.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

22/12/2010

tudo









ainda tenho de encontrar as palavras para te dizer tudo – tudo em mim é pequeno. insignificante. quer dizer: és tudo. mas eu sou tão pouco. tão pequeno. tão curto. tão vazio. sou o que posso ser. um sem camisa branca. sem colarinhos engomados. sem botões de punho. sem roupa feita à medida. sem anel. nem branco nem amarelo. nem nada. não há em mim arte ou engenho que alcance tudo – ainda tenho tanto por te dizer. tanto. mas só os teus olhos sabem. só – e tudo é quase o nada dentro de mim. nada. mesmo. só pode ser culpa minha. deveria saber escrever. mas não sei – mas mesmo sem palavras. és tu sempre que trago comigo. é tudo o que quero. tudo o que sinto quando respiras a meu pé. tu – eu sou um tudo e um nada. um quase nada de amor. um tudo menor que o céu. menor que o futuro. que a vida. que o tempo que resta – quando vejo os teus olhos. quando os olho por dentro. onde guardas ainda o menino que um dia te abraçou. como se todas as primaveras de março florescessem no teu sorriso. tudo dentro de mim diz que não tenho ainda o necessário para te dizer tudo. abraçar. para te beijar. para te segredar ao ouvido: tu és o meu tudo – mas quando estás perto. não há palavras. a boca treme e até a meiguice que trouxe do passado fugiu para um lugar que não conheço – dentro de mim tudo desaparece – tenho os olhos nas mãos. quando adormeces encosto-os ao teu peito. e nos teus caracóis. enrolo a vida. bem apertados – deixo de respirar. até o ar que respiro é teu. tudo é teu nas noites onde me desculpo por não ser tudo. um homem sem tudo é um homem desesperado – dormes. dormes como se habitasses o primeiro sono. e quando o amor é ainda uma criança. pequena – guardo no peito todas as lágrimas. as que afogam o coração de medo. até ao dia em que um de nós parta. sei que as minhas lágrimas são tuas. todas – são tantos anos amor. são tantos anos. foram tantos anos que o meu coração migrou. está no teu peito. e é o teu nome que bate no meu tempo agora – és a minha vida. és o corpo. o corpo que corre. que abraça. que grita. és. desde o dia em que me aceitaste para ser teu. não tinhas de o fazer. és tudo o que há em mim – tudo o que quero amor. tudo. mesmo. é guardar os teus olhos para o dia seguinte. onde o tudo deixará de ser tudo. tu não estarás mais a meu lado. partirei para um lugar diferente de tudo o que tive – não quero chorar por ti. não suportaria ver-te partir. tu és tão bela. sempre foste. a pele ainda cheira às flores que um dia colhemos em junho. loucos. começamos a falar de amor até hoje. nunca paramos. mesmo quando de porta aberta o vento fazia gelar os corpos. nós falávamos. falávamos de amor. de tolerância. companheirismo. lealdade. e da beleza de estarmos juntos. sempre mais apaixonados – somos amor. tudo é amar-te – tu és tudo. tudo o que tenho para chorar no dia em que partir – de ti amor quero lágrimas. quero sentir o teu amor. a tua tristeza. a tua saudade – quero que sintas a pele fria. gelada. de quem vai para o inferno. por saber que não mais te verei. quero sentir os teus lábios quentes. na minha carne gélida. quero que recebas a chave que me encerrará no lugar onde o amor terreno já não existe. quero os teus beijos desesperados por deslaçarmos as mãos – quero as tuas mãos ao pescoço e ouvir: nós fomos tudo um para o outro. ainda somos – eu. jamais conseguirei dizer-te. merecias mais. não sei escrever o amor. talvez sussurrar-te. mas não sei. perdoa-me. mas não sei moldar palavras. só sei dizer que não suporto viver sem ti



