não gosto do domingo – nunca entendi muito bem a metamorfose do corpo ao sétimo dia. no passado. em minha casa. este dia era dedicado ao senhor – hoje já não há senhores em minha casa. o último a bater a porta foi o meu pai
28/07/2013
22/07/2013
imelda marcos
21/07/2013
12/07/2013
confissão
chegou o momento de devolver o silêncio ao corpo – branquear a memória. reconciliar-se e envelhecer – nada em mim tombou apodrecido
11/07/2013
nuno higino - talvez deus se tenha enganado
tomando-o por tempos que nunca existiram. Desejaria a sorte
dos que morreram em naufrágios e foram poupados
à habitação dos cemitérios. Nunca tive jeito para ser feliz
[nem para gritar] e pior que isso: condenado à efémera
duração dos sonhos [bastava a poesia para condenar-me]
Talvez Deus se tenha enganado: sobre o barro soprou a vida
em vez do sonho.
nuno higino. talvez deus se tenha enganado. letras & coisas (2004)
05/07/2013
beijo
e do nada um beijo – tinha pedido um
cigarro aceso. chegou-me um beijo em chama – os beijos não fazem mal. os
incandescentes também – sempre gostei de beijos que nos abraçam – estou com os
olhos fora da latrina – estou sem braços. sem pernas. sem olhos. sem pulmão.
sem ar. sem paladar. estou sem o meu corpo – mas estou pronto para beijos.
ainda tenho face – nunca perco a face. deve ser de família. vamos perdendo tudo
menos a face – estou agasalhado para mais uma noite. estou com um beijo aceso.
que me abraça de bem
04/07/2013
o que é lucidez?
tenho ainda tanta coisa para escrever –
tudo que tenho corre para as mãos como os rios correm para o mar – tudo é confusão.
e os olhos dentro da latrina gritam para não mais voltar a ver – tudo é
desordem. caos – e as mãos não sabem dar ordens – desapegado do corpo – arranco
um braço e os jornais anunciam o fim da greve geral – arranco uma perna e a gasolina
sobe dez cêntimos a partir da meia-noite – arranco a outra perna e o vizinho
atira-se da varanda por não ter um empregador – estou de rastos. arrastado ao
nível dos vermes – arranco um pulmão. e os médicos anunciam uma vacina contra o
cancro do pulmão – arranco a língua. e ninguém quer saber do que escrevo –
arranco os miolos. e a casa amarela não aceita doentes sem ADSE – arranco o
outro braço e fico para sempre em silêncio – não escrevo. não ando. não penso.
respiro mal. e já nada corre para lado nenhum – ouço. ouço o tempo. ouço as
pernas. ouço as mãos. ouço o cérebro. ouço o que me ficou dentro – há coisas
que não conseguimos arrancar – ouço o meu silêncio como nunca fui capaz de
ouvir – alguém caridoso por perto me traz um cigarro aceso? preciso de escrever
//
significado
de lucidez:
mente
limpa, coerente, quando a pessoa tem discernimento, atento, alerta, acordado,
enfim sóbrio.
exemplo
do uso da palavra lucidez:
o
casal apesar de ter saído tarde da festa estava lúcido, no entanto colidiram
com o carro por inabilitação do outro motorista.
//
o
outro motorista sou eu
edith piaf
03/07/2013
em que estás a pensar?
sempre que
abro o facebook dou de caras com esta coisa medonha –em que estás a pensar? será
que alguém consegue pensar neste país? não acredito – talvez haja por aí algum
iluminado que ainda pense – no que diz respeito à minha pessoa. e para vos
falar verdade. já nem penso. já só tenho tempo para me desviar dos obstáculos
que surgem em catadupa – cada vez mais rápido. e eu cada vez mais lento – creio
que estou no famoso jogo playstation-sonic – o problema é que neste jogo as
argolinhas douradas não trazem vidas extra. e eu já estou na última [parte da]
vida – confesso que estou com medo. ainda não encontrei nenhum botão start
02/07/2013
silêncio divino
se
eu quisesse falar com deus. tenho a certeza que o todo-poderoso me mandava à
merda – frio. desiludido. e com cara de quem já não procura amigos. também
digo: não quero falar contigo – prefiro lembrar-te como te vi no livro da
catequese – nesse tempo. fazias milagres