pintura - remedios varo
às vezes
interrogo-me porque corro se nunca sei para onde vou. porque corro se
não tenho lugar que me espere. porque corro se ninguém me percebe –
e mesmo nos dias em que me aborreço de correr. corro em sentido
contrário. como se corresse para fora de mim e pudesse ouvir. repetidamente. a
voz da minha mãe – e cá estou eu neste mundo que não é meu. nem de
ninguém que corra sem fortuna – quando estou bem. corro. quando
estou assim-assim. corro. quando estou aborrecido. corro. corro
sem saber parar – corro como se descobrisse que o único caminho que me faz ser
o que não sou é aquele que faço a correr – corro e chamo pelo meu nome. e
pergunto-me: sou filho de quem se sempre que corro perco-me – sou
filho de quem se corro e não chego a lado nenhum – esta corrida não pode nascer
de uma bênção. nem de um barco. de um fado. ou
uma espécie de castigo onde o corpo implora para chegar aonde nunca
chegará – só o afecto me salva destas corridas sem tino. sem
destino. sem sentido – bem sei que tudo isto é muito confuso. às
vezes um pouco louco. desconchavado também. e tudo
porque aprendi a correr em vez de caminhar
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