ontem. gostava de me ter dado por acabado. gostava
de me ter posto um fim. gostava de me ter
posto um “the end” – não é possível. ainda tenho uma cidade. uma multidão de
olhos que me reconhece e que. com lábios afogueados. me diz:
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bom dia;
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que bom rever-te;
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não envelheces;
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estás na mesma;
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sempre jovem;
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os anos não passam por ti;
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qual é o segredo;
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quando foi a última vez que falámos;
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estou feliz por voltar a ver-te;
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estás sempre igual;
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tinha saudades tuas;
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bons tempos aqueles;
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parece que foi ontem;
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foste importante;
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nem imaginas a alegria;
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eras bom rapaz;
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malandrote;
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vi-te no facebook;
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não tens desculpa
há um espaço de tempo aberto
no cimento. ainda há quem reconheça o rosto. ainda há saudade. ainda há as
férias grandes. ainda há liceu. ainda há namoradas. ainda há carros. ainda há noitadas.
ainda há palavras ditas. ainda há palavras guardadas. ainda há abraços. ainda
há juras eternas. ainda há esperança. ainda há tempo dentro do tempo todo – ainda há. há. e há. ainda há tanta coisa – quero
uma cidade vazia. uma cidade onde não haja ninguém - não quero. o dia seguinte.
igual ao de hoje. não quero – quero um mar. com gaivotas. com vento norte.
quero uma sarronca a dizer que o sol vai desaparecer – ainda estou aqui. só me
resta o sonho – sonho com uma cidade desigual. indiferente aos nomes. uma
cadeira virada a sul. abrigada do vento norte e. no ombro. a minha gaivota
cinza – um dia partiremos os dois com o mesmo vento. sorrindo para o tempo que deixou
de ser tempo