.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

28/06/2016

oficina do mestre astrolábio



foto - sampaio rego
 
 
 

lá longe

onde o mar acaba

há uma linha…

 

numa ponta. a imaginação

na outra. a realidade

geram um movimento

como o rodar da corda

 

aos saltos

os astros rejubilam

uma vez vénus

outra. marte

e as estrelas. poderosas

aplaudem em confraria

o sol a morrer

 

por dentro

a engrenagem

fabrica o sonho

com sua força

agiliza em promessas

a dor de um parto

 

na montanha

volto a sentir

o sol a sorrir…

 

assim me deito e levanto



27/06/2016

4 da manhã


foto - sampaio rego
 

o apocalipse na ponta de um lápis. e eu sem saber escrever uma única puta de palavra


21/06/2016

ocupação selvagem



foto - sampaio rego


não escrevo para outros e nada dos outros vos trago a partilhar – sou assim. sem saber porquê – escrevo com a mão de um outro que me ocupa de forma selvagem – sou um corpo extorquido em usufruto – uma caução de morada até à morte – e é este miserável que me entrega com rudez. tal como sou. sem nenhum padrão de gratidão. ignorando o meu apelo sofrido ao silêncio – para a frente da fala não existe recuo – a palavra é uma escritura onde o meu corpo se torna avalista no mundo dos sons – não é fácil. acreditem – mas um dia serei pó e poderei definitivamente ocupar o lugar à direita do meu pai. numa eternidade piedosa – o ocupador. selvagem. elementar hospedeiro de um corpo marcado pela maldição de um deus esculpido em pedra. a ocupação perdura numa simbiose forçada – ficará para sempre acorrentado ao peso das palavras. ora em pecado capital. ora em clemência sofrida – quanto a mim. quando ando por aí. perdido na minha própria modéstia de nojo. nunca direi nada a ninguém. o silêncio não me é imposto. é uma forma de vida – a felicidade chegará com o sacrífico final

 

11/06/2016

coluna dos deuses



foto - sampaio rego
 
   

na poesia mora a ilusão

tantas vezes erguida

em colunas jónicas

personificam sabedoria

e a força de uma beleza

trabalhada a quatro voltas

em cada volta gira um sonho

talhado para cada mente

mais ou menos traído

em sonhos rendilhados

de um passado talhado

a esquadro e compasso

giram as colunas

esperança também

as quimeras? ainda esperam

por deuses férteis

mas a alma do poeta

permanece prostrada e chorosa

aos pés elegantes da coluna

e dos sonhos angustiados

num chão

nem sempre geométrico

lá no topo. a coluna toca o olimpo

espalhando sapiência aos semideuses

sentada ao lados dos deuses

partilhavam dizeres e banquetes

sacrificando a mitologia

ao mundo dos mortais

o poeta que cá em baixo agonia

revestido da mesma dignidade

lamenta amarrado às colunas graníticas

por não ser “aquilo” que os deuses esperam

violado na alma

pela culpa das letras

declama em forma de remissão:

por aqui escreve-se assim

sem a ilusão de um dia escrever diferente

serei sempre um pequeno trovador

ao cuidado dos humores dos deuses

mas nunca dos semideuses

morrerei por este lugar

onde as “impuras” fazem morada

 


arte urbana - I



    
  

05/06/2016

ilusão em rede


foto - sampaio rego
 
 

“Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro” - Clarice Lispector

.

é nestes cortes que sustento o corpo num precário equilíbrio suicida. um impulso contido de raiva. de expiação e de purificação – escrever é um ato de fé – sou um homem só numa só escrita – as amizades estão cada vez mais difíceis de se escrever na palavra – os dias são agora de um outro mundo. tecnológico. amplificador para o bem ou para o mal. divergente na expressão. convergente na busca da felicidade. extremos no amor e no ódio. onde os amigos surgem ao pontapé: és um querido meu amigo; és bonito meu amigo; amigo o teu sorriso é o espelho da tua alma; adoro-te amigo; tenho saudades de te ver amigo; és único meu amigo – e as ligações em fibra ótica espalham a burla pelos quatro cantos do mundo – aqui estou eu neste desabafo inócuo apenas porque me recuso a usar a palavra amigo em vão – cada vez gosto menos das pessoas que me entregam adjetivações de exceção e depois as vejo gastas ao preço da uva mijona – nesta nova arte de fazer amigos pelas redes sociais sou um estranho no meio da multidão - por isso corto nos gestos. nas palavras. nos abraços. nos sorrisos. na forma de como me dou e na raridade com que ofereço palavras a quem não as merece – não gosto de enganos. não suporto erros grosseiros e rejeito erros de simpatia – não quero lacunas nos cânones da palavra amigo - não sou santo agostinho e de peixes pouco entendo. mas sei que a palavra amizade é o único brilho que me incendeia os olhos – há palavras que me custaram a ganhar. muito mais que um dia de trabalho. ou um mês. mais de um ano. quase tanto quanto a vida que lutei para a agarrar. um esforço que não vem de nenhum músculo. de nenhuma corrida. de nenhuma trovoada ou bonança. vem de um arrepio na pele. tão leve que às vezes engana o coração – esta minha liberdade de amar pelo sentir é o único amor certo que ficará para depois da minha morte – não me vendam ilusões –  e agora vou sair para o mundo onde a mentira se disfarça de sorrisos. mais podre do que a malvadez. mais rasteira que a lama. mais venenosa que um saco de víboras: internet – amigos. ou assim vos chamam. sigo a caminho



02/06/2016

sombras



foto - sampaio rego
  

alcanço um som

leve. muito leve

não são harpas

não são anjos

são fantasmas descalços

sabem-se implicantes

por tão antigos serem

 

vivem no sótão

nos medos e segredos

de quem nada sabe

 

inquietam. procuram

abanam

remexem o passado:

matam as palavras

as desculpas

os lamentos

os choros

ainda vivos

sofridos no sangrar

dos pulsos

 

nas sombras da noite

onde sopra uma pitada

de luar

meus olhos. sempre criança

gemem de pavor…

nas mãos. uma cruz

na boca

um anjo da guarda

 

o hábito veste de branco

na luta contra o medo

quando partem

sem cuidado

advém a desarrumação

 

na parede

sem mais…

um lembrete!

amanhã. à mesma hora!

cerram-se os suores

                                  por fim. durmo