.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

05/03/2021

eu. o colégio d. diogo de sousa e os padres





foto - google

 

I.

nesta história verdadeira e cruel não sei que idade teria ao certo. talvez os meus dez ou onze anos. mais coisa. menos coisa. estaria no primeiro ano do antigo ciclo [5º ano]. a pouco mais de um ano de transitar para o liceu sá de miranda – por essa época andava em estudos no colégio d. diogo de sousa. em internato diurno. tinha aulas de manhã. almoçava na cantina. e depois seguia para as salas de estudo. onde o silêncio ecoava como castigo. e os livros zumbiam os mesmos cânticos das sereias de ulisses: pediam rua. liberdade. amigos de verdade – de manhã ainda se passava com uma perna às costas. vários professores. disciplinas diferentes. e muitos intervalos para cavaquear – depois do almoço. era uma tortura enfrentar aqueles “catrapaços” num salão de alunos tristes e doridos. cabisbaixos. enterrados na solidão das matérias. em agonia. escabelados em páginas de contas. histórias de reis e poetas mortos – nunca me senti muito bem naquele ambiente sepulcral – em frente. amarrado à parede. o crucifixo com o meu cristo em agonia. com espinhos cravados em dor. por culpa do pôncio pilatos reza a história da igreja. talvez por isso. a compartilhar o meu sofrimento. também tinha uma coroa de espinhos na cabeça: a matéria para decorar – éramos ambos vítimas de homens poderosos. eu do meu pai que me tinha internado o dia inteiro no colégio – daí aquela frase de que deus é omnipotente. omnipresente e omnisciente faça sentido. não me largava um minuto – umas dezenas anos mais tarde desapareceu da minha vida. e das paredes. foi substituído pela indiferença. não queria saber se existia. ou não. se foi crucificado. ou não – sei que eu. tal como ele. ressuscitei para o mundo – éramos vigiados por um homem de confiança da reitoria. um bufo ao estilo de capataz. fazia quilómetros em redor da sala. numa vigia rude e atenta. ao menor ruído lá chegava o ameaço em voz de quem manda. pode: shhhhhhh. pouco barulho. e quando o burburinho subia de tom. também o ameaço subia para uma visitinha ao reitor – os seus olhos percorriam-nos a todos. um a um. e por cada passagem uma rusga minuciosa ao que tínhamos em cima da carteira. não fosse escondermos. entre cadernos e folhas. um almanaque de banda desenhada da disney – as regras eram para se cumprir sem qualquer tipo de exceção: cabeça enterrada até ao tampo da carteira. a matéria a um palmo dos olhos. e mesmo que o corpo vagueasse pelo infinito do mundo. era ali que estaríamos até que o sino batesse à retirada

 

II.

tudo era duríssimo. e demasiadamente cruel para miúdos de leite – este colégio estava ao nível do ensino monástico da idade média. com castigos físicos e emocionais duríssimos. não permitindo nenhuma forma de ligações interpessoais entre alunos e professores – era nula a relação de responsabilidade e confiança. todos os alunos eram tratados com um distanciamento frio. mecânico. sem nenhuma estratégia metodológica para as diferenças de aprendizagem entre crianças – não havia nenhum tipo de preocupação com a miudagem que tinha menor aptidão para adquirir os conteúdos programáticos – para o colégio da diocese de braga tudo dependia do tempo de estudo. ou da atenção com que se estava nas aulas – não sabeestuda mais – não sabe deita mais atenção – não sabeesforça-te mais – hoje todos sabemos que as coisas não se passam assim. há bons alunos que necessitam de muita ajuda e acompanhamento ao longo do seu percurso escolar – com o comportamento selvático de alguns [poucos] professores. não tenho dúvidas que a minha saúde física e mental foi afetada. e o desenvolvimento biopsicossocial seriamente danificado – levei muito tempo a reparar-me. para não falar na dignidade da criança humana que nunca se reparou completamente – hoje podemos falar destes métodos educacionais à vontade. mas naquele tempo não era assim. ninguém queria saber das monstruosidades praticadas nas salas de aula – a criança na escola não tinha direitos. nem legislação que a protegesse. o professor tinha sempre razão. e a sociedade aceitava estes desvios comportamentais dos educadores como uma forma de educação positiva. de preparação para a vida adulta – infelizmente nos dias de hoje os extremos tocaram-se. o professor não tem nenhuns direitos. e está completamente desprotegido em termos de legislação. e os alunos fazem o que querem – coitados dos alunos do antigamente. coitados dos professores dos nossos dias – para as crianças o melhor era o silêncio. porque o mais certo era ouvir que o professor deveria ter tido alguma razão para dar a sova. e só se perdiam as que caíam por fora


