estou cansado
de viver dentro deste cérebro tagarela: de um lado os pensamentos sem
interesse. do outro. os pensamentos longos. capazes de dizer quase tudo. e o
corpo paralisado. com medo de lhes tocar. com medo de os silenciar de vez. de
os matar. de acabar de vez com as narrativas. os apólogos – os pensamentos
mortos não servem para nada. ninguém escreve com pensamentos que não respiram.
em putrefação. a cheirar a defunto. a cheirar a fim – quando me ocupo de mim.
pergunto-me: o que fazer com o que penso. o que fazer com as interrogações do
que penso. é então que ganho coragem e escrevo o que me brota das mãos. escrevo
para memória futura. para os que por cá ficarão depois de eu partir com a minha
insignificância – um dia. quando os filhos dos meus filhos quiserem compreender
melhor a sua prole. com as suas virtudes e defeitos. terão o que escrevo. que é
muito dos meus pais. que é muito dos avós que não tive. que é muito de uma
linhagem que não conheço – quando me escrevo não quero que tudo faça sentido.
quero que encontrem algum mistério. mas também certezas – quero que encontrem
brigas. mas também paz – quero que encontrem amor. mas também desencanto –
quero que encontrem erro. mas também acerto – quero que encontrem desilusão.
mas também uma certa genialidade tonta para criar coisas – quero que encontrem
a fé com que faço essas coisas. quero que encontrem o vigor com que acredito
nessas coisas que faço. e de nunca me dar por vencido – é com a certeza de que
um dia tudo fará sentido que organizo por ordem de importância os pensamentos.
e levo-os à boca. e ali fico a mastigá-los. revolvendo-os. tomando-lhes o
gosto. medindo a sua intensidade. a sua doçura. ou raiva. ou indignação. ou
ainda esperança – largo então tudo no papel. como se escapassem num vómito. e é nesse
instante que se dá a reação química. digo química como poderia dizer milagre:
apareço nas palavras em carne e pensamento – um dia quando me encontrar na
decantação final. quando o que não tem importância deixar de ter mesmo
importância. ficarei apenas eu. sentado numa cadeira. a escrever o que sei. e
sei sempre tão pouco. a imaginar como serão os que hão de vir depois de mim – “mostra-me um homem cem por cento satisfeito e eu
mostrar-te-ei um fracassado - thomas
edison” –
não desisto de fazer a diferença. digo. já fiz a diferença. os meus filhos são
os meus passos a caminhar pelo futuro
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