.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

24/09/2018

aqui estou

  
 
 
 
 
  

aqui estou eu. um pé no passado e outro no que há para vir – quem me dera que o mundo não fosse um segredo. um passarinho à procura dos porquês. ou esta coisa que sinto dentro de mim que não sei se é fé ou vontade de morrer – atiro-me para cima do que sou. escondo-me. a cama rebola. eu rebolo-me contra a cama. misturo-me num contrato sonolento. luto. fujo do segredo. fujo dos porquês e deixo de saber onde deito os pés – não quero caminhar mais. estou cansado – a dormir fico morto para o mundo das sombras – o candeeiro bamboleia entre uma janela e um guarda-roupa com os cabides de uma vida. encostado ao canto dos lamentos um casaco preto de bombazine forrado de procura e ambição. mangas puídas. cotovelos esfacelados e um lenço branco no bolso direito escarrado de atropelos – na parede a minha foto com menos quarenta anos. olhos negros. tristes. não sei se me fiz triste para a foto ou li o futuro na lente da máquina. lábio quebrado. cabelo puxado à esquerda. escorrido. à espera de tesoura para me compor. pescoço meio torto a tombar para o dono do destino e um cristo pregado por mim à parede – os olhos de deus perdidos em mim. vigilante. castrador. incómodo. sempre a falar mesmo calado: não devias ter feito isto. aquilo. aqueloutro. pecaste. erraste e a alma dorida de tantos porquês – entraste-me pela boca como se fosses palavra. eu disse amém e o teu corpo amarrotou-se na minha gula de viver – se realmente existes perdoa-me por nunca ter aceite o teu destino – se não perdoares dá-me um último vómito e parte de mim como entraste já não sou o da foto – aqui estou. tal e qual como sou. tal e qual como sinto – aqui estou
 
 
 
 

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