06/09/2025

recomeço

 



ao fim de quarenta e um anos voltaremos a ser novamente dois. eu e maria joão – este sábado. o meu filho mais novo. joão antónio. vai desposar a minha nora sofia direito – será um dia perfeito para eles e para nós – nunca pensei. nem desejei que os filhos fossem pertença dos seus progenitores. sempre sonhei em filhos livres e independentes dos seus pais – a nossa tarefa essencial era dar-lhes condições para que. um dia. pudessem abandonar a casa sem medo do futuro – nunca. eu ou a mãe interferimos no seu percurso de vida – sempre o vimos como algo sagrado – o seu caminho foi e será sempre o que escolhem – a nossa interferência resumia-se apenas aos seus estudos – foi a única preocupação. terem um percurso de aprendizagem dedicado ao conhecimento. não lhes pedia estudo pela obrigação. mas conhecimento pela vida – porque o conhecimento já carrega dentro de si estudo. dedicação. e afirmação da sua personalidade – outro ponto em que nos focámos na sua educação. para além dos seus estudos. era prepará-los para também. um dia. serem pais – ser pai é a função que mais enobrece um homem – a felicidade não está em possuir. mas em libertar – assim foi com os meus três filhos. e também nós pusemos de parte a nossa vida para que nada lhes faltasse. vivemos a escolaridade deles com muito sacrifício. mas também com muito orgulho pelo que alcançaram – merecemos a nossa família. honrámo-la tanto quanto nos foi possível. e hoje. vivemos este último matrimónio com a sensação de dever cumprido – cedo percebi que o meu desígnio nesta minha passagem terrena era ser pai. adoro ser pai. e tenho a certeza de que será a minha única obra que permanecerá para além do túmulo – hoje já quase não os consigo recordá-los. primeiro como recém-nascidos. depois crianças e adolescentes – a memória controla-nos os desejos. e se o meu foi que eles nunca dependessem de nós. ela castigou-me. resumiu tudo a duas linhas. e o que guarda agora são os homens que criei: bons. honrados. trabalhadores. e para dois filhos. excelentes pais e maridos – assim se cumprirá com o joão antónio – durante este último ano fartei-me de brincar com o meu filho dizendo-lhe que já faltava pouco para sair de casa. ou para que finalmente voltássemos a ter sossego. paz – mas a verdade. é que é este casamento que mais me está a custar viver. não será fácil entrar em casa e saber que ninguém nos espera. que não haverá mais ninguém a fazer-nos companhia no descanso. ou mesmo poder chamar pelo seu nome e ouvir: dá-me cinco minutos – eu e a mãe estamos um pouco perdidos. agachados um no outro. sabendo agora que só nos teremos a nós os dois – bem sei que os filhos são para toda a vida. e os medos que aprendemos a silenciar. continuarão silenciados. mas presentes. estão encrostados na carne. saber que está tudo bem é e será sempre a nossa paz – por isso estamos felizes com a sua felicidade. pois apenas assim faz sentido. sem a sua felicidade. dos três filhos. a nossa vida não faria sentido – três irmãos que se adoram. respeitam as diferenças. amigos. cúmplices. com três noras que os completam. e tudo isto numa harmonia celestial. quando juntos a nossa casa parece um conto de fadas – construímos este lar com muito sacrifício. com muitas noites sem dormir. em terror e em lágrimas. que eu e a mãe segurámos um ao outro. mas se voltássemos atrás. se o mundo tivesse marcha-atrás. faríamos tudo na mesma. colocaríamos cada pedra no mesmo lugar – nós estaremos sempre aqui. no lugar onde os críamos. viveremos as suas alegrias. e pediremos ao universo que lhes dê tudo o que merecem – essa será a nossa maior recompensa – nós recomeçaremos de novo. viveremos agora um para outro. sabendo que as noites encontrarão silêncio mais cedo. e que as únicas falas serão as nossas – também não será difícil. os meus filhos sabem que amo a sua mãe. desde os seus quinze anos. eles não poderiam ter uma mãe mais bonita. que sempre foi a deusa encantada dos filhos e. agora. dos netos – não há forma de não gostarem da minha maria joão – mérito meu que soube escolher. talvez o meu maior feito – foi assim que começou a minha epopeia – o que peço ao meu filho é que ame a sua mulher até a exaustão. e que nos dias mais encobertos que nunca desista da sua companheira. que fale sem nunca se calar. que nunca durma uma única noite ofendido sem a perdoar. ou sem se perdoar. que adormeça de mão dada. e mesmo quando dormir. que lhe diga ao ouvido que é o amor da sua vida – o casamento é uma estrada. e só o casal a pode construir. colocar todos os dias uma pedra. pequena ou grande. mesmo sem sentir no momento que cresce. um dia. quando olhar para trás. não verá o princípio. mas saberá que é a sua estrada. e em cada pedra verá um ato de amor. de partilha. de comunhão. de companheirismo. e poderá também ele dizer. esta é a minha única obra. a que me honrará. a que permanecerá para além do túmulo – espero que o dia seja abençoado. sagrado. para sempre. nós somos homens de uma única mulher. assim foi com os vossos avós. assim foi com os vossos pais. e sei. que assim continuará – gostava muito que o avô e a avó estivessem presentes. quem sabe os desígnios do universo – de alguma forma estarão. levaremos dentro de nós o estandarte da família. que agora será apenas vosso

 

bênção

filho meu – hoje deixas a nossa casa para construir a tua – não partimos contigo mas caminhamos ao teu lado – o teu caminho é sagrado e só a ti e à tua companheira pertence – ser pai foi a minha maior obra – e agora a minha herança é ver-te marido – peço-te apenas que ames a tua mulher até à exaustão – que nunca te deites ofendido sem perdoar ou ser perdoado – que adormeças de mão dada – que mesmo dormindo lhe digas ao ouvido: és o amor da minha vida – o casamento é uma estrada – pedra a pedra se constrói – cada gesto pequeno é amor – cada partilha é comunhão – quando olhares para trás não verás o princípio – mas reconhecerás a vossa obra – e ela será eterna – somos homens de uma única mulher – assim foram os teus avós – assim fomos nós – assim serás tu – que o universo vos abençoe – hoje e sempre

 

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