.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

30/01/2014

ladainha para afugentar o mau olhado



                                                             a. j. s. azevedo
   

não posso mentir. estou proibido pelo meu passado – lido mal com injustiças. mas duvido que seja diferente da maioria das pessoas. injustiça é injustiça. e não tem tamanho para um homem de bem – se eu tivesse uma macieira no meu quintal. era fácil. dois coices fortes. e as maçãs podres no chão pela força da razão – ali ficariam. a entrar em decomposição na lama. no inferno do tempo. à boca dos infiéis da terra – o pecado nunca apodrece. precisa de ser devorado – da minha janela. retirado da arrelia. peço aos santos e demónios piedade – olhos no céu. acrescento dedos ao rosário. em contas que nunca dão certo na prova dos nove – um terço pelas vítimas do mau olhado. amém – um terço pelos desafortunados. deficientes e desbocados. amém – um terço pelas vítimas da ejaculação precoce. amém – um terço pelas doenças da próstata.  amém – um terço pelas mulheres da má vida. amém e. por fim. um terço por mim. que não gosto de me sentir assim. amém – mão no bolso. boca em forma de assobio. e o coração a dar o tic-tac. numa angústia de quem espera por um novo dia – o sol vai nascer novamente – e vocês. acreditam no mau olhado?

- volto já -

estou a pendurar no corpo uns amuletos contra o mau olhado. uma pitada de sal pelos cantos da casa e. a partir de hoje. as cuecas serão viradas do avesso 



retalhos – número de série 16012014s(r)ego06



tintoretto
   
 
depois de morto. não me roubem nenhuma palavra da boca

29/01/2014

alberto pimenta



alberto pimenta

 
 
ao que parece
parece que
os poetas
dizem o que dizem
diz um poeta

segue-se
ao que parece
segundo o mesmo poeta
que os poetas
dizem o que dizem
mas o que dizem
não quer dizer
o que dizem

os especialistas
uns dizem
que alguns poetas
querem dizer o que dizem
e outros
não

ora
quem sou eu
para discordar
de facto
também me parece
que muitos poetas
não querem dizer
o que dizem
quando dizem
o que querem

outros sim
quer dizer
pelo contrário
não dizem
o que querem
mas querem dizer
o que dizem

por exemplo
quando
le nouveau bec
d' assurancetourix
diz
que mais vale
uma ordem injusta
que a desordem
eu sei tu sabes ele sabe
que é isso
que le mec quer dizer



Alberto Pimenta, Resumo: a poesia em 2012, Documenta/Fnac, pp. 23-24. Originalmente publicado em De Nada, ed. Boca



27/01/2014

escrever reconcilia-me com a vida



 graciela rodo boulanger



introdução para contextualizar o aparecimento deste novo texto – “escrever reconcilia-me com a minha própria vida”

- mário osório comenta no facebook a minha crónica – “não é escritor quem quer”
- Mário Osório – um carpinteiro de palavras, não sei, mas escreves e és escritor, um daqueles com uma inteligência emocional maravilhosa, um toque muito próprio. é muito bom seguir-te, são viagens que valem sempre a pena - um abraço.

23/01/2014

sampaio rego – abraço mário. mesmo

23/01/2014
sampaio rego – "ler um livro é. para o bom leitor. conhecer a pessoa e o modo de pensar de alguém que lhe é estranho. é procurar compreendê-lo e. sempre que possível. fazer dele um amigo" – hermann hesse

obrigado. nuno [mário]. o abraço soube a pouco


23/01/2014

António Viana – Na leitura não há a procura de compreender quem escreve, há a procura de sermos compreendidos, assim como na escrita!

24/01/2014

António Viana – E não é escritor quem escreve, não faltariam escritores, eu por exemplo, é escritor quem sabe descrever a alma humana!