08/12/2010

necrófago









quero um cadáver

para um poema

por nascer

 

dobrado

na ponta

sem nome

palavra ou dor

que o anuncie

 

tombado

respira parado

e em esforço

o silencio

que o peito sente

 

bem fundo

a noite

sempre acontece

ao entardecer

 

sobrevivo

frágil

entre a espada

e o papel

 

onde o sangue

se mistura com o negro



05/12/2010

o+ é dezembro








o mau tempo de hoje. é dezembro – o frio que está pelos pés mistura-se com este que me esfria as mãos – já não tenho forma de trabalhar as palavras – se fosse ferreiro. temperava os adjetivos com tenazes. nas brasas. no fogo “que arde sem se ver”. com o maço da minha vida. com batimentos certos. ao compasso do coração: pum. pum. pum – firmes – estes batimentos. em certos dias. parecem-me os passos de alguém a regressar do meu passado –  dentro de mim. do lado direito. em paralelo com a veia cava. construí um banco de ferro com todas as memórias que amealhei – quando preciso de aliviar a trouxa de memórias que trago comigo. sento-as. e lá sossegam no seu banco. e no meu também – sinto que já tenho pouco tempo para perder o corpo de vez – envelheceu. num tempo que nunca foi verdadeiramente o meu –  agora. espero companhia. mas ninguém regressa do que me sobrou. estou cada vez estou mais só –  do lado esquerdo uma mesa de pau-santo ornada com fotos a preto e branco – entre o banco e a mesa uma corda esticada imobiliza um tipo de tule rendado. apenas na cabeceira. onde vê quem passa. com figuras de santos desenhados a fio de ouro – ao centro. em seda preta. o cálice sagrado da vida – é nele que misturo o sangue e as lágrimas que guardo na palma da mão – é tudo o que me resta da vida. umas míseras lágrimas coradas de vermelho – sei. sei que será este tule que um dia cobrirá o meu último suspiro – também eu terei uma foto na mesa. a preto e branco. tal como vivi. e uma coroa de flores com duas fitas negras a dizer: saudade eterna – mas o coração ainda bate. silêncio. mas bate – talvez a vida pare a qualquer momento. o que posso fazer eu? – aguardo em silêncio – fico com medo que o silêncio fique… assim como todos os silêncios. mortos. vazios. sem… sem memórias sentadas. sem futuro. sem olhos negros. sem língua. e nem brisa quente. nem céu. azul – ninguém sussurra nestes ouvidos. mesmo que ainda continuem a ouvir o ferreiro a bater do coração – é dezembro. e o dezembro traz sempre o inverno. ainda me lembro de ser natal em dezembro e não estar só

 


01/12/2010

nem nunca






sinto-me entre a espada e a parede – tempos houve em que estava entre a parede e a espada – as palavras devolveram-me a razão. a minha razão – no passado. invisível. envergonhado. escondi-me no silêncio – havia barulho a mais para os meus medos – havia ainda um par de girassóis dentro de mim. loucos por luz. viviam apenas do sol. de um que nunca sonhei perder – assim. estava tão longe da escuridão. e nem uma bicicleta tinha para correr atrás da vida – os outros. já eram enormes. falavam tudo com tanto saber. eram gigantes. com umas bocas que quando abertas podiam guardar todas as bicicletas do meu imaginário. passavam velozes. raramente sorriam ou acenavam. creio que iam com pressa. acredito que fossem donos do sol – se eu um dia tiver uma boca assim. talvez também possa ter um sol – acreditei nisso. alguém me disse para acreditar. sempre – aos poucos. comecei a juntar todo o ferro-velho que fui encontrando pela estrada. separei todas as porcas e parafusos. liguei ferro com titânio. e fiz uma corrente. uma corrente que resistiu a quase tudo. até ao orvalho das noites demoníacas – enchi os pneus de papéis escritos com os meus nadas. levantei os pedais que um dia o meu pai me comprou. vendi um anel de família para comprar um casaco de couro e um boné. e assim cheguei ao que sou hoje – cansado. tirei-lhe as mangas. fiz um selim – à frente do guiador um livro de eugénio de andrade ilumina a estrada que escolhi. e continuei à procura do sol. que um dia acreditei ser meu – pedalei com vontade e força. toquei a campainha e abri caminho entre gigantes e medos. mesmo aqueles que pela força dos deuses se fizeram pedra – e fui. não sei se já parei. ou a estrada continua