.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

14/10/2022

pedras 4

 





[gaivotas]

a minha única forma de evasão à loucura é a caneta. ou teclas – agora é tudo moderno. tudo tecnológico. tudo numa velocidade enfurecida. com gês para lá e para cá. a fabricar estradas que ninguém consegue ver. e as portas USB escancaradas a vírus que chegam sem se saber de onde. e mais fios. mais wireless. o antivírus a trabalhar como um louco. e o correio indesejado a entrar para SPAM. enquanto os convites para sexo virtual apelam à virilidade de um visa dourado – o corpo carregado de pedras e dúvidas. debruçado sobre letras. a tatear melancolia. e as luminárias acesas. a clarear as incertezas num espaço cerebral vazio de grandeza – juro que gostava de saber se escrevo porque penso. ou se escrevo para me fazer existir. mas não sei – talvez as pedras existam para fazerem de mim um terráqueo melhor. um género de livre trânsito para a imortalidade da alma. ou energia: quantas mais pedras carregares. mais constelações visitarás quando abandonares o planeta terra. e quem sabe. se as pedras forem mesmo grandes. do tamanho da taj mahal. um dia. terás um planeta sem pedras só para ti – é desta forma que o universo recupera a energia que acumulamos ao logo da vida: lava-nos. purga-nos do erro e das pedras. e depois. acolhe-nos para fazer de nós uma estrela. ou um cometa. ou outra qualquer coisa que vagueie pelo espaço – nada do que escrevo é certo. nada do que escrevo me leva para longe do mundo. ou para outra dimensão. ou planeta. ou me faz renascer – hoje. sei melhor do que ontem que tudo o que escrevo nunca passará de um rascunho. um amontoado de riscos quase inúteis. lixo. digo eu sem piedade – então porque escrevo? escrevo para repousar. para conseguir sossego. para viver o que as gaivotas vivem: surfar o vento. voar entre o mar e os astros. planar o sol. e sentir na pele a imensidão de uma terra azul. redonda. com almas. sol e sal – e ao fim de cada voo. quando regresso a mim. absolutamente saciado da terra azul. redonda. com almas. sol e sal. entrelaço-me nas memórias. e ali fico numa desapoquentação absoluta. a trazer à vida todos aqueles que não sou capaz de esquecer – estou algemado. preso às reminiscências. a respirar sofrido. a procurar um atalho que me devolva a serenidade das crianças – e por aqui ando. a recolher despojos da minha guerra. a absolver o erro “da minha culpa. tão grande culpa” batendo com a mão no peito vezes sem conta. afligindo-me. martirizando-me. angustiando-me. gerando dor até que esta se agigante e o erro se torne insignificante – tal como o ulisses se fez passar por mendigo para entrar em ítaca. também eu me farei passar por um ser de luz para entrar no universo – um dia. talvez daqui a um século. esse universo em que acredito. me regurgite novamente neste planeta azul. redondo. com almas. sol e sal. e quem sabe. dessa vez… sem pedras. apanharei uma estrada em vez de um atalho – viver não é fácil. fabricamos toneladas de amor. dia após dia. levamo-lo às árvores. aos animais. às nuvens. às montanhas. aos mares. nos canapés. nas festividades. aos amigos. até aos inimigos em forma de perdão. e quando nos sentamos diante do pôr do sol… chega a noite a galope. e leva-nos tudo: a terra azul. redonda. com almas. sol. e sal. leva-nos o amor. ficamos solitários. somos o mundo num mundo sem luz. e nenhuma estrela se senta a nosso lado. tornamo-nos mendigos. sem abrigos. ficamos tão sozinhos que o universo cabe dentro de nós – só nos resta esperar pelo dia para voltar ao amor. fabricá-lo é sobrevivência

 


Sem comentários:

Enviar um comentário