que nos completa –
fomos então todos para o bom jesus. ao comando do volante o sr. medeiros. seguia
um pouco aos esses. por vezes demasiado mesmo. naquele tempo o julgamento
popular era suave. o álcool era aceite. era uma droga boa. a polícia era pouca.
e que eu me lembre. não havia bafômetro. o que pediam era a carta de condução e
o livrete – quando estávamos a chegar ao santuário do bom jesus. já de noite.
não distinguiu bem a estrada e entrou por um atalho em terra que quase nos fazia
cair numa estrada mais abaixo – o filho em pânico gritou trava. cuidado. para.
e o sr. medeiros. meteu os pés a tempo do desastre – e é aqui que começa verdadeiramente
a história. quando se esperava um ralhete do seu filho. ou até que se sentisse
envergonhado pelos seus amigos. não. tratou o pai com uma meiguice. com um
carinho. não o reprendeu. nem lhe disse nada que o magoasse. pelo contrário.
acalmou-o. à saída do carro ficou ao seu pé. e fomos então tomar o nosso café –
os filhos não foram capazes de lhe dizer nada. trataram-no como se deve tratar
um pai com fragilidades. afinal. com todos os seus defeitos. ou problemas. o
álcool é muitas vezes uma doença. foi ele que lhes deu vida – foi talvez um dos
gestos mais bonitos que a vida me ofereceu. e logo de um amigo – fiquei para
sempre grato por esse dia. o zé luís ainda hoje é um homem de bem. e eu não
acredito que homens assim apareçam por acaso. é preciso ter por detrás uma
família também excelente. sem esse suporte ninguém envelhece a sorrir – gosto
de escrever memórias. mas esta crónica não é só passado. é também presente. é
gratificação por ter estado no lado certo no meu crescimento. estar bem rodeado
é fundamental para envelhecer com esperança. e é também uma forma de mostrar
aos meus filhos que o critério para se guardar os amigos não pode ser só festas
e sorrisos – a nossa vida seguiu caminhos diferentes. mas o rasto da gente boa
nunca se apagou e hoje. já envelhecido por fora. percebo que são estes bons
exemplos que nos fazem crescer mais perto do bem. do céu se existir. ou do
universo – também me faz lembrar o meu pai. era também ele um homem bom. o
melhor que conheci na minha vida. e sei hoje que os meus filhos são também
especiais. são homens bons. amáveis. carinhosos. preocupados sempre com os seus
pais – apesar de todas as amarguras que a vida me trouxe. continuo a esperançar
para o que vem amanhã
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