24/01/2014

sampaio rego – creio que estás a fazer um comentário sobre um meu comentário e não ao texto que o originou – confesso que só li um livro do hermann hesse – no entanto. já tive oportunidade de ler pequenos trabalhos académicos sobre este autor. meros apontamentos. face ao valor que representa a sua obra a nível mundial – um nobel é sempre um nobel. embora haja exceções – és bem capaz de ter alguma razão. todos temos sempre um pouco de razão quando trazemos ao papel o que nos vai na alma – no entanto. este comentário dirijo-o a uma pessoa que conheço pessoalmente. tive o prazer de poder usufruir da sua companhia na minha casa. com a minha família. em momentos especialíssimos para mim. nos jantares de domingo – o pensamento do herman hesse serviu apenas para reafirmar a estima e consideração que tenho pelo “mário osório” que vai muito além do homem que escreve no facebook. luso ou blogue – mas isso é outra história dentro da minha história – compreendo-te – estas coisas da escrita são como os medicamentos. como a penicilina. salva milhões. no entanto. alguns não a toleram e acabam por sucumbir – felizmente são poucos – o importante destas amizades virtuais é que. ao responder ao teu comentário. perdi a noção do tempo e das palavras – quando dei por mim. tinha duas páginas preenchidas – resolvi então transformar o meu comentário em mais uma crónica – chama-se: escrever reconcilia-me com a minha própria vida – irei postá-la de seguida. só me falta escolher uma pintura que lhe faça companhia

 

 


27/01/2014

António Viana – Sim, foi a um comentário teu e a outro comentador, sem querer por em causa quem fosse! Tento ao máximo não personalizar as minhas opiniões, mas sim ao que a pessoa diz. Há uma tendência geral para se dizer que quem escreve é escritor, ou em sentido mais restrito, quem faz "poemas" é poeta e nesse sentido dei uma opinião tentando desconstruir esta concepção, que eu vejo cada vez mais generalizada. Dentro da linha de não querer saber qual o nome que está por trás de uma afirmação, opinião, texto o que valha de manifestação, dei a minha opinião sobre o que Hermann Hesse afirmou, sem tentar beliscar ao mínimo a sua qualidade como escritor, poeta e também filósofo que aprecio. Nunca um nome influenciará opinião minha, poderá chamar-me mais à atenção, não mais do que isso. Fico contente por de alguma forma a minha intervenção ter ajudado um pouco à tua escrita, como contente fico quando assim acontece comigo, é sinal que estamos atentos e não só centrados em nós. Abraço.

27/01/2014

 
escrever reconcilia-me com a minha própria vida

 

