.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

26/07/2014

mamading vs. mamareading – a verdadeira descoberta


imagem google 

 

os “camones” da europa poderosa andam por aí a dizer que inventaram o “mamading” – um jogo onde se troca sexo oral por bebidas alcoólicas – mentira descarada – esses gajos passaram foi pelo tasco da minha rua – aqui. há muito empo que se pratica 'mamareading' no meu café. isto é. mamas um café. e lês o jornal à borla – a mania destes “camones” até mete nojo – mas a culpa é nossa. se tivéssemos registado esta “mamada” no instituto nacional de propriedade intelectual. os bifas não andavam por aí armados em génios da invenção – arre. que raiva destes gajos – não há canal de televisão que não passe o mamading dos “camones”. quem os ouve até pensa que inventaram a pólvora seca – se o nosso povinho tivesse outra visão. quem apareceria nas televisões era eu. empinocado. a ler o meu jornal de notícias em paz no botequim da minha rua – mas tristezas não pagam dívidas – os descobrimentos também não foram obra do acaso. nascemos para as grandes descobertas civilizacionais – onde há fumo. há sempre um tuga com um fósforo na mão. a puxar fogo



25/07/2014

desilusão


victor rodriguez

  

implosão 
a luz liquefez-se
no instante

dissolvida
a imagem:
deixou de existir

vivem agora:
em mim
lembranças


friedrich nietzsche


friedrich nietzsche
 
   
 
"nunca é alto o preço a pagar pelo privilégio de pertencer a si mesmo"
 


24/07/2014

texto


alex andreyev
 
   
eutexto – tutextas – eletexta - elatexta – nóstextamos – vóstextais - elestextam – elastextam 


23/07/2014

narrativa na primeira pessoa



horace pippin

 
escrever é um desafio perigoso. digo eu. que quase não escrevo – as palavras mergulham num vazio quase imenso. quase branco. quase tecido por linhas desenhadas para se tornarem numa espécie de céu – infelizmente. o quase sempre desagua num caminho real para o inferno – tudo agora é ardor que arde sem se ver – enlaço a palavra nunca lida e aconchego-a num leito peregrino. como quem sabe que o fim da ilusão está para breve – a almofada deslumbra-se. finalmente. novos sonhos. acomoda-se nos lençóis e entrega-se por inteiro à luxúria do caminhante. é agora tomada pela loucura dos sinónimos – nem sempre as palavras dizem o que querem dizer. a ambiguidade arrasta-se de parágrafo em parágrafo. buscando o arco-celeste – não tarda e tudo é papel – o momento é do peregrino e da almofada. reflexão – gosto de palavras. são graciosas. harmoniosas. refinadas. as palavras são um eu em três dimensões – fazem abraços. alguns apertados. para toda a vida. ou apenas por um dia. um instante. ou a valer uma eternidade – há palavras que nascem com o corpo. não as aprendemos. são nossas. como a carne que se amarra aos ossos. como os olhos que as sentem. e as mãos que as escrevem. depois. depois basta uma almofada revigoradora. atravancada de penas do arcanjo gabriel. e tudo se converte em esperança – todas as palavras querem dizer algo. mesmo quando se calam – há palavras que são portas abertas. abismos que não morrem. vomitam profecias de guerra que duram para sempre – há quatro coisas na vida que não se recuperam: a pedra atirada. a palavra proferida. a ocasião perdida. e o tempo que já passou – o que está dito. está dito. nenhuma almofada pode mudar o rumo das palavras lançadas ao papel – o peregrino é o dono das palavras. do caminho. dos seus pés. do papel. o fiel depositário – nada do que está escrito é fruto da árvore que deu papel – o papel guarda a vida que acontece no interior do peregrino – se tens um livro na mão. o papel guarda. se tens uma folha. o papel guarda. se tens um lenço de papel. o papel guarda. até num  post-it. o papel guarda. o papel não é eterno. mas as palavras quando lidas passam milagrosamente à narrativa em primeira pessoa – eu li – sempre dás a eternidade ao peregrino – perfilam-se. armam-se. e como numa estratégia militar. marcham sobre os mais incautos leitores. e a narrativa em primeira pessoa cresce. cresce sem parar – de palavras algemadas. à carne em prisão. passam a palavras gaivota. livres. destemidas. audazes. palavras com alma – nunca me canso de falar de palavras. também não tenho mais nada para vos oferecer. são elas que traçam o meu destino – estas palavras não temem a luz. não temem a clarividência de outros saberes. não temem o julgamento da imperfeição. e eu. mais gaivota a cada dia. voo. cada vez mais narro em primeira pessoa
 

