29/09/2025

6. eu no boom – sei que vou voltar

 





e assim continuaram os dias. o boom é exatamente como as grandes metrópoles. noite e dia as pessoas revezam-se. umas dormem. outras seguram os astros sob o sol – quando escurece há nova romaria. chegam os festeiros com energia renovada. acendem estrelas e cometas. a lua incha de luz e a música corre pela imaginação de todos. os corações batem ao ritmo de cada vida. alegre ou melancólica – quando cansados os corpos estendem-se pela relva enquanto as almas continuam a saltar nas tendas: trance psicadélica. música eletrónica. até música dos anos sessenta. um espaço em forma de ovo. onde a única entrada é feita curvado. de gatas. entra-se e encontra-se um espaço com uma bola de cristal no teto – batida de discoteca. completamente insonorizada do exterior. e a surpresa é que quando te consegues endireitar dás contigo no meio de trinta ou quarenta pessoas num outro ritmo. outro mundo. que tu jamais esperavas encontrar ali – mas que em jovem conheceste e habitaste – o boom foi uma experiência transformadora. num espaço onde a liberdade  reúne as pessoas. toda a expressão é individual. e quando ligadas cria uma conexão humana incapaz de ser descrita. direi que se cria um núcleo de gente muito diversa. mas toda se sente una. livre. sem julgamentos – há pessoas de todo o mundo. e isso cria um movimento heterogéneo de culturas em partilha – música. arte. ligação à terra. à natureza. bem-estar. vive-se um estilo de vida minimalista. que bem aproveitado mostra que o mundo está inundado de coisas supérfluas. abrindo espaço à renovação interior. à limpeza da alma e do corpo. permitindo à mente descobrir novos eus. e expandir-se para lá do que a circunda – estar no boom significa também fazer parte de uma nova geração que se preocupa com os valores ecológicos. se entras no boom sem essa consciência. à saída já sentes que fazes parte dessa comunidade – sei que vou voltar. não por nostalgia. mas porque há lugares que se tornam espelho – e no boom vi o reflexo do que quero que continue a acontecer na minha vida: reconheci-me livre. inteiro e vivo – o boom não termina quando as luzes se apagam. fica em cada batimento. como já escrevi. senti e vivi. basta fechar os olhos. e nos meus silêncios. posso sempre preenchê-los com as suas batidas – estas batidas nunca se calam. e a água continua a ondular – por isso sei que vou voltar – há viagens que não se encerram. apenas recomeçam – voltar ao boom é voltar a uma aldeia sem fronteiras. o que faz de mim um homem também sem fronteiras. sem medo. sem guerras. e sem fome. onde cada rosto é diferente. mas todos se sentem parte da mesma tribo – eu encontrei esse mundo aberto – por isso sei que vou voltar


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