escrever reconcilia-me com a minha própria vida – se existir uma tabela de preferências para o que nos leva a escrever e a ler. é óbvio que os motivos que apresentas estão. sem dúvida. no pódio dessa tabela – no entanto. no que diz respeito a mim. melhor dizendo. ao escrivão que escreveu o texto “não é escritor quem quer”. digo. com sinceridade. que as razões que me levam a escrever não disputariam os primeiros lugares dessa tabela – escrevo por necessidade – escrevo para fugir da solidão. quando o faço encontro-me – escrevo porque é com as palavras no papel que a minha verdade se torna eterna. ganha importância – escrevo para voltar ao passado e. com a lucidez do tempo que já me consumiu. encontrar razões coerentes para entender o que sou hoje – escrevo porque a escrita me obriga a ser autêntico – um ato nobre – escrevo porque sou feliz a guardar-me em papel. eu tenho uma história – sou feliz a escrever. a escrita recompensa; se assim não fosse. não o faria – dezenas de vezes escrevi nas minhas crónicas: o meu maior embaraço  é não saber falar – quem diria. eu que falo pelos cotovelos – não sei explicar nada com a oralidade. defeito do DNA – falo então a escrever. não é fácil. acredita que não. mas um dia. estou em crer. os meus filhos. mais maduros. na segunda idade dos porquês.  terão estes papéis para saberem um pouco mais do pai que escreve e. quem sabe. sobre eles próprios – quanto não daria eu hoje por uns papeizinhos escritos pelo meu pai. fiquei com tantas perguntas por lhe fazer. tantas mesmo – tenho a certeza de que são mais de mil. muitas mais – percebi tardiamente que o que nos distanciava na minha juventude é. agora. na meia idade. o que me torna mais parecido – sou tanto dele e não sabia – se mais nenhuma razão houvesse esta já seria suficiente para me fazer escrever – um dia os meus filhos também poderão ficar ainda mais próximos de mim – a questão que coloco muitas vezes é o motivo por que torno pública uma escrita quase sempre autobiográfica. interrogo-me se o deveria fazer – confesso. estou muito dividido nas certezas e nas dúvidas – por variadas razões entendi que o melhor era escrever – uma das muitas razões é esta que me leva a responder ao teu comentário: falar para ti. dizer o que penso – escrever o que sou. porque o sou. é para mim uma necessidade tão forte que não basta ser dita da boca para fora. tem que ser escrita – outra das razões é que só posso melhorar a minha escrita se a tornar pública – se não vos entregasse os textos não poderia aspirar a escrever sempre melhor. o esforço por encontrar as palavras certas deixaria de fazer sentido. bastaria um caderno de notas. cheio de erros. sem concordâncias. sem metáforas. sem hipérboles. sem sentimento. sem nada que fosse verdadeiramente meu. genuíno. bom ou mau. não interessa. sendo o que sou porque cada um é como é – se não me entregasse na escrita. para que serviria o corretor do word. para que serviria a gramática que tenho em cima da escrivaninha. os dicionários. para que serviria a voz de um filho a perguntar se uma qualquer palavra se escreve com um H ou um A – não quero compreensão para o que sou. nem para o que fui. quero apreço pelo esforço de encontrar as palavras mais acertadas para o que me proponho a falar – escrevo para marcar o tempo. como quem traça um trilho numa floresta com pedrinhas para saber o caminho de volta – quando escrevo. saio da alma. quando leio. entro na alma. mas. no final. seja na escrita ou na leitura. é para mim que quero voltar. sempre – escrever para mim não é fácil. não nasci com essa arte. e para cada palavra procurada a busca é quase sempre extenuante. fico sempre com a sensação de que nunca deixo ficar na escrita o sentimento que me acontece na alma – e assim digo: não sou escritor. mas gosto de escrever. gosto de fazer amigos com a escrita. gosto de saber que quem me lê entende que o faço com prazer. que dou tudo o que tenho e que sei para me compreenderem. como se lhes estivesse a amarrar as mãos – quando alguém me diz que sou escritor. está a dizer-me que gostou de tomar um café na minha companhia. que fomos ao cinema ver um filme qualquer apenas para estarmos um tempo juntos. que vimos uma partida de futebol e pulamos de alegria com um golo que não foi o da nossa equipa – quando alguém me diz que escrevo. diz-me para não desistir. diz-me. vai em frente. diz-me que já lhe chega ser o que sou. mesmo que nunca possa ser um verdadeiro escritor. por essas pessoas. já é importante terem-me nessa meia dúzia de palavras – escrevo para mim. gosto de mim quando escrevo. mas se pudesse mudar o passado tenho a certeza de que hoje seria muito melhor escritor. no entanto. não estou certo se seria melhor pessoa – o que não mudaria nunca era as pessoas que passaram na minha vida. elas são tudo o que sou hoje. não guardo culpados dentro de mim. sou o que sou porque em momentos da minha vida escolhi caminhar sem colocar pedrinhas nos trilhos que escolhi – quando nos perdemos por convicção. demoramos sempre mais tempo a encontrar o caminho certo para o que somos na verdade – escrevo hoje para que a verdade de amanhã nunca mais me atormente o passado – sei que o tempo muda o homem. amanhã poderei ser outro. mas agora tenho estes papéis escritos – quando escrevo. sou o que sou no momento. mas. em cada momento. nunca deixo de ser o que fui. e acredito nisso – eugénio de andrade escreveu um dia esta coisa maravilhosa. "Eu nem sequer gosto de escrever, Acontece-me às vezes estar tão desesperado que me refugio no papel como quem se esconde para chorar. E o mais estranho é arrancar da minha angústia palavras de profunda reconciliação com a vida." – também eu me reconcilio comigo a escrever

 