III.

nos dias em que tínhamos português. nenhum aluno fazia intervalo. ficávamos todos sentados nas carteiras a rezar em voz alta. todos. sem exceção. a implorar a deus que o senhor padre viesse bem-disposto. e não se fizesse acompanhar da sua vara de estimação – com os olhos pregados no crucifixo. completamente atemorizados. sem que conseguíssemos pronunciar uma única palavra que não fosse as preces a deus – era assim o intervalo – acreditem que era muito difícil uma criança ter vontade de frequentar aquela escola. digo criança porque vivíamos uma época em que éramos mesmo crianças inocentes. não havia instituições para nos proteger. não havia TV para denunciar os abusos dos professores. não havia internet para divulgar o terror que se passava dentro das instituições de ensino eclesiástico. e muitas vezes. não havia pai. nem mãe – se o reitor chamasse o pai. e teria que ser um caso muito grave. o castigo seria em dobro. levava-se do pai em frente ao reitor. e do reitor em frente ao paie ainda ficava com a recomendação para fazer o que fosse necessário. para o colocar no bom caminho – o importante era fazer dele um homem – o meu pai não se enquadrava de nenhuma forma neste perfil de homem rude. insensível e absolutistaa autoridade de um pai é respeitada pela sua bondade e pelo sentido de justiça – o meu pai. para a época. era na verdade especial. era um homem bom – mas mesmo tendo um pai compreensivo e justo. não tinha o à-vontade que os filhos têm nos dias de hoje – infelizmente os pais passaram a grandes amigos. a escravos dos filhos. esquecendo-se completamente que mais importante de que serem amigos é exercer a sua função paterna – é dessa figura que o filho necessita para crescer com uma saúde mental sadia. e um dia tornar-se também ele um excelente pai – chegar a casa. chamar o meu pai. e denunciar os maus tratos a que tinha sido submetido não era fácil – tínhamos medo de tudo. o conhecimento dos pais era muito diminuto. e o respeito enorme – se levássemos uma carga de porrada de um professor. por não saber a matéria de um trabalho de casa. não vínhamos para casa com lamentações. calávamo-nos muito caladinhos e aguentávamos – a educação era muito rígida e raramente pedagógica – terei que ser justo. também havia professores que eram um doce. bons educadores. a maior parte. mais as professoras. o problema estava mais nos homens. pouco dados a sorrisos e afetos. fruto de uma educação também ela deficiente em afetos de proximidade. mas grave grave. eram os senhores padres professores – a maior parte deles eram tirados às suas famílias em tenra idade. vinham na sua grande maioria das zonas mais recônditas do país. para seminários onde recebiam estudos e educação de homens. sem nenhum tipo de ambiente familiar. brutalizados por regras rigorosíssimas. e alguns nem no natal iam a casa por dificuldades financeiras – vivia-se muito mal naquela época. principalmente as pessoas do campo. sobreviviam com grande sacrifício. amarrados a um pedaço de terra que pouco lhes dava para fugir à pobreza e fome – grande parte dos seminaristas nunca tinham saído das suas aldeias. chegar ao seminário era a sua grande viagem. a primeira cidade que viam. a primeira casa com luz elétrica. com água canalizada. e a primeira cama só deles mesmo que partilhada numa camarata – os padres. num dia longínquo. também foram crianças. e também sofreram horrores ao perderem a sua família. ao perderem o único mundo que compreendiam – os seminários não criavam apenas ministros do evangelho. mas também inquisidores. determinados a acabar com os cábulas. com os meninos de bem. com aqueles que aos seus olhos tinham tudo para ter sucesso e não o aproveitavam – lembro-me perfeitamente dos seus nomes. como seria possível esquecer. mas não os transcreverei para papel. para a imortalidade de um texto. já faleceram. e se me mantive em silêncio até à construção desta missiva. não seria um homem de bem se divulgasse agora os seus nomes – passaram muitos anos e falando por mim. estão todos perdoados

