ao fim de quarenta
e um anos voltaremos a ser novamente dois. eu e maria joão – este sábado. o meu
filho mais novo. joão antónio. vai desposar a minha nora sofia direito – será
um dia perfeito para eles e para nós – nunca pensei. nem desejei que os filhos fossem
pertença dos seus progenitores. sempre sonhei em filhos livres e independentes
dos seus pais – a nossa tarefa essencial era dar-lhes condições para que. um
dia. pudessem abandonar a casa sem medo do futuro – nunca. eu ou a mãe
interferimos no seu percurso de vida – sempre o vimos como algo sagrado – o seu
caminho foi e será sempre o que escolhem – a nossa interferência resumia-se
apenas aos seus estudos – foi a única preocupação. terem um percurso de
aprendizagem dedicado ao conhecimento. não lhes pedia estudo pela obrigação. mas
conhecimento pela vida – porque o conhecimento já carrega dentro de si estudo.
dedicação. e afirmação da sua personalidade – outro ponto em que nos focámos na
sua educação. para além dos seus estudos. era prepará-los para também. um dia.
serem pais – ser pai é a função que mais enobrece um homem – a felicidade não
está em possuir. mas em libertar – assim foi com os meus três filhos. e também
nós pusemos de parte a nossa vida para que nada lhes faltasse. vivemos a
escolaridade deles com muito sacrifício. mas também com muito orgulho pelo que
alcançaram – merecemos a nossa família. honrámo-la tanto quanto nos foi
possível. e hoje. vivemos este último matrimónio com a sensação de dever
cumprido – cedo percebi que o meu desígnio nesta minha passagem terrena era ser
pai. adoro ser pai. e tenho a certeza de que será a minha única obra que permanecerá
para além do túmulo – hoje já quase não os consigo recordá-los. primeiro como
recém-nascidos. depois crianças e adolescentes – a memória controla-nos os
desejos. e se o meu foi que eles nunca dependessem de nós. ela castigou-me.
resumiu tudo a duas linhas. e o que guarda agora são os homens que criei: bons.
honrados. trabalhadores. e para dois filhos. excelentes pais e maridos – assim
se cumprirá com o joão antónio – durante este último ano fartei-me de brincar
com o meu filho dizendo-lhe que já faltava pouco para sair de casa. ou para que
finalmente voltássemos a ter sossego. paz – mas a verdade. é que é este
casamento que mais me está a custar viver. não será fácil entrar em casa e
saber que ninguém nos espera. que não haverá mais ninguém a fazer-nos companhia
no descanso. ou mesmo poder chamar pelo seu nome e ouvir: dá-me cinco minutos –
eu e a mãe estamos um pouco perdidos. agachados um no outro. sabendo agora que
só nos teremos a nós os dois – bem sei que os filhos são para toda a vida. e os
medos que aprendemos a silenciar. continuarão silenciados. mas presentes. estão
encrostados na carne. saber que está tudo bem é e será sempre a nossa paz – por
isso estamos felizes com a sua felicidade. pois apenas assim faz sentido. sem a
sua felicidade. dos três filhos. a nossa vida não faria sentido – três irmãos
que se adoram. respeitam as diferenças. amigos. cúmplices. com três noras que
os completam. e tudo isto numa harmonia celestial. quando juntos a nossa casa
parece um conto de fadas – construímos este lar com muito sacrifício. com
muitas noites sem dormir. em terror e em lágrimas. que eu e a mãe segurámos um
ao outro. mas se voltássemos atrás. se o mundo tivesse marcha-atrás. faríamos
tudo na mesma. colocaríamos cada pedra no mesmo lugar – nós estaremos sempre
aqui. no lugar onde os críamos. viveremos as suas alegrias. e pediremos ao
universo que lhes dê tudo o que merecem – essa será a nossa maior recompensa –
nós recomeçaremos de novo. viveremos agora um para outro. sabendo que as noites
encontrarão silêncio mais cedo. e que as únicas falas serão as nossas – também
não será difícil. os meus filhos sabem que amo a sua mãe. desde os seus quinze
anos. eles não poderiam ter uma mãe mais bonita. que sempre foi a deusa
encantada dos filhos e. agora. dos netos – não há forma de não gostarem da
minha maria joão – mérito meu que soube escolher. talvez o meu maior feito –
foi assim que começou a minha epopeia – o que peço ao meu filho é que ame a sua
mulher até a exaustão. e que nos dias mais encobertos que nunca desista da sua companheira.
que fale sem nunca se calar. que nunca durma uma única noite ofendido sem a
perdoar. ou sem se perdoar. que adormeça de mão dada. e mesmo quando dormir.
que lhe diga ao ouvido que é o amor da sua vida – o casamento é uma estrada. e só
o casal a pode construir. colocar todos os dias uma pedra. pequena ou grande.
mesmo sem sentir no momento que cresce. um dia. quando olhar para trás. não
verá o princípio. mas saberá que é a sua estrada. e em cada pedra verá um ato
de amor. de partilha. de comunhão. de companheirismo. e poderá também ele
dizer. esta é a minha única obra. a que me honrará. a que permanecerá para além
do túmulo – espero que o dia seja abençoado. sagrado. para sempre. nós somos
homens de uma única mulher. assim foi com os vossos avós. assim foi com os
vossos pais. e sei. que assim continuará – gostava muito que o avô e a avó
estivessem presentes. quem sabe os desígnios do universo – de alguma forma
estarão. levaremos dentro de nós o estandarte da família. que agora será apenas
vosso
bênção
filho meu – hoje deixas a nossa casa para construir a
tua – não partimos contigo mas caminhamos ao teu lado – o teu caminho é sagrado
e só a ti e à tua companheira pertence – ser pai foi a minha maior obra – e
agora a minha herança é ver-te marido – peço-te apenas que ames a tua mulher
até à exaustão – que nunca te deites ofendido sem perdoar ou ser perdoado – que
adormeças de mão dada – que mesmo dormindo lhe digas ao ouvido: és o amor da
minha vida – o casamento é uma estrada – pedra a pedra se constrói – cada gesto
pequeno é amor – cada partilha é comunhão – quando olhares para trás não verás
o princípio – mas reconhecerás a vossa obra – e ela será eterna – somos homens
de uma única mulher – assim foram os teus avós – assim fomos nós – assim serás
tu – que o universo vos abençoe – hoje e sempre
 
 
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