.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

18/10/2013

dissertação sobre os loucos moinhos de vento de dom quixote - 1 de 4




autor desconhecido
 



sou um escrevente de histórias do peito – só falo com o que escrevo. sou assim: grande na idealidade. descolorido na boca. vacilante nas mãos – mas escrevo. sem palavras seria quase nada – sempre que me conto em palavras os dias tornam-se pequeníssimos. as narrativas agigantam-se em embaraços. o corpo estremece e a janela que me abriga do mundo já não é solução para os medos – escrevo. digo. tento escrever. a procura da palavra autêntica é contínua[mente]. trabalhosa. esgotante. e o belo oculto na minha falta de arte – quando escrevo transformo-me num cavalheiro – fato preto. camisa branca. adornada com laço de cetim. preto-cinza. colete de veludo escuro. justo ao tronco. botões madrepérola e dois bolsos pequeníssimos debruados com duas costuras fortes. elegância – apesar de pequeniníssimos estes bolsos são marcantes. é no seu interior que faço descansar os dedos magoados de agarrar o lápis com que me narro – são assim como os abrigos dos pastores no meio das montanhas: feitos de pedra granítica. entrada rente ao chão onde os homens entram de gatas. sem janelas. terra batida. cama de urze e fetos. e em tão pouco o corpo descansa da imensidão do mundo. isolamento – vive no sossego de tudo que marca tempo. com as estrelas acama. com o sol desperta – despojados de qualquer conforto. ali resistem à demora do tempo de uma nova pastorícia – acolher. proteger e agasalhar o pastor e o seu rebanho é a sua missão. palavras – os meus bolsos também são assim. abrigos graníticos.  acolhem-me sempre que o corpo é açoitado pelo desalento de não saber trazer às mãos o sentir em palavras – um deles. o da direita. a sul do coração. guarda o tempo numa engrenagem fantástica: rodinhas minúsculas. parafusinhos insignificantes. chapinhas retorcidas e outras coisas que o meu saber não sabe descrever. tudo isto a fazer andar o tempo com uma precisão inacreditável – é neste tempo que sofro pela falta das palavras – o homem faz coisas incríveis – quantas mãos abençoou deus para purificar estas criaturas com o dom de fazerem coisas genuinamente incríveis? quantas? e todos estes homens divinos encurralados num bolso minúsculo a tomar conta do meu tempo. relógio – no silêncio. feroz. posso ouvir um tic-tac. delicioso. suave. compassado. intervala com o ritmo intenso do coração ansioso – tic. relógio. tac. coração. tic. relógio. tac. coração e tudo isto numa cadência perfeita. melodiosa. a grandeza do tempo no corpo a gastar vida tantas vezes inútil – e as mão a pedir papel. muito papel. e um lápis com o dobro do meu tamanho. enorme. e dentro de mim tudo agora é perfeito. tudo mesmo. tudo que pode ser feito com palavras escritas – sou feito de gaivotas. de liberdade. de braços abertos ao vento. ao tempo. e o meu melhor amigo. de braço dado. caminha comigo a passo. em palavras nossas diz-me: sabes! há uma razão para o vento existir. belo – talvez haja – lembro-me de no passado ler num qualquer livro que não recordo o nome que o belo é aquilo que desespera – acredito. sinto-me desesperado – na mão a bengala. punho de marfim. feita à mão por mais um par de mãos abençoadas. talvez haja um grupo de deuses divididos por áreas de interesse. a criar homens com dons para tornar o mundo mais belo. e todos aqueles que gosto desiludidos com tanta falta de palavras – na cabeça uma cartola imponente. pomposa. importada do país de sua majestade – sempre ouvi dizer que o primeiro cavalheiro nasceu nas ilhas britânicas. não sei se é verdade mas para o caso também não é importante – para perturbar este cavalheiro da escrita [desconhecido do homem que escreve] na sua infindável busca da palavra mais-que-certa. a dúvida e a sua mais-que-perfeita omnipresença em toda a criação. sou aflição – uma maldade autofágica para uma criatura muda que tem como o mais belo dos prazeres a escrita. ingratidão
 
[1 de 4] – contínua



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