22/12/2010
tudo
08/12/2010
necrófago
quero
um cadáver
para
um poema
por
nascer
dobrado
na
ponta
sem
nome
palavra
ou dor
que
o anuncie
tombado
respira
parado
e
em esforço
o
silencio
que
o peito sente
bem
fundo
a
noite
sempre
acontece
ao
entardecer
sobrevivo
frágil
entre
a espada
e
o papel
onde
o sangue
se
mistura com o negro
05/12/2010
o+ é dezembro
o mau tempo de hoje. é dezembro – o frio que está
pelos pés mistura-se com este que me esfria as mãos – já não tenho forma de
trabalhar as palavras – se fosse ferreiro. temperava os adjetivos com tenazes.
nas brasas. no fogo “que arde sem se ver”. com o maço da minha vida. com
batimentos certos. ao compasso do coração: pum. pum. pum – firmes – estes
batimentos. em certos dias. parecem-me os passos de alguém a regressar do meu
passado – dentro de mim. do lado
direito. em paralelo com a veia cava. construí um banco de ferro com todas as
memórias que amealhei – quando preciso de aliviar a trouxa de memórias que
trago comigo. sento-as. e lá sossegam no seu banco. e no meu também – sinto que
já tenho pouco tempo para perder o corpo de vez – envelheceu. num tempo que nunca
foi verdadeiramente o meu – agora. espero
companhia. mas ninguém regressa do que me sobrou. estou cada vez estou mais só
– do lado esquerdo uma mesa de pau-santo
ornada com fotos a preto e branco – entre o banco e a mesa uma corda esticada imobiliza
um tipo de tule rendado. apenas na cabeceira. onde vê quem passa. com figuras
de santos desenhados a fio de ouro – ao centro. em seda preta. o cálice sagrado
da vida – é nele que misturo o sangue e as lágrimas que guardo na palma da mão
– é tudo o que me resta da vida. umas míseras lágrimas coradas de vermelho –
sei. sei que será este tule que um dia cobrirá o meu último suspiro – também eu
terei uma foto na mesa. a preto e branco. tal como vivi. e uma coroa de flores
com duas fitas negras a dizer: saudade eterna – mas o coração ainda bate. silêncio.
mas bate – talvez a vida pare a qualquer momento. o que posso fazer eu? – aguardo
em silêncio – fico com medo que o silêncio fique… assim como todos os silêncios.
mortos. vazios. sem… sem memórias sentadas. sem futuro. sem olhos negros. sem
língua. e nem brisa quente. nem céu. azul – ninguém sussurra nestes ouvidos. mesmo
que ainda continuem a ouvir o ferreiro a bater do coração – é dezembro. e o
dezembro traz sempre o inverno. ainda me lembro de ser natal em dezembro e não
estar só
01/12/2010
nem nunca
sinto-me
entre a espada e a parede – tempos houve em que estava entre a parede e a
espada – as palavras devolveram-me a razão. a minha razão – no passado.
invisível. envergonhado. escondi-me no silêncio – havia barulho a mais para os
meus medos – havia ainda um par de girassóis dentro de mim. loucos por luz.
viviam apenas do sol. de um que nunca sonhei perder – assim. estava tão longe
da escuridão. e nem uma bicicleta tinha para correr atrás da vida – os outros.
já eram enormes. falavam tudo com tanto saber. eram gigantes. com umas bocas
que quando abertas podiam guardar todas as bicicletas do meu imaginário.
passavam velozes. raramente sorriam ou acenavam. creio que iam com pressa. acredito
que fossem donos do sol – se eu um dia tiver uma boca assim. talvez também possa
ter um sol – acreditei nisso. alguém me disse para acreditar. sempre – aos
poucos. comecei a juntar todo o ferro-velho que fui encontrando pela estrada.
separei todas as porcas e parafusos. liguei ferro com titânio. e fiz uma
corrente. uma corrente que resistiu a quase tudo. até ao orvalho das noites demoníacas
– enchi os pneus de papéis escritos com os meus nadas. levantei os pedais que
um dia o meu pai me comprou. vendi um
anel de família para comprar um casaco de couro e um boné. e assim cheguei ao
que sou hoje – cansado. tirei-lhe as mangas. fiz um selim – à frente do guiador
um livro de eugénio de andrade ilumina a estrada que escolhi. e continuei à procura do sol. que um dia
acreditei ser meu – pedalei com vontade e força. toquei a campainha e abri
caminho entre gigantes e medos. mesmo aqueles que pela força dos deuses se
fizeram pedra – e fui. não sei se já parei. ou a estrada continua