22/01/2014

não é escritor quem quer



fabian perez



não é escritor
quem quer


escrevo prosa. não sei escrever poesia – prefiro prosa. porque gosto de falar com pessoas. imagino-as a escutar o que escrevo. acenando a cabeça para cima e para baixo. dizendo sim. sim. como quem entende o que as palavras não conseguem dizer – as palavras nunca dizem tudo – quando escrevo. falo muito.  sempre mais do que o necessário – sou assim. o corpo pede e as palavras aparecem. acontecem – tenho muito medo de dizer pouco. escrevo. e o medo faz eco: estás a falar muito. estás a falar muito. centenas de ouvidos encolhem-se nas palmas das mãos em agonia – escrevo. escrevo mais. mais. resisto com palavras guardadas num pavor-silêncio. meu – e se não me entenderem? escrevo. escrevo como se andorinhas poisassem em mãos mascaradas de cabos de alta tensão. sacodem a penugem como eu sacudo letras – para elas não há inverno. cantam primavera em dias de chuva molha-tolos. esperança – sou tolo por gostar de escrever? não sei. palavra de honra. talvez seja – talvez a minha tolice derive de um conflito existencial: um corpo dividido em dois – de um lado o destino. do outro a fé de que todos os caminhos vão dar a roma – não é verdade. há caminhos para o nada. para um fim do mundo que nunca se alcança – haverá castigo pior do que saber que metade do corpo não descobre a sua outra metade cuidada? – não há – punição que não merece nenhuma das metades – talvez um dia alguém diga que a verdadeira obra de arte nasce da comparação entre o belo e o monstro. talvez – aceitação. as metades olham-se em compaixão. e as palavras lutam com a imobilidade do corpo. nada acontece às mãos – ali fico. estático. de olhos parados no nada. a gozar a antecâmara da morte num silêncio interior inimaginável – o que de mim resta guarda-me nos noturnos. tocados em acordes de notas graves. com arranjos de desilusão – só escrevo com música. é uma questão de ritmo. dizem que a música obedece a fórmulas matemáticas. talvez seja esta a única ocasião de me encontrar com a lógica – às vezes. não encontro nenhuma fórmula capaz de me atirar ao futuro. nem sequer uma insignificante regra de três simples. triste – tenho tantos dias onde não existo. tudo a permanecer no escuro. com tanta coisa sem nome. e o coração a bater ao ritmo de uma porta açoitada por vento tirano – um dia destes. apunhalo-me com uma palavra qualquer. ordinária – estou cansado. os dias estão mais rápidos. e a mobilidade torna-se mais difícil. estou a ficar com as costas tombadas. mais para a terra – os invernos chamam cuidados. frio. sempre que escrevo fico enregelado. e os brônquios a chiar. pingo no nariz e eu sem o lenço de mão – o pingo suspenso. fungo. escrevo. fungo. escrevo. repito – hoje tenho um adjetivo qualificativo importante para rabiscar: a minha escrita é uma palhaçada – e também um superlativo absoluto sintético: sinto-me sapientíssimo quando escrevo – contradição lunática. fungo – confesso que por cada dia de escrita o medo duplica e o desespero multiplica-se numa equação de resultado infinito – quem sabe hoje é o meu dia da sorte. e as palavras constroem-se numa primavera-abril sem águas mil – gracejo levemente. como se fosse uma daquelas pinceladas minúsculas de van gogh. colho o ramo de flores da sua jarra. girassóis brancos. e ato-as com dois verbos fortes: sou o que fui – escrevo. aligeiro mais duas linhas ao pensamento. se soubesse escrever com arte talvez o livro da minha vida estivesse no último capítulo. não sei – trago nas mãos palavras que não são minhas. ouvi algumas. li outras. senti muitas mais. e sem saber qual das partes do corpo resiste à incerteza – mas é nos silêncios da noite que encontro outras que não sou capaz de descrever. quer dizer. escrever – destino – paz à sua alma. luto eterno para um homem que nunca deixou de ser órfão – crueldade. ninguém deveria nascer com um destino já escrito – só quero que depois de morto não me roubem palavras da boca. peço – enfrento o que sou com o que fui. belisco-me. e parto ao futuro navegando à bolina numa agitação norte que nunca parou de anunciar desordem – agora. agora faço estas páginas de palavras para espalhar entre os justos. dizem que há muitos. e que basta procurá-los nos murais da modernidade – todos temos que ser qualquer coisa – o que sou eu quando não sou o que sou por obrigação? talvez um carpinteiro* de palavras. operário de palavras. soletradas por uma boca putrificada por uma inquietude autobiográfica 