21/07/2014

josé luís peixoto - 21 de julho de 1984-2014



josé luís Peixoto

  

A Mulher Mais Bonita do Mundo


 
estás tão bonita hoje. quando digo que nasceram
flores novas na terra do jardim, quero dizer
que estás bonita.
 
entro na casa, entro no quarto, abro o armário,
abro uma gaveta, abro uma caixa onde está o teu fio
de ouro.

entre os dedos, seguro o teu fino fio de ouro, como
se tocasse a pele do teu pescoço.
 
há o céu, a casa, o quarto, e tu estás dentro de mim.
 
estás tão bonita hoje.
 
os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios.
 
estás dentro de algo que está dentro de todas as
coisas, a minha voz nomeia-te para descrever
a beleza.

os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios.
 
de encontro ao silêncio, dentro do mundo,
estás tão bonita é aquilo que quero dizer.

 
 

José Luís Peixoto, in "A Casa, a Escuridão"
 

18/07/2014

anatomia da sombra



inês dourado
  

eis que a manhã me entornou luz ao pé das pernas – agora. junto a mim. a sombra. feliz. sem olhos. sem ouvidos. sem boca. sem coração. sem nada de quem lhe deu vida – não tarda. chega a noite. e parte como chegou: sem nada – um dia. dar-lhe-ei tudo o que me pertence. e nunca mais será sombra feliz



15/07/2014

14/07/2014

a substância do preto


rembrandt

 

