.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

16/10/2012

a porra dos elogios




amadeo de souza cardoso


a minha camarada da escrita conceição roque silveira escreveu o seguinte comentário ao meu texto sofhia: 

 

 "Já eu acredito que há génios dentro de nós nalgum momento da vida, ou em vários; não sei que te dizer sobre os que tens, mas acredito que os mostras cada vez mais a cada dia, a cada texto, que ser génio não é ser perfeito é ter essa capacidade de caminhar, seja na vida, ou por dentro de si e isso é de algum modo felicidade. Eu noto na tua escrita uma espécie de sofrimento feliz. Ah, sempre tive uma admiração pela poesia de Sophia."

 

respondi grato: 

palavra que não sei como te dizer – sei que não lido muito bem com elogios. tenho medo. obrigam-me a algo que não sei explicar. talvez me obriguem a ser melhor. não um não ser melhor. mas um ser melhor trajado a rigor. assim como quem vai a uma festa de gala. na entrega de um prémio. uma coisa importante – às vezes penso que sou mesmo muito confuso a escrever. quando tomamos café sou muito mais povo. mais popular. mais arteiro. mais humano. mais desajeitado para dizer coisas – mas há um elogio que gosto de ter. de preferência muitos. às centenas. escritos. orais. sinais de fumo. gestuais. sei lá. tudo o que possam encontrar e que faça o corpo estremecer. que faça os olhos humedecer de timidez. e o cérebro dizer-me que ninguém chora por tão pouco. para. guardar essa lamechice para a dor. e não para a alegria. porque estes elogios são fruto do esforço. numa luta gigantesca entre o que posso dar e o que gostaria de dar: tentas ser a cada dia um pouco melhor – mas sou assim. e a porra das comparações sempre a dizer que ainda tenho que ser mais. e que os outros são todos muito melhores do que estas palavras que encontro para dizer que sou feliz como nunca fui a escrever – sou tão feliz que respondo desta forma. não por vaidade. não porque gosto de textos grandes. não porque tenha muita coisa importante para te dizer. respondo assim porque sou feliz a escrever. porque descobri que esta é a única forma de dizer coisas boas às pessoas que as merecem – sofrimento feliz? sim. sim porque gosto. e gosto porque me define em todos os silêncios que encontro para escrever – sou tanta coisa que não quero ser. e o que sou mesmo acabo por não ser – ah que raiva que tenho de não poder escrever tudo o que penso. se soubesse. tenho a certeza de que ficarias mais feliz. e eu mais sossegado por saber que disse exatamente o que queria dizer. e queria dizer tanta coisa. escrever-te assim como se estivesse a falar contigo. com os braços a gesticular. e o corpo a gemer de um lado para o outro. os olhos a inchar e a desinchar. e eu a abanar-te. implorando que me dissesses com os olhos que me compreendias. assim como eu me compreendo quando estou lúcido – raio parta este comentário. e eu por aqui sem saber se disse tudo. ou se como em quase tudo na vida. me fico pelas metades. o que por esta idade já não sei se é defeito. ou a ambição de querer fazer sempre cada vez mais coisas – não estou louco. acredita. nem perdi a noção do papel já gasto. estou assim como quem sabe que a felicidade é feita de coisas pequenas. de palavras pequenas. de maçãs vermelhas enormes. e de um mar cheio de gaivotas que por serem donas do vento são donas do rumo que querem dar à vida – eu quero ser feliz. só



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