 

– onde é que já ouvi isto –

passo tanto tempo a ouvir-me. e o corpo repete: desiste. desiste. o destino já está traçado – nunca compreendi a resistência dos órgãos ao suicídio – não me compreendo – talvez a palavra compreender não seja a mais indicada para definir esta coisa de querer dizer o que não pode ser dito por quem gosta de falar – não sei escrever. não sei falar. não sei ler o futuro. vivo num silêncio de barulho. sobrevivo – escrevo então com este barulho dos dedos a bater as teclas. dou-lhe com força para fingir que não estou apenas na companhia de um silêncio silêncio. e ganho coragem para escrever a palavra “graal”: aceito-me – aceito-me assenta melhor num corpo dividido – aceito-me. gosto da palavra. alivia a dor que nego àqueles que insistem na soma das partes – sei que existo porque me obrigo a escrever – aceito-me. é a palavra mais que perfeita – a palavra de quem escreve para implorar compaixão por uma dor sem nome – escrevo prosa porque gosto de falar

 

[*] – antónio lobo antunes -

 

21/01/2014

retalhos – número de série 08012014s(r)ego04



giovanni domeni

 
para onde foi troia
do heitor herói


talvez helena esconda
o motivo da traição

 

nuit des rêves - noite dos sonhos



edouard léon cortès



 que vos dizer. amigos…

de mãos dadas

com a paixão dos tempos

que por mim passaram

sou feliz!

 

de um lado. a torre eiffel,

do outro. l`arc de triomphe,

hoje. também meu

 

em degustação

o dîner;

“pavé de rumsteak grillé”

e um bom vinho de bordeaux

 

pelo olhar. deixo cair um je t`aime

em surdina. recebo um sorriso

depois.

um leve pisar do pé

e assim vivo

 

chegam “les desserts”

“mille-feuille a la vanille bourbon”

sem poder reclamar. o coração

diz mais um olá

 

somos assim!

agora. aproveitamos o tempo

café. “s´il vous plait”!

entre abraços. congelamos o frio

somos. afinal. meninos

e em chamas. deslizamos

pelo champs-elysées

 

em branco. pela iluminação

que agradece

acendemos mais uma luz.

 

nesta cidade de luz

paris. afinal necessitava de nós.

 

assim!

despidos para a vida

 

é noite

e por aqui andamos a escrever

o que um dia será passado

nosso. e de quem nos lê

 


 
02 de dezembro de 2009
 
 

16/01/2014

retalhos – número de série 07012014s(r)ego03



jean-michel folon
 

às vezes. estou só. imóvel. como a noite – dentro de mim. o desejo de trazer sonhos à realidade. matar a solidão e o escuro por inteiro. de uma só vez – com a raiva de uma palavra gelo – aos retalhos. já basto eu 




sou


gustave courbet


sou

sou

sou

mesmo contra vossa vontade. sou

não sou este

o que desse palanque cogitais

sou aquele

aquele que daqui

deste meu reservatório

de ideias. sou

sou assim

duro como pedra

mole como os pensamentos

tramados pelas mãos

sou

sou

sou

sou convencido no que sou

sou até um qualquer

sempre que quero

e quando não quero

também sou

hoje. por acaso. sou um ruído com olhos castanhos

vejo todos os sons com um sou

um sou único

talvez um sou com som

um que se ouve a si

para dizer:

assim serei

com o meu som. eu sou

sou

sou

sou

sou de um tamanho que já não existe

presente para o mundo

dos que nada são

sou afinal. um sou só

só porque sou teimoso

para não ser um sou dos outros

sou meu

sou do meu sou

talvez louco. sim. talvez

mas sou

sou

 
 

09/01/2014

goya






esta obra de goya não é muito conhecida. o primeiro biógrafo de goya. matheron. no fim do século XIX. ignora-a no catálogo das suas obras. o enfermo é o próprio goya – um autorretrato. o médico é o doutor arrieta. que o tratou de uma doença no fim da vida e. como presente. goya ofereceu-lhe esta pintura. atrás. veem-se os fantasmas. figuras do seu delírio – é uma pintura fantástica