há
pouco mais de um ano. mais propriamente em 28 de junho de 2024. um amigo. luís
silva. convidou-me para ir a um festival de música eletrónica. beach party by nova era. em leça da palmeira. na praia
do aterro. a sua empresa hoteleira era um dos patrocinadores. e deste modo.
tínhamos acesso aos lugares VIP – não era o meu tipo de música. muito longe
disso. mas quando um amigo convida. é nossa obrigação dizer presente – uma
coisa é certa. não o acompanhava pela música. mas sim pela companhia. ainda
para mais sou avesso a multidões – em local privilegiado. pensava eu. em cima
de um palanque com vista direta para DJs. e ali ficamos um pouco a beber uma
cerveja – algo de que também não morro de amores – sem perceber muito bem a
ligação daquela juventude. ligada a ritmos sincronizados das batidas.
entreguei-me em consciência – e interroguei-me. o que faz esta malta vibrar com
estes graves barulhentos? de um momento para o outro. o meu amigo sugere que
fossemos para o meio dos festivaleiros. e assim fizemos. descemos as escadas. o
medo também. e misturámo-nos na multidão – eu nas massas sinto-me sempre
despido. prensado. e fico sem saber o que fazer comigo – ao princípio
estranhei. depois entranhei. estava preocupado com a minha presença. pensei:
vou desarrumar esta malta. todos tão jovens. e eu. sénior. ali metido no meio
deles – aos poucos fui-me sentido mais tranquilo. e comecei a dar a minha
atenção à música. mais especialmente ao movimento dos jovens. aos seus
comportamentos. à forma como se agitavam. particularmente tentar perceber se os
seus movimentos estavam ligados de alguma forma ao ritmo das batidas – ali
fiquei em busca da razão destes juvenis. deixei cair o preconceito e pensei: se
esta massa humana está toda a vibrar e são milhares. tem que haver uma razão
sólida e válida para esta agitação. e para que mundialmente haja cada vez mais
adeptos deste tipo de música. não pode ser apenas a juventude a influenciar
este movimento – e no meio daquelas batidas loucas. com as luzes psicadélicas a
fermentarem a minha íris. como se os olhos fossem depósitos de cores em
agitação. senti os graves. ligados entre si por uma cadência ritmada.
envolvente. ao ponto de criar uma ondulação. também ela com ritmo. dentro do
corpo. que como todos sabem é setenta e cinco por cento água – ao fim de algum
tempo percebi que os festivaleiros moviam-se todos eles de uma forma
sincronizada. quando tombavam para a direita. todos tombavam. se atiravam o
corpo para a esquerda. mais uma vez todos tombavam para esquerda. e a cabeça em
oposição sempre a contrariar o corpo. como se quisessem deixar os pensamentos
fora do desequilíbrio. talvez o que tivessem em mente não pudesse ser abanado.
talvez tivessem medo de perder a felicidade. talvez com medo de voltarem para
as azafamas do mundo – ser jovem nem sempre é fácil – no meu tempo era mais
fácil – ao fim de algum tempo criei uma analogia. eram cardumes invisíveis. ondas
de carne e respiração em geometria perfeita. possivelmente para enganarem os
predadores. moviam-se como se todos fizessem parte de um bailado de
rudolf nureyev. talvez marguerite and armand
criando um movimento sincronizado. belo. que no seu limite. criava ilusão de
segurança. ou de fuga para um outro planeta – talvez estes jovens. com os seus
movimentos ordenados. criem esse tipo cardume. todos fazem parte de um todo. um
organismo uno celular. e assim capaz de se defenderem deste mundo desengonçado.
um mundo onde todos somos desconhecidos uns dos outros – foi uma grande
experiência. e durante muito tempo deixou-me a pensar: porque não fui eu capaz
de entender esta malta radical? a resposta é simples. por preconceito. por ter
envelhecido. e por achar que esta música era para os jovens. e que eu. adulto
envelhecido. já não tinha direito a invadir o seu espaço – o que aprendi. e
hoje sei o bem que me fez. é que música é música. tal como um livro é um livro.
não podemos dizer que não se gosta sem pelo menos tentar compreendê-la. sem lhe
dar uma oportunidade de nos ocupar – o mundo só é perfeito pela sua
diversidade. de outra forma não haveria evolução. ainda estaríamos a fazer fogo com duas pedras – este festival
viria mais tarde a proporcionar-me um dos momentos mais fantásticos da vida –
eu mereci-o. derrubei os meus próprios muros. e encontrei um novo mundo.
encontrei a liberdade inteira. sem preconceito. a baloiçar o meu corpo de água –
e por fim. estou grato ao meu amigo por me oferecer uma parte do seu
conhecimento. da sua vida – é essa coragem que todos nós precisamos em algum
momento da nossa existência. nada mais fantástico do que chegar por alguém que
me conhece bem – é nesse transe de palavras que vou contar como a música me
encontrou. e como me levou ao boom. festival em idanha-a-nova
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