dou pelo nome de sampaio rego – escrevo. é na escrita que procuro reencontrar o acerto perdido – sei que a escrita não muda uma vírgula no passado. sei-o demasiadamente bem. mas preciso de escrever. preciso de me ver em papel. preciso de parar no presente. renovar-me. absolver-me do pecado. purificar-me – quando escrevo fico preso na eternidade das palavras – sinto o corpo escuro. preto. não. talvez quase preto. um preto de terylene. sombrio. opaco. débil. como quem vai desmaiar a qualquer instante. só as palavras brilham no branco. emergem densas. viscosas. tingidas de preto – preto. gosto da cor preto. é a cor mais escura de todo o espectro de cores. moldada através da mistura de três pigmentos primários: vermelho. amarelo e azul – preto pode ser apreço. etiqueta. morte. desolação. isolamento. medo. solidão. ausência de cor. ou apenas um modo de estar na vida – quem diria que três cores frondosas entranharam-me no corpo um preto-silêncio. preto–inseguro. preto-aflição – é assim o meu preto – escrevo preto. para experimentar a escuridão do meu preto procuro lugares ausentes do barulho. lugares cansados. lugares distantes da expectativa. das pessoas. da existência das coisas. das ruas. das sombras. da cama. da agonia. do pranto. do arrependimento – neste lugar da escrita. não há morte. já se morreu há muito tempo. e a vida acontece em flaches sombrios. ácidos – gosto do preto. gosto do silêncio entranhado no preto. gosto da raiva de língua preta. do fumo preto no pulmão. dos pássaros pretos. e de gatos também. trazem azar. quem diria. gosto do preto que se faz mulher. que me abraça num amor que é ferida. que dói. dói a correr. dói à frente do corpo. mas dentro. dentro é insuportável – amo o preto. nunca aprendi a amar outra cor – o preto é sempre tão aconchegante. e eu. sempre frio. sempre isolado. sozinho – no preto o silêncio é quase absoluto. raramente falamos. sussurramos. às vezes um desabafo em voz mais grossa para prova de vida – o silêncio é nosso. vive no preto desde sempre. nos arredores da vida. no descampado inútil. nas montanhas perdidas. nas cidades desertas. sem sirenes. sem ambulâncias. sem gente maltratada. sem cães vadios. sem velhos. sem portas. sem cartas e carteiro. sem nada que faça contraste com o preto – o preto é a minha companhia. fundimo-nos. todas as noites ali estamos. namorados eternos. consumindo escuridão. enrolada num charro de erva. a alucinar. a causar pânico. paranoia. terror – a noite demora sempre mais que o dia. mesmo no solstício de verão – são sempre tão demoradas. negras. a cobrar sentimento – é única cor que nunca me abandonou. não sei viver sem a escuridão do preto – gosto do preto. habituei-me a gostar. deram-me à nascença. e por aqui foi ficando. para sempre. acredito – já não conseguiria viver sem este negrume. sem este contentamento descontente – tenho medo de me perder numa overdose de contentamento. já não tenho raiva por amar o que é meu por destino. amo o preto da mesma forma que amo as pernas e as mãos – sem o preto. não caminhava. sem o preto. não escrevia – à minha volta só perdura o que é preto. gosto de preto-certeza em oposição a um branco-ilusão – tudo o que tenho como certo é preto – lembro-me de andar vestido de preto. era interminável. o preto fazia-me maior. mais elegante. mais atraente. mais confiante. mais “look”. mais. “jet set”. dono da rua e do destino do mundo – com ausência de cor lá partia: roupa interior preta. meia preta. calça preta. camisa preta. camisola preta. casaco preto e para cobrir todo o preto uma gabardine preta igual à que keanu reeves usava no matrix – caía-me que nem uma luva. que classe. como gostava daquele preto impermeável. não havia mau tempo que lhe roubasse confiança. o capote tomava conta de mim – acreditava que a gabardine preta me atiraria para um futuro perfeito – nunca haveria de acontecer – todo eu era preto. preto. um preto alegre [havia alegria no preto. nunca tinha feito luto]. preto-vida. só os olhos eram castanhos. com o tempo acabaram por escurecer. hoje. com ausência total de luz. tombaram para o preto – corpo preto. olhos pretos. palavra preta. vida preta – a cor é uma qualidade da luz. o preto sente-se – a palavra escreve-se a preto porque o preto é uma cor universal. só há noite porque há preto. só há morte porque há preto. e só há viúvas porque estas se vestem de preto. todo o sangue pisado fica preto. e o preto a dizer: és sampaio porque provaste que a cor das palavras vem da cor dos olhos de quem as escreve – quem lê não acrescenta cor. absorve cor – empírico – como sampaio não falo. tenho medo. o conhecimento mata cada vez mais escritores que gostam do preto: camilo castelo branco. antero de quental. mário de sá carneiro. trindade coelho. florbela espanca. o caminho da verdade é um calvário que a ninguém interessa – porque me daria a quem não compreende esta atração pelo preto? o autor escreve para si. escreve para fazer amor. e o orgasmo é a palavra sentida. a frase que dá sentido a uma vida que é apenas dele – viver o preto é vestir luto todos os dias pelo mesmo cadáver – sou sampaio. não sei se gostaria de outro nome. mas que importa. escrevo a preto. preto é inexistência de cor. na maior parte dos dias é inexistência de luz – escrevo o quanto baste para me fazer entender. enquanto leitor sinto que o que escrevo é tudo o que posso dar de mim. a palavra é um filho. um texto é uma família. um livro a perpetuidade. uma bem-aventurança que não existe para gente que nasce a gostar do preto – se o céu existisse de verdade. seria preto: vivo. límpido. soalheiro. carinhoso. generoso. justo. e não haveria uma única palavra escrita – ninguém escreve no céu que me impingiram nas aulas de religião e moral. nesse céu não há noite. nem mar. nem chuva. nem lua. nem peixes. nem árvores. nem os pássaros de ruy belo. há um deus que não me conhece – escrevo. escrevo palavras com a esperança de perpetuar o nome que uso nos silêncios pretos – escrevo gritos que guardo no corpo. ouço-os quando quero. e quando não quero. no meio das consoantes surdas só as vogais fechadas dão sentido a uma vida que se esgota a uma só cor. preto preto – como se odiasse. o amor grita: o amor só se faz por amor – aqui estou neste preto que já não é luto. nem amor. é rotina. onde o prazer não se cansa de marrar na cabeça de quem carece de escrever-se – escrevo. escrevo o momento – o escritor é um comunicador silencioso. um ventre grávido de si no tempo – escrevo porque não desisto de ser feliz. mas. mais do que ser feliz. escrevo porque quero continuar a viver. a única forma de escapar ao preto dos lutos – tenho medo. o preto devora toda a radiação luminosa – *“mas não me toquem nessa dor. ela é tudo o que me sobra – um homem com uma dor é muito mais elegante. caminha assim de lado como se chegando atrasado chegasse mais adiante”

