[atena]
“segundo
epicuro. para atingir a certeza é necessário confiar naquilo que foi recebido
passivamente, na sensação pura e, por consequência, nas ideias gerais que se
formam no espírito (como resultado dos dados sensíveis recebidos pela faculdade
sensitiva).” – gostava de ter a certeza de epicuro. mas não tenho. nunca vivi
passivamente. carreguei pedras que não lembra ao diabo. e quando conseguia
livrar-me de alguma. logo tropeçava noutra – o que quero acreditar saber. sem
certezas porque nunca as tive. é que as pedras fizeram o meu caminho. pisei-as.
suportaram-me. e cheguei até aqui – todo o meu percurso foi feito de sonhos e
pedras: os sonhos. imolei-os em resignação. as pedras… são o meu jardim de silêncios
– trabalhei o meu próprio destino. mas não me canso de me interrogar: o destino
está traçado à nascença? em boa verdade. acredito que o destino é o que
encontramos depois da procura – se somos guerreiros. procuramos guerra. se
somos agricultores. cavamos terra. se somos poetas. escrevemos poemas. a arte
com que desempenhamos a nossa missão nos gratificará. ou punirá – e eu fui o
quê? ainda não sei. o que sei é que não sou poeta e não sei fazer poemas. o que
gosto mesmo é de prosa. que na maior parte das vezes é coisa idiota. ou um
inferno para quem lê. e para mim. o estilista. aquele que liga as letras umas
às outras. creio que sou um mártir. sempre que escrevo imolo-me num fogo que
arde e não se vê – quando procurei aventura encontrei-a. à medida da minha
coragem. quando procurei arte. sacrifiquei-me. à medida do alcance da minha
mão. ofereci-me à deusa da sabedoria: mas atena despreza de sonhadores – sei
que posso sempre dizer que a arte não se define. e que cada artista. ou
pseudoartista. cria a sua arte como bem a entende. ou como a vê. ou a sente. ou
como o magoa – haverá sempre alguém que a olhará a nossa arte com sarcasmo. ou
piedade. ou alegria. ou tristeza. ou com indiferença. sem nunca perceber que a
arte é simplesmente aquilo que tiramos de nós. quase sempre. sem poder
acrescentar nem mais uma vírgula. ou um ponto final. apenas porque o corpo não
dá mais: a mão não escreve mais. o pincel não pinta mais. o pulmão colapsou. o
verbo espatifou-se. e o corpo rende-se à invisibilidade – para a maior parte
dos artistas a glória é um abismo sem fundo – é nesta altura que o artista se
entrega a uma dor lacerante. que o rasga desde a mão a um imenso que não tem
fim. e descobre que a arte. a verdadeira arte. vive apenas no olimpo. ao lado
dos deuses. ou dos mestres. e esta. a sua. vive apenas dentro dele – o bem e o
mal. o certo e errado. a honra e a vergonha. a sorte e o azar. a família que
nos trouxe ao mundo. os amigos que conquistamos. é nesta roleta da vida que um
dia apostamos tudo no vermelho. e sai o preto – as forças do universo também
são insondáveis – e depois. já com o preto encrostado na pele. em luto
profundo. tão profundo que os ecos dos lamentos se escondem no corpo. sorvidos
pelos pulmões. pelos rins. pelo fígado. pelo cérebro. pelo pâncreas. ou em
algum local que nos deixa surdos. aos poucos deixamos de nos ouvir – e o corpo
de tanto calar. em desespero. pede-nos para implodir – colocamo-nos então perto
do abismo. um pé na terra. e outro na família. e no céu os abutres evocam-no
com gozo para um último grito de covardia – raio de passarada. ignóbeis
voadores. ratazanas do ar. quem vos ungiu com óleos consagrados? juntam-se em
bando. como se fossem donos do destino. como se os tivesse fecundado e parido
por minha vontade – e agora quase mártir. despedaçado pela falta de honra. de
bondade. de esperança. de harmonia dentro e fora de mim. o meu imperativo
categórico. trazido de kant. ruiu como um castelo de cartas. a minha razão é
apenas a minha razão. já não será mais uma lei universal. assassinei-me com o meu
próprio punhal. espetei atena no coração – não há mais nenhum tipo de
compreensão para um pseudoartista. a sentença é morte por asfixia. tão
devagarinho que quando estamos prestes a deixar de respirar ainda acreditamos
ser possível recuperar o que sempre esteve perdido: a arte – gostava de saber
se escrevo porque penso. ou escrevo para me fazer existir. mas não sei – não
confio em nada. porque nunca tive certeza de nada – às vezes esforço-me para
acreditar que o tempo fluiu em sentido oposto aos ponteiros do relógio. é
quando me olho ao espelho e pergunto: onde está o sorriso da minha criança?
perdi-me pelos dias. envelheci. enlouqueci. e aos poucos fui-me suicidando com
pensamentos – viciei-me no passado. enleei-me em interrogações. apanhei
overdoses de medo. ressaquei com dores. e recaí sempre que me livrava de alguma
pedra – apunhalei-me centenas de vezes sem nunca ver uma gota de sangue. e
chorei como choram as crianças. sem nunca me ter perdoado – o cabelo é agora
branco. os olhos fugiram para trás das pálpebras. a boca já não consegue dizer
palavras grandes. e os passos são pequeninos ao contrário das noites – só as
interrogações continuam a magoar-me como dantes – a vontade de me estrangular
com o que não sei é persistente. gostava de me fazer desaparecer e reaparecer
em 2122. acredito que por essa altura a ciência já consiga transplantar
cérebros – vivo agora e interrogo-me: sou obra de deus ou do universo? ou cordeiro num altar dos sacrifícios? ou uma
experiência de uma entidade extraterrestre? a angústia capturou a esperança. em
resumo. às vezes estou meio morto. às vezes meio vivo. caminho de andarilho
para chegar mais longe. num vagar doentio já que ninguém me espera. e peço ao
universo uma porta para o que ainda tenho dentro de mim – se um dia ficar
gelado. mesmo que ainda não seja a minha hora. juro que aproveito e fico morto
para sempre – o tempo sempre foi meu inimigo. correu sempre em direção ao
abismo – mas agora. que a distância se torna cada vez mais curta. do que tenho
realmente medo… é que um dia chova pedras – freud escreveu que os sonhos
noturnos são desejos reprimidos que procuramos realizar. eu já não sonho. vivo
apenas cada dia como se fosse o último. e também já não peço arte. peço saúde e
paz interior
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