 

IV.

numa dessas aulas. o senhor padre. professor da disciplina de português. perguntou-me um verbo qualquer. para responder tinha que me por de pé ao lado da carteira. não fui capaz de abrir a boca. nem me lembro se sabia ou não. mas o medo de errar era tanto que nada funcionava na mente – como não respondi levei o primeiro estalo. e como continuava a não responder. acabei a percorrer a sala toda ao estalo. até completar o círculo – não sei quantos estalos apanhei. sei que foram muitos. mas o que mais me custou foi a humilhação verbal que acompanhava o estalar das mãos. juntava aos estalos os mais diversos comentários depreciativos. como: burro. anormal. menino de bem. e por aí fora… até não ter mais adjetivos. e sentir que já não restava mais nada de mim – banhado em lágrimas. a chorar compulsivamente. dorido. marcado na cara. mandou-me sentar. e disse-me com a maior das crueldades: amanhã tens que saber os verbos todos. se não souberes voltas a levar o dobro de hoje. e assim será até que os saibas todos na ponta da língua – naquele dia já não almocei. não jantei. agoniei logo a seguir ao jantar disse à minha mãe que não estava bem. tinha frio. possivelmente estaria a chocar uma gripe – pedi uma botija de água quente e fui para a cama dizendo que estava mal e me doía o corpo todo – doía-me muito mais a alma do que o corpo – deram-me o termómetro. sorrateiramente cheguei-o à botija de água quente até que a febre se transformasse numa preocupação para os meus pais – assim foi. fiquei a escaldar. metia dó. e os meus pais com a mesma pena – tomei um qualquer antipirético. e assim passei a noite doente da alma. com pesadelos e temor – creio até que de noite ainda levei mais umas quantas bofetadas do senhor padre

 

V.

pela manhã voltei a redobrar as queixas. mais febre e mais dores no corpo. e voltei a receber o termómetro para comprovar o meu estado febril – como não tinha botija. já estava fria. e havia um aquecedor de barras no quarto. liguei-o. deixei-o incandescer. encostei o termómetro às barras vermelhas. mas calculei mal o tempo e acabou partido nas mãos – pensei que estava entregue ao diabo do professor. comecei a sentir novamente os estalos na cara. e a preparar-me para mais uma volta à sala – mas lá consegui enganar a minha mãe com mais queixas e mais mau estar generalizado e limitativo. acabando por ter permissão para ficar na cama o dia todo – no entanto. obriguei os meus pais a ligar ao colégio para informar o senhor padre da minha doença súbita – foi assim que me safei de levar mais uma carga de porrada e humilhação – recuperei rapidamente. e o dia seria passado em paz. acreditando que a promessa do senhor padre professor caísse no esquecimento – de qualquer forma tinha ganho mais uns dias para estudar os verbos. havia esperança

 

VI.

o problema é que os meus pais ficaram preocupados e partiram em busca dos cacos do termómetro nos lençóis. mas principalmente do mercúrio que era perigoso em contacto com a pele – voltas e mais voltas e nada. estava tudo junto ao aquecedor. fui obrigado a contar o que sucedera – felizmente o meu pai colocou-se ao meu lado. não gostou de saber que o filho tinha apanhado uma sova como ele nunca tinha sido capaz de a dar – acabou tudo numa conversa azeda com reitor do colégio. deixando-lhe um recado em jeito de ultimato: proibia. terminantemente. o senhor padre de me voltar a tocar – mais tarde soube que para além da proibição também deixou bem claro de que se me voltasse a tocar o partia em dois. foi mesmo com esta frase que brindou o reitor – sendo um colégio privado nem sei como não nos puseram na porta da rua. possivelmente com medo do escândalo – só tive pena foi não ter tido conhecimento na altura. tinha posto o senhor padre a dançar o bailinho da madeira – mas na verdade nunca mais me tocou. o que foi uma mudança significativa na minha saúde mental. mas os meus colegas continuaram a sofrer torturas consecutivas. principalmente o zé das calças. um miúdo rural do alto minho que não tinha caído nas graças do senhor padre – não estou a exagerar quando digo tortura. nem ninguém me contou. foi com os meus olhos que vi os meus camaradas de turma serem varejados até que o sangue lhe escorresse pelas pernas. cabeças abertas. e muitos rebolões pelo chão com gritos abafados de dor. e se a dor subisse de tom levavam mais – já nem faço entrar em contas as bofetadas e varadas ocasionais. isso eram apontamentos para que a matéria ficasse mais rapidamente memorizada. o pai nosso de cada dia – toda esta brutalidade porque crianças não sabiam a porra da matéria

