24/11/2025

carneiro

 



nota de autor

este é um exercício de reconhecimento. do homem que sou. feito de faísca. impulso e verdade – a minha combustão interior – é menos sobre o zodíaco e mais sobre mim. sobre o que me move. me inquieta e me cria -  um carneiro que existe na coragem de começar

 

o que se pode dizer sobre um homem carneiro? – não sei – mas o que posso dizer sobre mim – é o que sei – falando sobre mim. não há necessidade de acrescentar mais um signo – às vezes sinto-me desconectado do universo. perdido. como se fosse um cometa a fazer a sua orbita. giro e giro e nunca chego a lado nenhum – é assim que me sinto. um pé na terra. a cabeça na lua – e as mãos a tocar o sistema interestelar – sou do primeiro signo do zodíaco. logo trago comigo a vontade da faísca – incendiar para começar. não importa arder. o importante é começar – depois logo se vê até onde chegam as labaredas – este impulso criador é a essência do que sou. tudo se move na vontade de criar. de inovar – de encontrar solução para o que à primeira vista se esconde do possível – todos os dias preciso de começar alguma coisa. não importa o que seja. pode ser um pensamento. um projeto. uma ligação espiritual – o que sei é que vou de alma. a cabeça vem mais atrás – preciso é de acreditar. tem de ser executável – empírico – a rotina destrói-me. o movimento salva-me. e em silêncio encontro sentido -- o risco é parente do sucesso – o zodíaco diz-me que faço fronteira com touro – por isso dizem que sou menos impulsivo e mais estratégico – mas intenso continuo a ser – menos impulsivo não sei. nunca me deram fita métrica para medir o seu alcance – mas creio que mesmo com menos ainda será muito. a impulsividade deixa-me muitas nódoas negras no corpo – e confesso. como forma de perdão. que deixo algumas também em quem me desafia – nem sempre a uso em proporcionalidade – às vezes um tornado de palavras. outras um ventinho fininho. a ferir a epiderme – quanto à estratégia. talvez. nem sempre com bons resultados. mas sempre fiel ao pensamento. e por isso. se há culpa nas minhas falências estratégicas. emocionais ou profissionais. não é minha culpa. é da estratégia que não se alimenta na medida certa do que o mundo oferece – mas apesar de tudo visto-me de verdade – do trabalho feito – do gesto que me torna reconhecido – e principalmente. porque não vivo sem amor. da sua correspondência – reconheci-me a primeira vez com a hora do zénite. o sol entrou-me com fome. e dele retirei a primeira energia para me tornar um sobrevivente – tomei o primeiro leite e senti pela primeira vez o toque da pele que nos cobre. e nos braços da minha mãe a voz que me abraçou. e do nome que me calhou a certeza de que nunca mais poderia ser mais ninguém senão quem sou – nasci para ser líder de mim – e brilhar apenas pelo exemplo – mesmo que não seja do tamanho que imaginei. mas é dentro do que sinto. a obrigação de me sentir reconhecido – carrego comigo o peso da verdade – e essa não tem medida – é do meu tamanho – e dos olhos que a veem – cresci. e comigo a vontade de saber de todos os livros. e o que não sei. é por falta de tempo. talvez se tivesse mais mil anos pela frente. eu pudesse saber tudo de mim. e só se sabe tudo de nós quando sabemos tudo dos outros – a mediocridade abala-me. às vezes até desfaleço. mas o que mais me incomoda são aqueles que sabem tudo – e de tudo se fazem – e com tudo me importunam – não procuro aplauso. posso até ser generoso. mas que ninguém me fique a dever – o que dou é o que me sobra da vida que construí. o que exijo é apenas gratidão por fazerem parte do mundo onde cresço e aprendo – e aprendo com todos – nunca percebi porque trouxeram um carneiro para o zodíaco. talvez por ser herbívoro. talvez pelas suas marradas com aqueles chifres de refilão – não sei. mas para ser abril. é porque trouxe a liberdade dos recomeços. o confronto dos ideais. a busca pela completude – abril é o eterno retorno da vida que regressa do frio – sei agora que não poderia ter nascido num noutro qualquer mês – confesso que também não aceitaria. fugiria até ao dia que me acolheu – não é por maldade. é por ser o que sinto. e sempre que sinto sou frontal. honesto. às vezes bruto. às vezes visceral. mas é o que sou e sinto – nunca me ensinaram a esconder nada. nem o zodíaco. por isso. fico no que não sou – às vezes besta. às vezes vulcão. às vezes carrasco – mas como sou metamorfo. tudo me passa rapidamente – o que explode para lá. implode para cá – ficam as lembranças com os seus ensinamentos – e o rancor. quem me dera tê-lo – ensinaria a mente a não cair duas vezes no mesmo erro – gosto de mim. porque sempre que gosto eu avanço um espaço. e sempre que avanço o universo cresce. fico sem medo. e quando fico sem medo. sinto-me mais perto dos que trago por bem – as pessoas constroem-me. iluminam-me. e em cada uma uma vida que desconheço. e mais do que uma desculpa para o que não entendo. a certeza de que o erro compensa o caminho – eu sou hoje o caminho do amanhã – ser melhor é uma missão impossível de concretizar. mas o importante é capturar os espaços vazios – enfrentar o vazio é a grande missão terrena – o único que a morte teme – kant disse que o bem é a vontade pura – o gesto sem cálculo – a boa vontade como bem moral absoluto. o único bem incondicional – não depende das consequências. nem de desejos. nem de inclinações – agir por dever. por respeito à lei moral. é o que faz a ação ser boa. e quando a ação é boa. todos os erros merecem perdão – o pedido de desculpa só deve existir quando não agimos pelo bem. porque é a razão que compensa o erro –- e é por ela que estamos perdoados – no amor tem o seu grande calcanhar de aquiles – todo o amor é criação. o desejo só existe se houver obra. o que quase sempre quer dizer deusa – é quando surge uma vontade de se incendiar. e das cinzas renasce cada beijo ou abraço – gosto de ti porque em nós não há sombras – nada no amor é para amanhã. a palavra amo-te não espera – tudo é urgência – porque tudo nele arde – beijar – abraçar – contemplar – tocar – depois… fundir-se com a amada é um gesto único – tão único como ela – porque não há mais ninguém a não ser a amada – o carneiro é homem de uma só mulher – tudo nele é movimento – todo ele é o dia seguinte – e mesmo sem luz ou vento. segue o destino que o coração desenhou – tanto faz se vai para longe – o agora é a certeza absoluta – e se um dia acabar. tombará como fruto da árvore do amor – é o amor que o sustenta. todo ele é movido a paixão. a mel. a carinho. mas sempre com reconhecimento de que nada seria igual se não existisse – existir só faz sentido quando os olhos se tocam sem querer possuir. dar é a sua razão. sobretudo se não tiver medida – é no dar que ele existe – é no impossível que cresce a faísca – amor tem sempre que ser livre e genuíno -- onde o tempo só serve para acrescentar desejo –- e assim chego ao fim do que é ser um carneiro de abril – existo num estado de começar. agir antes de temer. e acreditar que em cada gesto um novo mundo pode florir – coragem sem medo. erro sem estrada. coração sem destino -- gaivota – morrer devagar para renascer depressa. tudo o que é importante chega no dia seguinte – nasci para incendiar o escuro – e chamar-lhe vida

 

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