escrevi este texto como quem volta a uma conversa
interrompida. não para refazer o passado. mas para o entender. há memórias que
nunca se apagam – ficam à espera de uma voz que as nomeie. “o porquê das
causas” nasceu desse impulso: o de falar com o meu pai. mesmo depois de tantos
anos de silêncio. é uma tentativa de reconciliar o tempo. de agradecer o que
ficou dito e o que não foi possível dizer
o que leva um pai a ter uma conversa com o filho
sobre casamento? talvez a irreverência do filho. talvez o amor. ou o medo de o
perder – talvez tudo junto numa única fala – escrevo-te. pai. porque a tua
memória ainda vive em mim. e agora. que estou mais perto da idade sábia. começo
a encontrar o desígnio terreno que me coube. preciso entender o porquê das
causas. descobrir nas tuas razões. o caminho que me trouxe até hoje – já não
falamos há vinte e sete anos. ouço dizer que é uma vida. para mim é silêncio –
e o silêncio tem sempre um princípio. mas nunca saberemos quando acaba. porque
dentro de mim guardo um nó de perguntas que não foram feitas – quando fico mais
comigo. saco de uma daquelas falas que ficou por dizer e interrogo-te. mas como
não me respondes. respondo eu por ti – é a forma de te manter ao pé de mim --
fazes-me falta -- e mesmo que eu vá envelhecendo. tu estás igual – é assim que
te guardo. a mastigar. uma nódoa na gravata. e aquele jeito de andar a sorrir –
como se a luz que trazias vestisse o corpo – uma daquelas noites em que fico a
conversar contigo. lembro-me bem. ali na praça conde de agrolongo. o vento a
cortar a fala. e tu. a certa altura. disseste: porque não te casas – tens uma
miúda que me parece uma boa menina e é muito bonita – sim. era a maria joão –
depois continuaste. precisas de acalmar. teres horas para te deitar. dedicar-te
mais à fábrica. tens agora mais responsabilidades – pensa nisso – ouvi-te em
silêncio – quando cheguei a casa deitei-me e comecei a digerir a conversa contigo
– naquela noite foi um emaranhado de lençóis e pensamentos – confesso que nunca
me passaria pela cabeça ter uma conversa sobre casamentos – durante dias as
palavras dele ficaram presas em mim. como se procurassem sentido – e sim. tinhas
razão – estava na hora de me acertar com as responsabilidades – precisava de
deixar de emendar as noites com os dias. acalmar. e de voltar a colocar a
família no centro do meu universo – era um miúdo – mas a família sempre me
ancorou ao certo – sempre senti que era a seu lado o meu porto seguro – quanto
ao casamento. tinhas toda a razão. aquela seria para sempre a mulher da minha
vida. passaram quarenta e um anos. e ainda acredito que foi o meu pai que me
deu aquele pequenino empurrão que faltava – tenho muitas saudades tuas –
ficaram tantas coisas por dizer – a juventude é o nosso melhor tempo de vida. sobretudo
para quem nada falta. que era o meu caso. mas trocaria tudo por mais uns anos a
seu lado – eu ficaria mais adulto. saberia contar melhor o tempo. e teria mais
tempo para te explicar o caminho que fiz – para ti seria igual – eras um ser de
luz. e provavelmente ririas de todas as palermices que inventava
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