 

VII.

foram dois anos muito cruéis. senti-me um prisioneiro de opinião desterrado para um campo de concentração e tortura. uma coisa assim parecida com o tarrafal – foi um período muito complicado. várias vezes me questionei o porquê do meu pai me ter colocado naquele inferno. já que tinha sido um belíssimo aluno na primária – acordar era muito custoso. pegar nos livros. a cruz que tinha de carregar todos os dias – lembro-me bem de ao deitar rezar para que deus me protegesse dos padres. principalmente do senhor padre de português. e me tirasse daquele colégio medieval – é verdade que estava habituado a afetos e mimos. não os que se dão hoje aos filhos. que os abraçámos e beijamos dúzias de vezes ao dia. mas afetos de uma família tranquila. com o meu pai a respeitar a minha mãe. a dialogar. a falarem de trabalho. isso era diário. vivia numa casa de família – naquele tempo a minha casa era já especial. a minha mãe era independente e com uma presença forte no seio familiar. emancipada e senhora do seu valor profissional – faz três anos em dezembro que a minha mãe faleceu. ainda não consegui escrever nada sobre ela. e tenho tanto para escrever e contar. foi uma mulher fantástica. a história da nossa família não se pode contar sem a glorificar. foi a sua capacidade de trabalho e sacrifício a razão do nosso equilíbrio familiar. uma mulher obstinada pela profissão. líder. era ela que. com pulso de ferro. controlava toda a produção da empresa e fazia aquela máquina trabalhar – o meu pai amava-a. apesar do seu lado combativo. e de o obrigar constantemente a regressar à realidade crua de patrão. com algumas dezenas de colaboradores pouco habituados aos ritmos diabólicos de uma indústria nova na nossa cidade – mais tarde também eu pude provar dessa realidade difícil. não era fácil manter a ordem e disciplina com funcionários tão desqualificados. era preciso muito vigor e método no trabalho. e isso era responsabilidade da minha mãe – naquele tempo era tudo difícil e pobre. patrões e funcionários sofriam para levar uns tostões para casa – a minha mãe era o equilíbrio da balança. e a única capaz de tirar o meu pai do mundo dos afetos e sonhos. mas ele amava-a. talvez até por esse seu lado de guerreira – já adulto também eu questionei esse lado afetuoso do meu pai. e só muitos anos mais tarde. percebi que era ele que estava certo. esse lado era a sua essência. pedir-lhe para que fosse diferente foi um erro. deixaria de ser meu pai. e eu também deixaria de ser o que sou – maldita juventude. faz-nos coisas terríveis – de uma coisa tenho a certeza. amava a minha mãe. tinha essa grandeza no olhar. sempre foi doce para a sua carolina – foi o seu grande amor – só o entendi muitos anos mais tarde. mas tive que crescer imenso. imenso mesmo. para compreender que o amor precisa [também] do saber da idade – o envelhecimento transformou-me. aos poucos aquilo que era importante deixou de ser. o que pensava que era defeito. é afinal um direito de cada um fazer o caminho que entende ser o melhor para si. o seu DNA – o meu pai fez o dele e confesso que demorei muito tempo a compreendê-lo – comecei então a perceber que afinal quem estava errado era eu. ao priorizar o que na verdade não tinha valor – esse é um dos meus maiores arrependimentos em relação ao meu pai – mas sim. eramos uma família de gente boa. o tempo acabou por me mostrar esse nosso lado. esse lado justo. de valorizar a vida. a família. e o trabalho – os bens materiais para o meu pai nunca foram uma prioridade – talvez por isso me custasse tanto a perceber como me tinha abandonado num colégio imundo. sem calor humano  

