21/10/2012
20/10/2012
o mundo onde meu dedo aponta
a minha parceira das palavras. vânia lopes. teceu o seguinte comentário ao meu texto sophia:
A simplicidade fala como a continuação
de uma música,
mar solto... desejava que não fosse
pecado escrever assim:
com o mar solto sem nenhum grampo impedindo a brisa.
mas... 'de costas para a realidade' (é
antes de tudo um abuso)
uma disritmia aos olhos de quem lê.
de qualquer diabo: escolho essa tal de
simplicidade dos olhos,
por ser absoluto de quem olha.
por hoje obrigada, mas não sempre
porque gosto de mais e mais. beijo
respondi com amizade:
que mais poderei escrever. que mais posso
entregar de mim. para dizer que a escrita é uma caneta e um olhar que guarda corpos
e objetos no papel – tudo o que é existência
é imagem – gosto de sentir. de contemplar. de ouvir. gosto de ver o movimento
das coisas. e os bancos vazios no jardim – gosto da solidão. do silêncio dos nomes
que não conheço. e das coisas com nome – gosto mais do mundo dos outros do que
do meu – dentro de mim. a ilusão de te escrever tudo o que sinto. o cheiro do meu
mar. o sol que cai por uma encosta que nunca subi. o vento sul a roçar as
folhas de levezinho. e as árvores a gemerem como sereias. encantando os pássaros-primavera
em campos de magnólias – escrevo – e os olhos. a ver cores que não existem para
ninguém. vejo eu porque sou irracional. idiota de um amor impossível – assim
sem saber bem como o fazer digo-te: quando escrevo sou eu. os outros podem ver
mais longe. as searas estão ceifadas e o fim do mundo é ali. onde o meu dedo
aponta. ali morrem todos os que querem ser poetas. ali onde os teus olhos veem
com os meus – um mundo que não existia antes dos poetas de verdade – como faço para
te dizer tudo isto que sinto. sem boca e sem arte? escrevo como sei. e o corpo. grande. está cada vez mais carregado
de coisas pequenas que não sei escrever
18/10/2012
escrever para ser
a
minha colega sandra fonseca escreveu o seguinte comentário ao meu texto sophia:
-
Ainda hoje li uma frase do poeta Ferreira Gullar que também diz bem do tema
desse belo texto: "A arte existe porque a vida não basta". É salvação
e vida, diz Sophia. E tão bem nos traduz neste ofício, palavra por palavra, no
teu silêncio aflito e ao mesmo tempo encantado diante dessa "felicidade irrecusável.
Nua e inteira." -
respondi agradecido:
é no meu silêncio aflito que encontro um
prazer que. até há pouco tempo. não imaginava ser possível conseguir – não há
forma de me reinventar. nem de ser diferente desta vontade única de continuar a
escrever o que sinto – escrever não pode ser um sofrimento sem sentido. tem que
ser um sofrimento feliz. como diz. e bem. a conceição roque silveira – é esse sofrimento
feliz. sempre acompanhado por johann sebastian bach - orchestral suite nº 3.
que procuro na minha escrita – escrever a cada dia melhor é absolutamente
imperioso. pois só assim serei capaz de transmitir com verdade o que vivi. o
que vi. o que senti. o que sou. e o que gostava de não ser – gostava de me
saber escrever no olhar de cada leitor – utopia? sim. desistir? não
16/10/2012
a porra dos elogios
a minha camarada da escrita conceição roque silveira escreveu o seguinte comentário ao meu texto sofhia:
"Já eu acredito que há génios dentro de
nós nalgum momento da vida, ou em vários; não sei que te dizer sobre os que
tens, mas acredito que os mostras cada vez mais a cada dia, a cada texto, que
ser génio não é ser perfeito é ter essa capacidade de caminhar, seja na vida,
ou por dentro de si e isso é de algum modo felicidade. Eu noto na tua escrita
uma espécie de sofrimento feliz. Ah, sempre tive uma admiração pela poesia de
Sophia."
respondi grato:
palavra que não sei como te dizer – sei que
não lido muito bem com elogios. tenho medo. obrigam-me a algo que não sei
explicar. talvez me obriguem a ser melhor. não um não ser melhor. mas um ser
melhor trajado a rigor. assim como quem vai a uma festa de gala. na entrega de
um prémio. uma coisa importante – às vezes penso que sou mesmo muito confuso a
escrever. quando tomamos café sou muito mais povo. mais popular. mais arteiro.
mais humano. mais desajeitado para dizer coisas – mas há um elogio que gosto de
ter. de preferência muitos. às centenas. escritos. orais. sinais de fumo.
gestuais. sei lá. tudo o que possam encontrar e que faça o corpo estremecer.