 

Um homem com uma dor

É muito mais elegante

Caminha assim de lado

Com se chegando atrasado

Chegasse mais adiante

 

*paulo leminski




13/07/2014

12/07/2014

retalhos número de série 12072014s(r)ego19



françoise nielly
   

escrever é comunicar em silêncio – na escrita. sou mais de quem não conheço e menos do homem que escreve


não sei quantas almas tenho - fernando pessoa



fernando pessoa



Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: “Fui eu?”
Deus sabe, porque o escreveu.


Fernando Pessoa



04/07/2014

o homem sem caminho



théodore géricault
 
 

cortei as pernas. já não tenho mais caminho para fazer – para que quer um homem pernas que não o levam a lado nenhum? para nada – cortei-as em rodelas e pendurei-as numa figueira. oferenda à passarada necrófaga – um fim nobre para carne que já não serve – as árvores morrem de pé e não têm pernas



03/07/2014

triste é...



arnold böcklin

 

triste é estar só

triste! é não saber o que fazer

não saber o que pensar

não preparar o futuro

esquecer o passado

chorar sem saber porquê

desfrutar de lágrimas insossas

dizer não ao sim.

  

triste é não ver o pôr-do-sol

não sentir a chuva

o vento

o aroma das flores

o grito dos animais

os gestos mudos

os carros a passarem

o telefone a tocar.

 

triste é não poder vaguear

não sentir dor

escrever sem saber

largar os remorsos

partir os espelhos

ser o que não somos

ter medo do dia

querer o que não podemos

  

triste é não amar

não olhar

filosofar para o espaço

não ter hora nem abraço

não ter leito

paz ou capataz

correntes, amarras ou

âncoras.

 

triste é não ter poemas

livros com prosas

bíblias de amor

saudades finitas

pensamentos

pecados

omissões

guardiões.

  

triste é não ter mãe

esquecer o pai

estragar o fruto

congelar o sabor

ter um tempo depois

um adeus

uma cobardia

um fantasma.

  

triste é não ter memória

um abrigo

um choro de irmãos

um avô que te espera

uma avó que tricota

um vizinho

um amigo

um inimigo.

 

 triste é sermos diferentes

desprezados no olhar

referenciados e marcados

esquecidos

contidos e odiados

chorados

olhados

espoliados.

 

 triste: é apenas o contrário de alegre.

 

 

26 / 12 / 2002

 

"na companhia da solidão"

 

infindo


edda bettinzoli
 

das mãos

 

eclodiu com suavidade

a ideia

acorrentada a um fio de azeite

 

cresceu

talvez imensa

deixou de ser apenas um substantivo comum

adjetivou-se com superioridade

excedeu as preposições

 

esgotada

tombou – livro