 

VIII.

um dia. para que todos percebam melhor o que era o colégio d. diogo de sousa. quando ganhar coragem. quando envelhecer mais um pouco. contarei algumas histórias que se passaram comigo e com alguns colegas de turma – confesso que já tentei. mas acabo sempre por desistir. ao fim de quase meio século a ferida ainda não cicatrizou. recordar ainda dói – talvez fruto dessa revolta dei comigo a praticar umas quantas palermices em casa. e que levaram o meu pai a ameaçar-me que me internava no colégio das caldinhas. em santo tirso – na época. um filho de um vizinho uns anos mais velho. foi colocado a estudar nesse colégio. em internato completo. só vinha a casa no natal e páscoa – estavam lá enclausurados. os mais insurretos dos insurretos. o que me levava a pensar que se o d. diogo era mau. então este colégio das caldinhas deveria ser qualquer coisa fora da minha imaginação. de onde só se saía para o hospital ou morgue – ganhei coragem e disse ao meu pai que não tentasse. pois pegaria fogo ao colégio no primeiro dia que lá entrasse. e estou certo de que o faria. tal era a minha revolta – já trabalhava em mim uma das minhas marcas de personalidade: o que se promete tem que ser feito. as consequências resolvem-se mais tarde. mas a palavra de um homem é sagrada – acredito que o meu pai me tenha levado a sério. creio que percebeu que falava verdade. e também percebi que a minha mãe e a lurdes não permitiriam – o que me interrogo é que género de criança seria eu para levar o meu pai. um homem dócil. bom de nascença. com uma tolerância de santo. a querer mandar-me para um colégio daqueles – não deveria ser grande peça. mas era fruto de uma liberdade excecional. as portas de casa eram abertas e a rua a minha grande paixão – sei que a vida na época não foi fácil para os meus pais. trabalharam imenso. e lutavam por cada tostão que ganhavam. e muito desse dinheiro era para pagar colégios caríssimos – sempre andei nas melhores instituições de ensino da minha cidade: pré-primária no colégio dublin. um convento de uma ordem religiosa fundada em 1655 – primeira classe na escola primária do bairro da misericórdia. esta foi a exceção. ensino público frequentado por alunos de um dos bairros mais problemáticos da cidade. as palhotas – todos os dias me roubavam o pão com marmelada que levava numa daquelas sacas de pano bordadas com o meu nome. mas ficava perto de casa o que facilitava a vida aos meus pais – por fim. e como perceberam que a minha integração nunca aconteceu. e a pedido da professora.  aconselhou a mudarem-me de escola segundo ela. era demasiado frágil para estar no meio de miúdos oriundos de famílias com graves problemas sociais – mudaram-me então para a gulbenkian. onde fiz a segunda. terceira e quarta classe. sem nenhum tipo de dificuldade – frequentada pela elite da cidade de braga. senti-me rei. com as lições de sobrevivência que aprendi com os rufias das palhotas. os meus amigos eram presas fáceis. era eu que lhes comia o pão com marmelada. era o super-herói da escola. e o dono da bola no recreio – ouvi muitas vezes a minha mãe dizer que só me queria ver formado e casado – compreende-se. foi mãe já depois dos quarenta. a minha irmã mais velha treze anos. e o meu irmão onze. tinha imenso medo de não conseguir dar um rumo à minha vida. já que os meus irmãos eram adultos. creio que até casados. ou em vias disso – hoje orgulho-me imenso dos pais que tive. foram fantásticos e completamente dedicados aos filhos. viveram para unir a família – mas naquela época senti-me muito sozinho. senti-me perdido. marcou o meu crescimento durante muitos anos. nunca mais confiei nos homens da igreja – agora que envelheci um bom bocado olho para a religião com outros olhos. às vezes sou crente. quando estou menos zangado com o destino. e não crente. quando me revolto com as injustiças no mundo – na maior parte das vezes só sou crente para continuar a acreditar na vida depois da morte. e assim reencontrar os meus pais

 




 

Sem comentários:

Enviar um comentário