.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

28/10/2016

as cartas do tarot




foto - sampaio rego




tudo que ouço fica aqui [olhos]. aqui onde o descanso não existe e tudo o que é real permanece imutável – abano esta mágoa de ver a minha compaixão desaparecer. sei agora que já não é agonia. é aceitação – impossível dizia eu – o cosmos desfaz os impossíveis – a possibilidade nos impossíveis existe – a racionalidade matemática também se pode transformar numa equação errante em milésimas irracionais – estas milésimas loucas passam a existir apenas para quem faz questão de viver com justeza – errado. digo eu. e a conta feita pela centésima vez e o erro escondido nos detalhes. no destino. no coração que herdamos e que só bate como ele quer – a borracha na mão para apagar o que não é apagável. modificável. transformável. rasurável – na vida tudo é a branco ou a preto. tudo é virtude ou tropeção. tudo é destino. interação e ocasião súbita – tudo se resume a flaches de luz que viajam a uma velocidade que nunca entenderemos – estavas lá. não importa onde. como estavas. estavas e disseste presente e o mundo engoliu-te. digeriu-te e faz de ti um príncipe onde as contas dão sempre certas pelo arredondamento não das centésimas mas das unidades – se te vomitou tudo está acabado. por mais contas que faças o resultado terminará sempre num quase estava certo se não fosse aquela décima. aquela nesga. aquele pé que nos rasteirou. aquela rua que nunca deveríamos ter tomado. aquela casa que nunca deveria ter sido comprada pelos nossos pais. aquela parteira que não nos deixou cair – não há arredondamento para as centésimas – enfim. o erro só é erro quando retira mérito a quem o produz – eu não produzi absolutamente nada. sou apenas destino – sempre acreditei na vida. mesmo quando me pareceu impregnada de um coeficiente elevado de erro – sempre acreditei que o mais certo venceria o incerto. que os caminhos sinuosos chegassem ao mesmo destino dos que são feitos de retas. e que a glória mais saborosa fosse feita de sacrifício – o povo de israel andou quarenta anos à procura da terra prometida. sofreram umas quantas perseguições. provações. humilhações. arrependimentos. hesitações. dúvidas. mas no final a certeza de que aquele era o caminho correto – o triunfo do bem sobre o mal. dos virtuosos sobre os impuros. da amizade sobre o desconhecido. do céu na terra em vez da glória pós morte com a ressurreição à direita de um pai que nunca foi meu – o castigo divino é a nossa memória que em vida não perdoa o destino que não escolhemos e o seu erro –  a dor é viver – e o corpo iludido com o que afinal estava escrito desde o nascimento – juro que não sabia caso contrário recusava-me a nascer – nunca entendi nada de destinos. de famílias e da sua história. das suas tradições. do caminho. das raízes. que de tanto caminharem ficamos sem saber de onde vieram – talvez um cruzado. um judeu convertido ao catolicismo. um escravo que de tanta miscigenação acabou por ficar branco. um agricultor da idade das trevas. marinheiro nos descobrimentos. um homem ao serviço de deus. do diabo. da morte – não sei que caminho percorremos para chegar aqui – sou o que sou e só sei de mim numa parte desta caminhada sempre mortal – sei do meu pai. sei do que ele me disse. tantas vezes sem a atenção que merecia – mas queria o meu próprio caminho – tolo. o que era importante mesmo era saber mais do seu caminho para ficar a saber mais do meu – sei que era boa pessoa. sei que guardava o mundo num abraço inesgotável e que sorria do seu passado com desprezo – vivia em paz num corpo aformoseado por uma bondade capaz de enfeitiçar a dor. o sofrimento. a amargura. a aflição. a angústia – e assim fez um pé de meia que nunca foi capaz de o usar – o destino roubou-lhe o final feliz. morreu preso a uma maldição que nunca quis acreditar ser merecido. esqueceu-se de tudo. até de si e partiu sem uma única palavra que o vestisse como se partisse para ser recebido por deus. morreu nu de tudo – com ele só levou o destino – como dizem os castelhanos: no creo en brujas pero que las hay las hay – no meu caso substituiria as bruxas por feiticeiros – as cartas em cima da mesa distribuídas em cruz como manda o livro de s. cipriano – um valete de ouro. uma dama de ouro. um rei de ouro e o enforcado de cabeça para o inferno enquanto a viúva pede à morte perdão pelo desdém com que o seu amado vive os últimos dias de vida – baralho e lanço novamente o destino para a mesa e o resultado igual. apenas o enforcado está cada vez mais enforcado e a viúva cada vez mais viúva e o negro mais negro – não há nada que possamos fazer contra o destino. as cartas estão na mesa desde o dia em que nascemos e por mais que as embaralhes. que as cortes ou que as cruzes. o enforcado nasceu enforcado e estará sempre de pernas para o ar – o natal está aí. não tarda nada – no natal temos a família que amamos e os amigos que nos restam e nenhum enforcado pode matar o meu espírito de natal – depois do natal... voltarei a deitar as cartas e então posso ser o enforcado com as pernas para a cova porque já pouco me importa




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