aqui
estou eu. um pé no passado e outro
no que há para vir – quem me dera que o mundo não fosse um segredo. um passarinho à procura dos porquês. ou esta coisa que sinto dentro de mim
que não sei se é fé ou vontade de morrer – atiro-me para cima do que sou. escondo-me. a cama rebola. eu
rebolo-me contra a cama. misturo-me
num contrato sonolento. luto. fujo do segredo. fujo dos porquês e deixo de saber onde deito os pés – não quero
caminhar mais. estou cansado – a dormir
fico morto para o mundo das sombras – o candeeiro bamboleia entre uma janela e
um guarda-roupa com os cabides de uma vida.
encostado ao canto dos lamentos um casaco preto de bombazine forrado de
procura e ambição. mangas puídas. cotovelos esfacelados e um lenço
branco no bolso direito escarrado de atropelos – na parede a minha foto com
menos quarenta anos. olhos negros. tristes. não sei se me fiz triste para a foto ou li o futuro na lente da
máquina. lábio quebrado. cabelo puxado à esquerda. escorrido. à espera de tesoura para me compor. pescoço meio torto a tombar
para o dono do destino e um cristo pregado por mim à parede – os olhos de deus
perdidos em mim. vigilante. castrador. incómodo. sempre a
falar mesmo calado: não devias ter
feito isto. aquilo. aqueloutro. pecaste. erraste e a alma
dorida de tantos porquês – entraste-me
pela boca como se fosses palavra. eu
disse amém e o teu corpo amarrotou-se na minha gula de viver – se realmente
existes perdoa-me por nunca ter aceite o teu destino – se não perdoares dá-me
um último vómito e parte de mim como entraste… já não sou o da foto – aqui estou. tal e qual como sou.
tal e qual como sinto – aqui estou
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