que faça os olhos humedecer de timidez. e o cérebro dizer-me que ninguém chora
por tão pouco. para. guardar essa lamechice para a dor. e não para a alegria.
porque estes elogios são fruto do esforço. numa luta gigantesca entre o que
posso dar e o que gostaria de dar: tentas ser a cada dia um pouco melhor – mas
sou assim. e a porra das comparações sempre a dizer que ainda tenho que ser
mais. e que os outros são todos muito melhores do que estas palavras que
encontro para dizer que sou feliz como nunca fui a escrever – sou tão feliz que
respondo desta forma. não por vaidade. não porque gosto de textos grandes. não
porque tenha muita coisa importante para te dizer. respondo assim porque sou
feliz a escrever. porque descobri que esta é a única forma de dizer coisas boas
às pessoas que as merecem – sofrimento feliz? sim. sim porque gosto. e gosto
porque me define em todos os silêncios que encontro para escrever – sou tanta
coisa que não quero ser. e o que sou mesmo acabo por não ser – ah que raiva que
tenho de não poder escrever tudo o que penso. se soubesse. tenho a certeza de
que ficarias mais feliz. e eu mais sossegado por saber que disse exatamente o
que queria dizer. e queria dizer tanta coisa. escrever-te assim como se
estivesse a falar contigo. com os braços a gesticular. e o corpo a gemer de um
lado para o outro. os olhos a inchar e a desinchar. e eu a abanar-te.
implorando que me dissesses com os olhos que me compreendias. assim como eu me
compreendo quando estou lúcido – raio parta este comentário. e eu por aqui sem
saber se disse tudo. ou se como em quase tudo na vida. me fico pelas metades. o
que por esta idade já não sei se é defeito. ou a ambição de querer fazer sempre
cada vez mais coisas – não estou louco. acredita. nem perdi a noção do papel já
gasto. estou assim como quem sabe que a felicidade é feita de coisas pequenas.
de palavras pequenas. de maçãs vermelhas enormes. e de um mar cheio de gaivotas
que por serem donas do vento são donas do rumo que querem dar à vida – eu quero
ser feliz. só
14/10/2012
sophia - a felicidade irrecusável
não há génios. nada me dizem as palavras
quando de costas para a realidade – todo aquele que trabalha à procura da
palavra mais que perfeita. sofre – escrevo acoberto de paredes brancas. tudo é
branco. tudo menos a abertura da janela dos olhos – entre o olhar e a luz uma
maçã enorme. vermelha e imóvel brilha no tampo da mesa – na parede o reflexo
distorce a verdade – sombra – duas realidades. dois tamanhos para um só objeto –
na janela o caixilho quadrado guarda um mundo que se quer azul oceano. encoberto
por um tule feito em ponto cruz. um círculo sem princípio nem fim. transparente
– tudo o que é mar é brilho. tudo menos os barcos à vela pousados num horizonte
que a cor dos olhos desconhece – presas ao caixilho quadrado as gaivotas voam
em círculo – às mãos o trabalho. aos olhos a contemplação. ao coração o
sentimento – como artesão. de sol a sol. procuro nas palavras o fabrico do belo.
faço-o num silêncio aflito que por ser só meu ninguém sabe que existe – há
neste escrever “uma felicidade irrecusável nua e inteira”
*dedicado
a sophia mello breyner
nota
de autor:
sofhia
mello breyner aquando do seu discurso de 11 de julho de 1964. na sociedade
portuguesa de escritores. na entrega do grande prémio de poesia à sua obra
livro sexto:
“A
coisa mais antiga de que me lembro é dum quarto em frente do mar dentro do qual
estava, poisada em cima duma mesa, uma maçã enorme e vermelha. Do brilho do mar
e do vermelho da maçã erguia-se uma felicidade irrecusável, nua e inteira. Não
era nada de fantástico, não era nada de imaginário: era a própria presença do
real que eu descobria. Mais tarde a obra de outros artistas veio confirmar a
objetividade do meu próprio olhar. Em Homero reconheci essa felicidade nua e
inteira, esse esplendor da presença das coisas. Eu também a reconheci, intensa,
atenta e acesa na pintura de Amadeu de Souza Cardoso. Dizer que a obra de arte
faz parte da cultura é uma coisa um pouco escolar e artificial. A obra de arte
faz parte do real e é destino, realização, salvação e vida.”
09/10/2012
café com saudade
amora - dila santos
Café Com Saudade
Um dia provei do teu açúcar a leveza na brevidade de um beijo de amor
- iguaria que no céu da boca se derrete, qual estrela de polvilho.
