.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

20/06/2012

sr. antónio



 
antónio lobo antunes


faz já algum tempo comprei o último livro de crónicas do lobo antunes. vinha com um CD onde o próprio autor lê algumas das suas crónicas – quando o ouço. tudo é desarrumação. confusão. agitação – aquela voz rasga-me os tímpanos e o desgosto aparece: não sei escrever – agora também sabem o que ouço nas viagens solitárias. quer dizer. nas viagens que eu e o sr. antónio fazemos. eu carrego no acelerador. e o meu companheiro sempre a travar – não o trato por dr. porque sei que ele prefere ser tratado por sr. antónio – e as histórias gravadas dentro do meu corpo correm com o cd. sintonia. sinfonia. e tudo é orquestra. e tudo é música. e o absurdo sou eu a viajar dentro de uma outra viagem – a viagem é conhecida. uma parte do corpo em alerta. enfrenta as curvas com as mãos no volante. e o ouvido na convicção de que a voz do CD não se calará nunca. e por cada segundo falado. a certeza das tossidelas. das hesitações da voz. das pausas. e até o ruído de fundo das ambulâncias a gritar por socorro – ele é de carne e osso – há milagres que não sei explicar – e é aqui que me agarro à fé que me ensinaram a ter – lourdes. a minha segunda mãe. nome herdado da nossa senhora de lourdes francesa. sempre manteve uma amizade intensa com o divino e seus seguidores – não há anjo ou santo que não saiba que ela vive comigo. não há noite em que. entre um pai nosso e uma avé maria. não caia aos pés de um canonizado um pedido de proteção divina – lá em cima. alguém toma conta de que se passa aqui em baixo. mais cedo ou mais tarde. tudo se paga. os milagres só acontecem aos crentes – quase sou crente – incrivelmente o milagre acontece. cada narrativa regata-me da mediania. e as palavras dentro de mim agitam-se. alteram-se. crescem como se fossem um bailado russo. a lembrar rudolf nureyev – e tudo dentro de mim é divinal – há um novo sentir das palavras. uma nova descoberta. um terraço onde o fim do mundo fica adiado – afinal há outras vidas para além da vida gravada naquela rodela de tecnologia – há um novo sentir das palavras. uma nova descoberta. um terraço onde o fim do mundo fica adiado – e aquela voz serena. mansa. pacata a fazer desarrumação  – afinal há outras vidas para além da vida gravada naquela rodela de tecnologia – afinal ainda não ouvi tudo o que tinha para ouvir – será que alguma vez serei capaz de ouvir tudo? não creio – lobo antunes é como o labirinto de creta. quando entramos dentro do seu texto. a cada instante. somos devorados por um novo minotauro – felizmente lusitano – e. agora. há dentro de mim um homem com raiva de não saber escrever. este silêncio que ouço enquanto o ar desce aos pulmões. é o intervalo das palavras a nascer na boca do sr. antónio.  a trazer à vida dos humanos o conhecimento – ai se eu soubesse apanhar este silêncio escrito pelo antónio? separa a palavra do parágrafo. da vírgula. da interrogação. da exclamação. e o meu corpo a tremer por nada saber escrever – e ele continua a falar. e eu ali. escutando o que nunca tinha escutado. a felicidade presa à dor do belo. e a comoção feita na descoberta de um novo caminho para cada leitura – quando ouço lobo antunes sei que perco uma parte de mim. arrancam-me um pedaço do que sou para me ocupar com um pedaço do que é o antónio. e dentro de mim mora agora o desespero da descoberta: não sei escrever – hoje. quando entrei no automóvel.  mais uma vez não resisti. e lá fui. a ouvir o meu amigo – ele não sabe. nem nunca saberá. que por braga há um corpo preenchido com pedaços das suas palavras

 



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