...Como lembrança de uma
infância morna, o teu gosto distante visita-me a língua,
à mesa do café.
a xícara também sofre,
quebrada na borda.
*
amora. heterónimo de dila santos. colega brasileira pela qual
tenho uma grande admiração pelo modo suave e belo como encontra as palavras
para os seus textos – escrita melodiosa que abraça o leitor e o leva a um
estado de grande satisfação interior – ler-te é um abraço que não acaba nunca
08/10/2012
ocupação silenciosa
05/10/2012
escrever é um ponto sem final
há uma agitação dentro do corpo. os órgãos imploram liberdade
às palavras – não sei se alguma vez serei capaz de largar as palavras das mãos.
sem perceber o que cada uma de mim leva – tenho medo. tenho muito medo das
palavras – há tanta coisa que desconheço das palavras. são sempre tão
complicadas. difíceis. problemáticas.
com tantos sinónimos. a dizer tanta coisa ao mesmo tempo – as palavras amedrontam-me.
assustam-me. como o vento norte. que anuncia sempre mau tempo e o bater das
portas não para. e vão para lá e vêm para cá. e o corpo perdido. sem saber o
que lhe atravessa a porta – sempre que as palavras partem deixo o olhar fixo à
procura de ouvidos que as queiram colher. como se colhe o centeio da terra que sacia
a fome às bocas – e o medo ergue-se como um novo adamastor. esculpido por palavras
que levam consigo tudo o que é meu. e o corpo em mar navega com terra à vista.
em desassossego. inquieto. receoso afunila a esperança para quem as quer colher:
adota. não adota – há certezas que desaparecem entre a boca e os ouvidos de
quem escuta. e na caverna auditiva o monstro aparta as palavras. boa. má. boa.
má. e tudo é diferente para sempre: deixei partir o que só eu sei dizer e os
outros ficaram a saber o que eu nunca disse – não há lábios íntegros nem
ouvidos puros – e depois. a incerteza que nasceu comigo. tudo é difícil. tudo é
dúvida. tudo é terror. e o dia sempre a puxar para o escuro. e ao longe as nuvens
correm sempre para norte. e as mãos sempre pequenas num corpo a quer crescer mais
que as palavras – não consigo descansar da aflição de saber se o que escrevo é
verdade. a cabeça a dizer sim. as coisas no papel a dizer não – a arte do
pregador é falar. e a do escritor é escrever. e eu não sei nem uma coisa. nem
outra – porque me castiga deus com tanta palavra hesitante – a cabeça teimosa a
dizer que sim com mais força. e acena. e acena. e as lombadas dos livros
viradas para a parede. estou de castigo – um escritor é feito das palavras que
escreve. mas eu escrevo sempre menos do que desejo – e a cabeça continua a
acenar. imagino então que todos são como eu. tolos. feitos de palavras que não
existem em papel. nenhum escritor escreve em papel o que lhe cai nas mãos. aquela
sensação de calor. a falta de ar. o desassossego. os ossos a partir de cansaço.
e as lágrimas a escorrer por dentro e por fora. os olhos perdidos do corpo
lutam por cada página do dicionário. folha para trás. folha para a frente. da boca
um raio parta isto. não há sinónimo para a palavra felicidade sem esta maneira
de dizer as coisas – e o corpo reclama escrita. e escrevo resmas e resmas de
papel para dizer nada. nada que os outros entendam – e a loucura agora tem
nome. atestado por um médico – está louco. já não reage à medicação. não
consegue abandonar a obsessão de que um dia todas as palavras terão sentido
– – façam o favor de internar este pseudoescritor. não
esqueçam: colete de forças e sala branca por tempo interminável. até que faça
outra avaliação do seu estado mental –
sempre
que junto palavras invento-lhes uma nova vida. ricas. poderosas. fortes. elegantes.
viajadas. a falar francês. inglês. bem vestidas. reconhecidas e sempre a
apontar para mim – mentira. tanto quero
dizer. mas no fim do parágrafo resta apenas um ponto final – também eu tenho
que por um ponto final nesta forma de escrever. tenho que largar as palavras
tal e qual como elas me erguem do chão. não posso senti-las de uma forma e
depois entregá-las ao leitor de outra. têm que partir sem erosão. sem
polimento. sem brilho. sem maquilhagem. têm que partir do que sou. do que sinto
em silêncio. quando encostado ao pulmão coloco as pernas em cima do coração.
para facilitar a circulação sanguínea. incham-me os pés e com os pés inchados
as palavras incham também. e fico com os canais lacrimais entupidos. não sei
escrever sem chorar – se as palavras
fossem choro era fácil. uma música. uma voz. e a liberdade era a grândola vila
morena – se as palavras fossem gaivotas era fácil. um dia de sol. um pouco de
vento e a liberdade eram asas – se as palavras fossem peixes era fácil. um
oceano. uma onda. e a liberdade eram barbatanas – se as palavras fossem saudade
era fácil. uma recordação. uma foto na mão. e a liberdade era memória – se as
palavras fossem vento era fácil. uma criança. uma praia e a liberdade era um
papagaio de papel – se as palavras fossem um homem era fácil. um papel. um poema
e a liberdade eram as metáforas – não há liberdade para as palavras que
escrevo. elas são eu. e eu estou preso em cada uma delas – eu sou a prisão das
palavras. as palavras as grades da vida
02/10/2012
a patologia das palavras
“Só há uma diferença entre um louco e eu. O louco
pensa que é sadio. Eu sei que sou louco.” – salvador dali
acontece-me algumas
vezes quando escrevo um texto literário. chego ao fim sem compreender
uma única palavra do que escrevi – o corpo cai em depressão – digo o corpo porque
tudo começa a funcionar mal. cabeça. coração. olhos a lacrimejar. mãos a
tremer. sensação de temperatura elevada. boca seca. e o número de emergência do
INEM não me sai da cabeça – agoniado. aguento conforme posso. sei pelo passado
que a solução. na maior parte destes casos. só aparece com o passar do tempo – volto
a ler. reescrevo este ou aquele pedaço de texto. corto aqui. retoco acolá. adiciono
umas quantas palavras novas. e pronto. sinto-me outro. e tudo agora no corpo
são olhos abertos à segurança – o tempo e o trabalho curam tudo – mais calmo. mais
lúcido e certo de que o meu suporte de vida aguentará até ao próximo texto. caio
em mim. percebo que tudo não passou de um momento tresloucado do cérebro. um
tipo de loucura estranhíssima que geralmente ataca alguns jovens que teimam em escrever.
os loucos que gostam de passar o seu tempo livre a ligar palavras – ainda existe
muita falta de informação acerca destas perturbações doentias. de gente que
abdica de quase tudo. cinema. futebol. café. TV. amigos. sono. para escrever o
que ninguém lê – somos quase sempre incompreendidos. a
pergunta que nos colocam constantemente é porque insistimos em escrever o que ninguém
lê. ou considera inútil – não é fácil explicar esta necessidade doentia de
colocar em papel todas as palavras que diariamente explodem dentro da cabeça. fragmentando-se
em mil e uma interrogações que também eu não sei responder – é loucura dizem os
mais céticos – começo a acreditar no
jeito como esta gente nos olha. desconfiados – estes jovens que escrevem têm realmente
problemas que. aos poucos. tendem a inclinar o corpo para o grave ou muito
grave – estas anomalias ou perturbações patogénicas do cérebro. temporárias ou permanentes. cada vez mais frequentes no meio
literário. não foram ainda suficientemente perigosas para que o meio-técnico-científico dedicasse mais tempo e meios capazes de enfrentar. tratar ou minorar.
estas crises de quem quer escrever tudo o que pensa – sabe-se. no
entanto. que um pequeno grupo de cidadãos ligados à área das letras. professores.
escritores. poetas. filósofos. pensadores. entre outros. continuam à procura de
uma razão plausível para estes devaneios cerebrais – a patologia estuda as
alterações físicas e mentais. no caso dos escritores. as causas estão
identificadas. mas o meio científico ainda não reconheceu onde o gene se altera.
levando um homem comum a transformar a raiva em palavra. forte o suficiente
para gerar um texto literário incompreendido até pelo próprio autor. quando
este recupera o seu estado normal – o que se sabe. segundo os estudiosos
ligados a este ramo de desvios. é que estas mutações podem ser causadas por um
vírus. ou por erros de cópia do material durante a divisão celular. por
exposição a radiação. ou mais grave. por influência direta ou contacto com
outros seres humanos que. acometidos da mesma maleita. também escrevem coisas
que a maior parte dos humanos é incapaz de perceber – estou
em crer que este interesse. do corpo científico que estuda problemas do foro
neurológico. ao crescente aparecimento de textos que não servem para coisa
nenhuma. ainda não mereceu a devida atenção – uma das razões que aponto para
este “facilitismo” por parte das entidades responsáveis da saúde intelectual pública
a nível mundial é. a de que até à data não há nenhum ato de violência associado
aos criadores destes textos destoantes. impercetíveis. tresloucados. estes
limitam-se a levar para o papel um conjunto de palavras que não chega a lado
nenhum e ponto final – um neurónio desce pelo braço. mão. dedos e acaba morto
no fim de um parágrafo. cravado no peito com um ponto final